domingo, 26 de julho de 2009

DOSSIÊ INOVAÇÃO ABERTA - De fora para Dentro

Por Luisa Monteiro



Em entrevista exclusiva, organizada em tópicos, Larry Huston, ex-líder de inovação da Procter & Gamble, conta como essa e outras empresas trocaram o “know-how” pelo “know-who” para adotar a inovação aberta e afirma: “conectar e desenvolver” será o novo paradigma dessa área

Pioneiro da inovação aberta, o ex-VP de inovação da Procter & Gamble conta comosurgiu o modelo de negócio “conectar e desenvolver” e aposta: este será o novoparadigma da área.
Se a inovação aberta fosse um crime, seria o crime perfeito. Não por não deixar pistas, mas por ter tantos motivos para justificá-la que qualquer juiz ou júri compreenderia o réu e o recompensaria com a liberdade.
Veja os principais:
• Urgência das empresas de inovar para compensar a consequente redução nas vendas que vem dos consumidores cada vez mais insatisfeitos e da concorrência crescentemente feroz –e também de eventuais recessões macroeconômicas.
• Pressão sobre os orçamentos para inovar de maneira mais barata.
• Necessidade de escapar das elevadas taxas de insucesso das inovações, como a verificada entre os produtos de consumo –apenas 18% dos novos produtos sobrevivem em três anos e a maioria não vende muito bem mesmo assim.
• Possibilidade de aproveitamento da capacidade intelectual existente fora das próprias fronteiras.
• Total coerência com a era das redes sociais e da web 2.0.
• O fato de que ser produzida por profissionais de qualquer lugar de fora da organização em qualquer parte do mundo torna a inovação aberta potencialmente mais poderosa, porque é mais surpreendente e menos imitável.
Não faz muito tempo que a inovação aberta se estabeleceu como processo possível no mundo dos negócios: cinco anos, no máximo. E não são muitas as organizações que já a abraçaram: entre as de primeira linha, umas 150 apenas. A pioneira foi a Procter & Gamble, que a iniciou em 2002, mas Johnson & Johnson, General Mills, Bill and Melinda Gates Foundation também estão nesse seleto grupo. Todas adotam o programa –e o conceito– “conectar e desenvolver” (connect and develop, originalmente) ou C&D, que foi encabeçado por Larry Huston, ex-vicepresidente de inovação da P&G e e atualmente consultor nessa área em sua empresa, a 4Inno, além de professor da Wharton School.
Como diz Huston a seguir, em entrevista concedida com exclusividade à Adriana Salles Gomes: “Estamos falando de algo maior que um modelo de negócio; estamos falando de um novo paradigma de inovação, que, mais cedo ou mais tarde, todas as empresas terão de incorporar. É a passagem da velha P&D, sigla de pesquisa e desenvolvimento, para o C&D, de conectar e desenvolver”.
O (velho) modelo de invenção
“A maioria das empresas ainda está amarrada ao que chamo de ‘modelo de invenção’ ou ‘modelo do tudo inventado aqui’, apoiado numa infraestrutura de tijolo e cimento e na ideia de que a inovação reside dentro dessas quatro paredes.
As empresas até tentam turbinar seus departamentos de P&D com aquisições, alianças e terceirização seletiva em alguns casos, mas todas essas são mudanças incrementais, curativos band-aid numa ferida mais profunda.”
caso P&G
“Quando a Procter & Gamble era uma empresa que faturava US$ 25 bilhões por ano, ela conseguia se apoiar no modelo de invenção. Mas, no patamar dos US$ 52 bilhões anuais [2001] e num mundo muito diferente, isso deixou de ser viável. Em 2000, ficou claro para nós que esse modelo não era capaz de sustentar níveis elevados de crescimento de primeira linha, mesmo incrementado –usávamos o conceito transnacional de inovações através das fronteiras, com uma rede formada por funcionários de todas as partes do mundo, como pregavam Sumantra Ghoshal e Christopher Bartlett.
A explosão de novas tecnologias aumentava a pressão sobre nossos orçamentos. Nossa produtividade de inovação, medida em vendas por pessoa de P&D, caía muito e a porcentagem de novos produtos que atingia suas metas financeiras estancou em 35%. Nossa ação chegou a cair de US$ 118 para US$ 52 e perdemos metade de nosso valor de mercado. Foi quando nos impusemos o desafio de gerar US$ 5 bilhões por ano em novas linhas de produtos.
Aí fomos lançar a Pringles Prints, nova linha de crisps com figuras e palavras divertidas. E conseguimos fazer isso em tempo recorde e por uma fração do custo usual. Descobrimos uma pequena panificadora em Bolonha, na Itália, herdada e comandada por um professor universitário de engenharia elétrica, que desenhou o próprio forno de assar e inventou um método com jato de tinta para imprimir imagens comestíveis em bolos e biscoitos. Selamos uma parceria com ele e adaptamos sua inovação rapidamente a nossas batatinhas.
Conectamos e desenvolvemos. Isso fez a North America Pringles ter crescimento de dois dígitos. Sabe como encontramos esse professor em Bolonha? Fizemos um briefing do desafio e o enviamos para 9 mil pessoas de fora da Procter & Gamble. A proposta acabou chegando ao e-mail dele.
Metade das inovações lançadas pela Procter & Gamble desde então vem de fora das fronteiras corporativas, sendo que, destas, 35% se originam em empresas individuais ou de pequeno porte. Nos últimos seis anos dobraram o fluxo de caixa e o lucro, houve incremento de 60% na produtividade de P&D e o índice de inovações bem-sucedidas saltou de 35% para 75%.
A empresa tem 9 mil funcionários dedicados a pesquisa e desenvolvimento, mas, somando os parceiros em 71 países, são 1,8 milhão de pessoas buscando inovar pela Procter & Gamble. Tanto que a companhia tem mais de 27 mil patentes registradas. Isso mudou até sua vocação. Agora ela é uma empresa de ciência e não de marketing. E fatura US$ 86 bilhões por ano.”
O novo modelo C&D: seis passos
“A implementação do modelo C&D não se limita a ser receptivo às ideias de fora. Nós o montamos na Procter & Gamble com um indivíduo fazendo ligações com gente de fora e o expandimos até ter 70 pessoas dedicadas a isso, que foram capazes de identificar milhares de produtos, ideias de produtos e tecnologias promissoras. Resumidamente, elas têm de identificar uma necessidade –com os consumidores ou não–, criar um briefing sobre isso, achar um modo de distribuí-lo interna e externamente (primeiro é preciso verificar se a resposta a tal necessidade pode ser desenvolvida, a contento, internamente). Tal briefing pode ser distribuído para 5 mil pessoas lá fora, por exemplo. Aí vêm as respostas, sempre tecnológicas –afinal, inovar é juntar o que é necessário para o consumidor com o que é possível pela tecnologia. E essas 70 pessoas devem poder estimar a possibilidade de sucesso em cada caso.”
O processo C&D, trabalhado tanto na P&G como pela consultoria de Huston, tem seis pontos:
1. Por que mudar. Saber com clareza quais são os “mandatos” da própria companhia, ou seja, seus limites e suas facilidades.
2. O que fazer. Definir a visão ou o foco dos negócios.
3. Onde atuar. Escolher a região geográfica.
4. Como vencer. Aprender qual é a maneira de operar ali visando ao êxito.
5. Quem buscar. Mapear quais as capacidades necessárias para vencer: ferramentas, habilidades e tecnologias.
6. Como viabilizar tudo isso. Desenvolver a gestão e a governança (da rede de parceiros) apropriados.

É nos itens 5 e 6, sobretudo, que entra a rede de parceiros. No que diz respeito ao item 6 especificamente, o objetivo deve ser o de se tornar o parceiro preferencial do pool de talentos, cuidando deles e alimentando-os, mantendo-os, por exemplo, 20% ocupados com projetos seus o tempo todo. Não adianta fechar um projeto cada três anos com eles; você vai perdê-los.
“Veja bem: estamos falando de algo maior que um modelo de negócio; estamos falando de um novo paradigma de inovação, que, mais cedo ou mais tarde, todas as empresas terão de incorporar. É a passagem da velha P&D, sigla de pesquisa e desenvolvimento, para o C&D, de conectar e desenvolver.”
Inovadores: das páginas amarelas à gestão
“Uma das tarefas que minha firma de consultoria executa é a elaboração de um tipo de ‘páginas amarelas’ de parceiros potenciais. Depois as empresas estabelecem seus acordos com eles. Esses acordos seguem uma espécie de Lei de Moore. O primeiro leva 12 meses para ser concluído, o segundo 6 meses, o terceiro 3 meses e, ao longo de um período de cinco anos, constrói-se uma relação bem engrenada.”
Abertura e crise
“Esse modelo de inovação aberta nasceu como resposta a uma crise –no caso, a crise que a Procter & Gamble estava atravessando desde 2000, com a saída de seu CEO, com a demanda por novos produtos para casa, com a influência da biotecnologia e da genômica em seu mercado etc. Então, ele é muito adequado à crise financeira que observamos atualmente.
Hoje já temos entre nossos clientes uma montadora automobilística europeia especializada em carros de luxo, porque a crise atual atingiu em cheio especialmente essa indústria. Ela tem uma infraestrutura gigantesca de inovação interna e resolveu recorrer a esse modelo para mudar as coisas.”
Aquisições X crescimento orgânico
“A maioria das empresas maduras precisa ter um crescimento orgânico de 4% a 5% por ano no mínimo, além de eventuais aquisições, que respondem por 2% a 3%, somando 6% a 8%. O problema é que as aquisições, embora devam crescer nesta crise, são arriscadas e caras, por isso é interessante garantir o crescimento orgânico.”
Apoio da alta cúpula
“Temos provas suficientes de que o apoio a esse novo modelo de negócio precisa vir de cima, senão não funciona. Como cria valor para o acionista, esse apoio se justifica totalmente. O apoio do CEO da Procter & Gamble [Alan G. Lafley] ao projeto foi crucial para seu êxito.”
Mudança cultural
“Sem uma mudança de cultura que consiga combinar ativos intelectuais internos e externos em condições equitativas e seja capaz de substituir a mentalidade ‘não foi inventado aqui’ por ‘orgulhosamente encontrado fora daqui’, a inovação aberta não se estabelece. Isso passa tanto por adaptar os sistemas de remuneração de acordo com esses objetivos como por ações de comunicação intensivas e comportamentos exemplares da alta cúpula. A cultura começa a ter motivação pela busca de soluções fora dos limites corporativos –partindo do princípio de que estas já existem, só precisam ser localizadas. É o que chamo de foco nos produtos ‘prontos para usar’. É um tom perscrutador e não se deve ter medo de procurá-las e explorá-las. É preciso, acima de tudo, acrescentar o know-who ao know-how.”
Especialidades de inovação por país
“Os diferentes países podem ter especialidades de inovação que as empresas do modelo C&D vão buscar ali. Por exemplo, a China atrai por sua inovação de custo, que muita gente confunde erroneamente com redução de custo. Eles focam custo como objetivo: o cliente lhes dá o preço a que quer chegar e eles fazem a engenharia reversa para chegar a ele. Por exemplo, um aparelho de barbear elétrico que custava US$ 18 passou a US$ 3 e depois a US$ 0,90. Eu testei e funciona bem! Não conheço suficientemente a América Latina nesse sentido nem a região tem despertado muito o interesse de meus clientes como fornecedora de inovação ainda. Mas cabe aos países latino-americanos investir nisso. A Finlândia, por exemplo, decidiu investir ativamente em apoio à inovação, por entender que o bem-estar de seu povo –e de qualquer nação– agora está intimamente ligado à capacidade que o país tiver de inovar.”
Como as pessoas de fora podem implementar
“Sua empresa não precisa faturar o equivalente a bilhões de dólares para você adotar o modelo C&D. Empresas de todos os tamanhos podem alavancar ideias e ativos de outras companhias e, na verdade, as empresas menores provavelmente têm mais facilidade de fazê-lo. Vale a pena começar a pesquisar redes externas como NineSigma, YourEncore e InnoCentive.”
Tamanho do desafio
“Hoje a maioria das empresas não tem ninguém do lado de fora. Enfrentei o desafio de reverter isso duas vezes: na P&G por sete anos e em minha firma de consultoria. Hoje, na 4Inno, temos 20 funcionários e 400 parceiros externos na rede de inovação. Não é fácil, mas é possível.”

SAIBA MAIS SOBRE LARRY HUSTON
Larry Huston foi o vice-presidente de inovação da Procter & Gamble que criou e liderou a estratégia “connect + develop” da empresa. Ele conta que já possuía essa ideia uma década antes, como pesquisador na universidade, e que naquele momento surgiu a oportunidade de implementá-la na P&G. Huston fundou e lidera a firma de consultoria 4Inno, especializada em inovação aberta, que faz vários programas de treinamento de um dia no assunto, além de montar “páginas amarelas” de parceiros de inovação e oferecer outros serviços nessa área. Ele também é professor de gestão da Wharton School, da University of Pennsylvania.



Princípios do Design das Redes de Inovação

Segundo Larry Huston, as redes de inovação seguem alguns princípios muito claros:
1. São uma estrutura de irradiação, ou seja, com o centro (a empresa principal) e os raios.
2. Têm métricas muito bem definidas.
3. Baseiam-se no compartilhamento de riscos e recompensas por todas as partes –o que significa que a empresa central não pode querer ganhar muito mais que as outras.
4. Todas seguem um desenho único.
5. Dividem-se em redes exclusivas (em que os parceiros trabalham apenas com a empresa central) e redes abertas.
6. Têm mecanismos de construção de confiança e de relacionamento.
7. Não excedem a capacidade produtiva de cada membro –fator importantíssimo.
8. Contam com “donos de rede”, que, por sua vez, têm funções muito bem estabelecidas.
9. São focadas em uma região específica.

Além disso, Huston ressalta a importância de alavancar ecossistemas já existentes nas regiões, como fornecedores, universidades, ex-alunos, institutos de pesquisa, mercados virtuais, lojas de inventores, outras empresas, consumidores, empreendedores.

Fonte: HSMManagement n°75 - Julho-Agosto

domingo, 19 de julho de 2009

DOSSIÊ INOVAÇÃO ABERTA - Caçadores de Oportunidades

Por Luisa Monteiro
O conceito “VOW”, sigla em inglês pela qual começam a ser conhecidas as redes de oportunidade de valor, pode antecipar movimentos do mercado, segundo os especialistas Liam Fahey, do Leadership Forum, e V.K. Narayanan, da Drexel University


Por Liam Fahey e V.K. Narayanan

Liam Fahey, autor de Competitors: Outwitting, Outmaneuvering, and Outperforming (ed. Wiley), é diretor-executivo da Leadership Forum, empresa dedicada à educação executiva sediada em Durnham, Carolina do Norte, nos Estados Unidos. V.K. Narayanan é professor de estratégia e empreendedorismo, diretor associado de pesquisa e diretor do Center for Research Excellence, do LeBow College of Business, ligado à Drexel University, da Filadélfia, Pensilvânia.

O Propósito da estratégia é, sempre, identificar, criar e concretizar oportunidades no mercado. Os especialistas recomendam que as empresas encontrem oportunidades de aperfeiçoar o valor oferecido ao cliente aprendendo com o futuro antes que ele aconteça, procurando tecnologias de ruptura e desenvolvendo capacidades de visão periférica. Acontece que nisso tudo reside um desafio inevitável: como você vislumbra maneiras de captar dados, no mercado e em torno dele, que gerem indicadores de mudanças emergentes e potenciais e que possam levar a ofertas inovadoras aos consumidores? E ainda: como fazer isso bem antes que as oportunidades se manifestem visivelmente?
Para enfrentar tal desafio, nós propomos uma nova metodologia, que chamamos de “rede de oportunidade de valor” (value opportunity web em inglês, resumido no acrônimo VOW). Trata-se de um processo para antecipar potenciais movimentos no mercado. Uma série de empresas líderes já utilizam partes da VOW, mas seus esforços e sucessos não foram relatados até agora e, assim, o potencial de uma VOW ainda não é amplamente conhecido.
O leitor deve estar se perguntando: precisamente, o que é uma VOW? Como funciona e quais são os passos para criar e administrar uma rede como essa?
VOW é o processo de captar e analisar dados potencialmente valiosos sobre o ambiente externo, alavancar essa análise e transformar os dados em ofertas vencedoras ao consumidor. Tais dados vêm de uma comunidade de experts em áreas variadas. Ou seja, vêm de indivíduos que estão onde as coisas acontecem e que são capazes de antecipar, por exemplo, como tecnologias podem se cruzar, em algum ponto no futuro, para criar uma solução de produto. Eles são os que podem, ainda, projetar a provável evolução do processo legal do país e os novos padrões regulatórios. O primeiro desafio a que uma VOW responde é identificar as fontes de dados e captá-los efetivamente, captando também o conhecimento relevante.
O propósito fundamental da VOW, contudo, que fique claro, não é a coleta de dados. É a reflexão e a análise, com o objetivo de identificar e desenvolver novas formas de entregar valor ao consumidor. Uma VOW descobre e leva em conta:
• Novas necessidades dos consumidores.
• Novos modos de fazer as coisas.
• Novas funcionalidades de produtos.
• Novos modos de a empresa entregar valor aos clientes.
E também são quatro os atributos que guiam uma VOW. São atributos-chave que definem o futuro da descoberta e da análise de mercados emergentes. O que está em jogo aqui é que as organizações precisam desenvolver modos cada vez mais especializados de acumular dados externos e alavancar o conhecimento que reside além de suas fronteiras:
1. Criação de oportunidades, que identifica potenciais necessidades dos clientes.
2. Relações com fontes externas inspiradoras, que conduzem à coleta dos dados exigidos.
3. Uma comunidade de experts na informação, que fomenta a conexão e o aprendizado contínuo entre seus membros.
4. Processos de conhecimento, que são necessários para transformar dados em insights valiosos e impactar ações.
Busca de oportunidades realmente novas
Em que tudo isso é diferente da análise do ambiente externo que todas as empresas bem administradas já fazem? Bem, com frequência, a análise do ambiente não é mais do que a atualização das análises do ano anterior, das projeções e expectativas sobre a direção da dinâmica do mercado, das estratégias dos concorrentes e das propensões dos clientes.
Uma VOW, por sua vez, foca explicitamente a identificação e a análise de novas oportunidades de mercado. Particularmente, coloca três questões sobre a mesa:
1. Quem, fora da empresa, pode ter conhecimento sobre oportunidades potenciais e emergentes?
2. Como podemos nos aproximar desses indivíduos e aprender com eles?
3. Como identificamos e moldamos oportunidades com base no que aprendemos?
Vejamos como um grande fabricante está levando essas questões em conta. Ele identificou um conjunto relevante de experts em tecnologia em áreas amplas, como engenharia de materiais, desenvolvimento de componentes, mudanças em energia, avanços de engenharia e operações de manufatura. A empresa pede a esses indivíduos que nomeiem outros que possam ser fontes valiosas de compreensão de tecnologias específicas. Essas pessoas são afiliadas a universidades, a firmas de consultoria, a instituições de pesquisa e desenvolvimento, ao governo e a organizações de tecnologia especializada.
O analista do fabricante conduz, com esse grupo, entrevistas periódicas estruturadas e com perguntas abertas, por telefone ou pessoalmente, de modo a assegurar mudanças-chave em seu foco e para verificar quais implicações dessas mudanças estão relacionadas a desenvolvimento de produtos, design, fabricação e entrega ao consumidor. As mudanças projetadas e suas implicações alegadas são, então, inseridas na análise interna da empresa para determinar potenciais desenvolvimentos de tecnologia e identificar como eles podem contribuir para oportunidades específicas de clientes.
Para que um processo de VOW funcione, são necessários sistemas de coleta de informações, ferramentas de estruturação do conhecimento e rotinas organizacionais.
Novas fontes de dados e de compreensão
Uma VOW não apenas conversa com clientes e usuários finais. Ela procura dados e insights sobre o futuro contexto de concorrência da empresa. Para conseguir isso, uma VOW busca fontes com as quais a companhia não poderia trocar informações no curso normal dos negócios do dia a dia. Instituições de pesquisa, organizações de desenvolvimento tecnológico, líderes de pensamento, experts em geral, acadêmicos, participantes de políticas públicas e muitas outras pessoas podem ser membros ativos em uma VOW.
Por exemplo, gerentes de marketing da nova VOW de uma instituição de serviços financeiros buscaram entender padrões existentes e potenciais de compra dos clientes por meio de fontes de fora de sua rede de informações de mercado. O julgamento realizado por experts de uma firma de consultoria, sobre a probabilidade de um cliente institucional mudar para um novo fornecedor, levou à análise de necessidades emergentes dos clientes em diferentes segmentos. O resultado foi o compromisso de desenvolvimento personalizado de soluções para cada segmento de mercado.
As empresas líderes estão aprendendo o valor dos espaços de interação online, nos quais é possível reunir tais informações críticas, conduzir as conversações com empresas de fora e gerar conhecimento.
Comunidades virtuais do tipo VOW
A prática de business intelligence de uma grande empresa de bens de consumo desenvolveu uma rede de inteligência humana que consiste em 40 fontes externas (clientes, varejistas, fornecedores, especialistas em tecnologia, organizações governamentais, analistas de segurança e imprensa especializada, entre outras). Esses especialistas forneceram conhecimento vital para os acontecimentos e as possibilidades do setor em uma base do tipo “conforme solicitado”.
Se, historicamente, a informação era adquirida apenas em conversas pessoais, agora a empresa está mudando para ligações online com cada indivíduo, de modo que as respostas às questões possam ser obtidas mais rapidamente e, com frequência, em maior profundidade. A fim de manter a confidencialidade, os especialistas não veem as respostas uns dos outros, mas a empresa pode fácil e rapidamente perguntar a eles sobre suas reações ao ponto de vista dos demais membros da VOW. Conforme a empresa sintetiza essas contribuições, é capaz de identificar tecnologias potenciais e maneiras pelas quais as tecnologias convergirão, novas possibilidades de produtos e algumas necessidades de clientes que poderiam ser satisfeitas apenas com o desenvolvimento de soluções radicalmente novas em produtos.
Comunidades VOW já existentes
Três tipos de comunidades VOW estão agora em funcionamento em empresas líderes: comunidades de interesses, comunidades virtuais de clientes formalizadas e comunidades com foco no trabalho.
Comunidades de interesses. Ligam um grupo diversificado de indivíduos e/ou instituições que têm necessidade de trocar informações com um propósito específico. Por exemplo, uma comunidade para antecipar mudanças emergentes na regulação ou para antecipar o próximo estágio de desenvolvimento de uma tecnologia ou de uma ameaça aos padrões de um setor [veja quadro Exemplos de comunidades de interesses, abaixo].
Comunidades virtuais de clientes formalizadas. Recentemente, empresas líderes têm organizado comunidades virtuais para permitir que os clientes interajam no site corporativo.
Tais comunidades permitem aos clientes atuais e potenciais conversar entre si em um contexto seguro, aberto e produtivo. Suas conversas podem girar em torno de tópicos predeterminados pela empresa ou ser abertas, de modo que os membros respondam aos comentários e às perguntas uns dos outros. Tamanho é o valor de tais comunidades virtuais que terceiros surgiram, recentemente, para criá-las e administrá-las (por exemplo, www.communispace.com).
A comunidade para a geração Y do Communispace, composta por mais de 400 pessoas, é dedicada a entender a geração do milênio, composta por jovens entre 19 e 24 anos. Seus membros discutem temas diversos, como estilo de vida, etnias, música e relacionamentos com pessoas de outra faixa etária. A comunidade permite que um cliente conheça o que seus membros dizem, como dizem, o que querem dizer, como se comportam e por quê. O tipo de compromisso em torno da comunidade permite que uma empresa pesquise, por exemplo, como essa geração se sente sobre certas marcas, o que uma marca significa para ela, como reage a uma marca e por quê.
Outro exemplo é a comunidade Hallmark, na qual os clientes interagem livremente. Ao monitorar a rede, a empresa descobriu oportunidades de novos negócios em cartões virtuais.
Comunidades com foco no trabalho. Permitem que participantes internos e externos de um processo interajam em um fórum online. Evidenciando muitos dos atributos de comunidades focadas internamente, essas comunidades possibilitam que diversas entidades contribuam para o
avanço de um projeto.
Por exemplo, companhias farmacêuticas reconhecem que, para ser competitivas, precisam alcançar o conhecimento, as habilidades e as competências de fora. Para tanto, uma grande empresa criou um grupo de conexões com uma ferramenta simples de colaboração que perpassa
oito instituições de pesquisa. Um fator significativo na conversa que desenvolveu é a habilidade dos pesquisadores líderes de ensinar a seus colegas de outras instituições aspectos das pesquisas. O resultado foi um produto que ingressou nos testes clínicos consideravelmente mais cedo do que entraria em uma situação convencional.
Viabilizar a aquisição de conhecimento
Uma característica inegável de uma VOW eficaz é que seu verdadeiro foco é adquirir conhecimento (insights) que viabiliza a compreensão do mercado e impacta diretamente a tomada de decisão. A fim de usar o conhecimento para identificar oportunidades, uma VOW precisa de um sistema de ferramentas de análise e técnicas para assegurar que seja extraído o valor dos dados. Essas ferramentas incluem:
• Análise de sinais. São técnicas que permitem inferir rapidamente, refletindo mudanças potenciais no ambiente.
• Trajetórias de mudanças. Os dados captados são transformados em projeções de tendências e padrões.
• Análise de pressupostos. Utilizam-se os dados sobre uma provável mudança ambiental para identificar pressupostos sobre o mercado futuro, que, por sua vez, são usados para desafiar os atuais pressupostos da empresa. O debate em torno desses pressupostos em uma VOW sensibiliza a organização sobre as implicações de um conjunto de pressupostos falsos (ou corretos).
• Mapeamento das mudanças do mercado. Trata-se de técnicas que podem ilustrar uma mudança estrutural dentro de segmentos do mercado ou em torno deles ao longo do tempo.
Como implantar uma VOW
Em muitos mercados e segmentos nos quais a mudança veloz é regra, a abordagem VOW oferece
um caminho crucial para a construção da agilidade na estratégia necessária para a sobrevivência.
Entretanto, as VOWs não acontecem simplesmente. Elas têm de ser administradas [veja quadro Como implantar uma VOW passo a passo, abaixo].
Uma VOW pode também ser vista como um fórum dinâmico que pode moldar e estocar conversas fundamentais em torno de oportunidades de mercado.
Para facilitar essas conversas, três conjuntos de rotinas organizacionais são necessários:
Rotinas de informação, que ligam as conversas aos muitos dados gerados e ao conhecimento deles decorrente.
Rotinas de análise, que testam o conhecimento em contraposição à estrutura de conhecimento da empresa, isto é, àquilo que os indivíduos e grupos presumem saber.
Rotinas de implantação, que associam o conhecimento às decisões e à implantação, reduzindo, assim, o tempo entre a formulação da estratégia (identificação de oportunidades desejadas) e a implantação (o que tem de ser feito para concretizar oportunidades).
Outro modo de compreender a mudança
A VOW tem um propósito estratégico fundamental: extrair oportunidades inovadoras de um mundo de dados externos que estão constantemente florescendo. A VOW permite aos estrategistas promover estruturas de conhecimento na organização e usá-las para iniciar as discussões estratégicas e operacionais e dar-lhes forma. De fato, a VOW torna-se uma maneira de que o estrategista dispõe para rapidamente entender a mudança e testar as ideias inovadoras à medida que surgem.

Exemplos de comunidades de interesses

Líderes do pensamento tecnológico. As empresas podem usar o que aprendem em sua comunidade virtual para criar soluções da próxima geração com a contribuição desses líderes, que estão na linha de frente das pesquisas, do desenvolvimento e do design. Tais pessoas influenciam a articulação de necessidades e usos de aplicações para o cliente e o design, bem como o desenvolvimento da instrumentação e das funcionalidades requeridas pelas soluções da próxima geração. Assim, para antecipar e criar soluções líderes, a empresa tem de estar consistente e intimamente envolvida no intercâmbio de opiniões, perspectivas e possibilidades com cada uma dessas fontes de liderança do pensamento.
Conselho consultivo da empresa. São os indivíduos seniores e veteranos, entre clientes, canais, fornecedores, entidades de tecnologia e outras, que têm uma amplitude de perspectivas, relevante para os principais investimentos inerentes aos compromissos de pesquisa e desenvolvimento, aquisições, alianças e novas iniciativas estratégicas. Tais consultores experientes podem fornecer insumos fundamentais para a identificação e análise de segmentos de negócios emergentes, isto é, de novas necessidades de clientes e das aplicações que os satisfaçam. Podem, também, avaliar a alocação de recursos, levando a soluções inovadoras de produtos.
Conselho de políticas públicas e regulação. As necessidades funcionais e as especificações de muitas soluções tecnológicas emergem, em parte, devido às mudanças e aos desenvolvimentos em políticas públicas e no ambiente regulatório. Alguns exemplos incluem padrões-chave de tecnologias, requisitos específicos de dados e tipos de interpretação de dados que fluem das normas e expectativas estabelecidas pelos órgãos regulatórios. Daí a necessidade imperativa de desenvolver acesso aos que estão ligados aos processos regulatórios e de políticas públicas, bem como de obter orientação crítica dessas pessoas. Por isso, existe o desejo de estabelecer um ambiente para colocar questões a essas pessoas e, quando possível, conectá-las, ao vivo, por meio de uma plataforma web.

Como implantar uma VOW, passo a passo

Quatro ingredientes são essenciais na implantação de uma VOW:
1. A perspectiva da oportunidade estratégica.
2. Ampla informação por meio das conexões.
3. O contexto de comunidade.
4. Estruturas intensivas de conhecimento e ferramentas.
Como observamos, as VOWs alavancam esses ativos organizacionais para o reconhecimento de oportunidades decisivas, para a análise da estratégia e para sua implantação.
Os cinco passos para implantar uma VOW são:
1. Identificar a área de interesse.
Determinar o principal campo de interesse da VOW é crucial. Pode ser a tecnologia emergente, as mudanças de mercado ou a ruptura que vem da regulação, bem como as oportunidades que esses fatores oferecem. Uma VOW tem de estruturar a questão como uma oportunidade, e não como um problema. Por exemplo, a tecnologia emergente de um concorrente deve ser considerada uma oportunidade de projetar e analisar necessidades potenciais dos clientes e soluções de produto requeridas, em vez de um problema ou ameaça.
2. Criar uma equipe de indivíduos relevantes de dentro da empresa e uma comunidade de conexão de elementos internos e externos. Essa comunidade central tem a missão de investigar e
participar de conversas estratégicas. Ela deve incluir alguns indivíduos com potencial para inserir pensamentos novos nos vários estágios da conversa. Podem ser formandos em MBA ou novos contratados que vêm de setores não relacionados à atividade da empresa. Essas pessoas tendem
a ver oportunidades que poderiam ser perdidas, da perspectiva convencional da organização. A comunidade também precisa incluir indivíduos e entidades externos, como clientes atuais e potenciais.
3. Criar um contexto eletrônico. A tecnologia pode facilitar conversas estratégicas. De fato, abordagens de terceira geração exploram ao máximo as vantagens da tecnologia em estimular e sustentar as conversas necessárias.
4. Mudar para as análises e insights originários das estruturas de conhecimento intensivo. Os gestores seniores devem ter alguma disciplina de análise e insistir em ligar os insights conforme eles aparecem nas estruturas de conhecimento da empresa. Uma maneira de motivar as pessoas a entrar nessas estruturas é diminuir o tempo de análise, por meio do rigor e do escopo correto. Por exemplo, na descoberta de medicamentos, quando produtos candidatos são examinados, a ênfase nos princípios da biologia química pode evitar que drogas indesejadas entrem na fase de desenvolvimento. Isso requer que as equipes de projetos usem o repertório de conhecimento que existe na empresa e pode realmente reduzir o tempo entre a descoberta e o desenvolvimento, além de incrementar a eficácia da atividade.
5. Instituir passos e atribuir responsabilidade pela implantação. A VOW deve se mover rapidamente para traduzir insights em ações. Por exemplo, em uma empresa, o feedback da geração do milênio transforma-se em ações para testar novos produtos, mesmo que estejam apenas na fase de conceito.


HSM Management
© Strategy & Leadership
Reproduzido com autorização da Strategy & Leadership, v. 38, n. 3, 2008.
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sábado, 11 de julho de 2009

8 PRINCÍPIOS DE AUTENTICIDADE

Por Luisa Monteiro


Nos anos 1990, a Disney se perdeu. Sua ânsia de crescer fez com que traísse a tradição voltada para a família e as experiências focadas nos personagens. Em vez de seguir produzindo e distribuindo Disney em diversos canais dirigidos a crianças e seus pais, adquiriu o canal ABC e o estúdio cinematográfico Miramax. Agora, seu CEO, Robert Iger, quer restaurar a autenticidade. Oito princípios podem ajudá-lo.
Disfarçar, seja o que for, é bem menos eficaz do que se imagina. As ofertas percebidas como autênticas, com história e valores, sempre acabam sendo as mais rentáveis, segundo os consultores B. Joseph Pine e James H. Gilmore

O que os consumidores desejam realmente? A velha pergunta tem recebido novas respostas. É evidente que eles ainda querem qualidade alta e preço baixo –ou seja, valor para seu dinheiro–, mas também buscam desfrutar a experiência de compra, o que não farão caso ela esteja maculada por falsificação, imitação ou manipulação. Em um mundo em que as empresas oferecem cada vez mais, de forma deliberada e sensacional, períodos de experimentação, mais os consumidores escolhem comprar ou não com base na percepção de quão genuína acreditam ser a oferta. A autenticidade está se tornando o ponto crítico para o consumidor. Por essa razão, os executivos devem aprender a entender e administrar a transmissão de autenticidade. Para sermos diretos e francos: as empresas precisam encarar a realidade.
A razão fundamental para enfrentar esse desafio é elaborar uma estratégia apropriada. O problema é que os executivos muitas vezes esboçam estratégias que são não só difíceis, mas impossíveis de ser alcançadas, dadas a estrutura da empresa e suas circunstâncias. Apontam, para seus funcionários, metas que não têm possibilidade de atingir e adotam posições estratégicas que seus consumidores não apreciam nem compreendem.
Uma empresa que persegue uma posição estratégica não alcançável, pressionando seus funcionários a fazer o impossível e forçando os consumidores a ver algo completamente novo, está, na verdade, mirando fora de sua área de atuação. Isso não corresponde ao padrão fundamental de autenticidade. Além disso, significa abandonar possibilidades que são igualmente lucrativas e percebidas pelos consumidores como autênticas. Isso conduz, inexoravelmente, a funcionários descontentes, acionistas censurando as estratégias mal orientadas e consumidores querendo saber o que aconteceu com a empresa que julgavam conhecer.
Então, a pergunta deste artigo é a seguinte: como os líderes empresariais podem distinguir entre oportunidades falsas e autênticas para evitar a resistência do consumidor, críticas negativas e insatisfação dos acionistas?
A compreensão dos limites estratégicos e o caso Disney
Para começar a examinar a diferença, considere a história inovadora da Disney, concebida pela mente imaginativa de seu criador, Walt Disney. A empresa teve início quando passou a realizar filmes, programas para a televisão e, mais tarde, criou os parques temáticos destinados a reunir as famílias em experiências compartilhadas. Entretanto, depois da morte do fundador, a empresa ficou prostrada, desgovernada, por mais de uma década.
Quando Michael Eisner assumiu o controle em 1984, ele percebeu que as personagens criadas por Disney formavam o núcleo de identidade da empresa e partiu para uma alavancagem melhor de Mickey Mouse e seus companheiros, enquanto criava outras personagens, como Ariel, a Pequena Sereia, e Simba, o Rei Leão. A empresa fez alianças e aquisições estratégicas, que se ajustaram solidamente àquilo que chamamos de “área de atuação”, ou seja, o conjunto de ações e decisões que uma empresa pode realizar e ainda assim ser percebida como verdadeira por si mesma.
No entanto, nos anos 90 a empresa se perdeu, porque a ânsia de crescer fez com que saísse de seu tradicional foco voltado para a família. Particularmente, em vez de continuar produzindo e distribuindo filmes em qualquer canal de TV, que poderia exibir melhor seus produtos para as crianças e seus pais, em 1995 adquiriu um braço de distribuição, a Capital Cities/ABC. Essa era a rede que, de As Panteras a Desperate Housewives, tinha se tornado conhecida por celebrar o corpo feminino excepcional, vestido com roupas justas. Em uma aquisição ainda mais distante de sua área, a Disney comprara, dois anos antes, o estúdio cinematográfico Miramax, produtora afiada e conhecida por fazer filmes classificados como R (permitido para menores de 17 anos se acompanhados dos pais ou de um adulto) ou NC-17 (proibido para menores de 17 por conter linguagem fortemente ofensiva ou sexual, nudez explícita, violência pesada e sangue, ou forte conteúdo de sangue e violência pesada ou abuso de drogas).
Em outras palavras, ao buscar crescimento, a Disney efetivamente excluiu o público mais jovem, a parte mais importante de sua herança. Vários grupos pediram boicote à Disney. O desempenho financeiro sofreu, porque a estratégia simplesmente não funcionou. Se os executivos tivessem compreendido que tais movimentos estratégicos colocariam a empresa fora de sua área de atuação –além de onde poderia agir e ainda ser percebida como autêntica–, teriam tomado decisões diferentes, que permitiriam à companhia crescer, ao mesmo tempo que preservariam suas tradições. Se houvesse reconhecido a importância da autenticidade para sua estratégia, a Disney poderia, por exemplo:

  • Ter comprado o Nickelodeon, o canal com melhor índice de audiência durante o dia nos Estados Unidos, melhor do que o Miramax. A empresa esperou até 1983, quatro anos após a estreia do Nickelodeon, para lançar o Disney Channel.
  • Ter criado a primeira loja temática para crianças do mundo, com experiências que recompensariam o preço do ingresso, em vez de esperar a empresa American Girl fazer isso.
  • Ter liquidado a ABC para se concentrar na verdadeira joia da coroa, a Cap Cities, ou seja, o canal ESPN, difusor de esportes e voltado para a família.

Para as empresas que tentam operar fora de sua área de atuação, existe pouca probabilidade de que o resultado dessa estratégia seja percebido como autêntico. Esse foi o caso da Walt Disney atual. Por decisões tomadas em duas décadas, a marca Disney arriscou a posição sólida ocupada entre as famílias norte-americanas.
Hoje, o CEO Robert Iger deve se dedicar a restaurar a autenticidade como sua primeira meta e refazer a empresa. O jornal Financial Times atribuiu a Iger a redescoberta “da preferência pelo tipo de inovação tão cara a seu fundador” e a recolocação de filmes com a marca Disney longe do Miramax e de outros estúdios adultos. De acordo com outros observadores, ele repensou o site da empresa e o portfólio da Disney mundial; restaurou o Clube Mickey Mouse e deu o crédito tanto a Michael Eisner como a sua equipe de executivos. Seu lance mais arrojado foi, em 2006, a compra estratégica de sua parceira Pixar, restabelecendo assim a volta do filme de animação, de acordo com a herança de Walt Disney.

Princípios
Tendo em mente essa lição da Disney, sugerimos que o leitor utilize os oito princípios a seguir para orientá-lo a delinear sua “área de atuação”. Fazer isso o ajudará a demarcar posições competitivas viáveis, poderosas e atrativas –estratégias que são igualmente atingíveis e autênticas.
1. Estude sua herança. As posições estratégicas presentes e futuras de uma empresa foram construídas ao longo dos anos. Para permanecer fiel a si próprio, você deve estudar sua herança e assim definir sua inovação e possibilidades de marketing à luz de sua origem e sua história subsequente. Você não pode tomar medidas contrárias a seu passado e achar que as pessoas o verão como autêntico –o caminho mais fácil de ser percebido como falso é repudiar sua herança.
Procure entender seu passado corporativo, bem como os efeitos de sua herança na realidade de sua posição competitiva presente. Quais decisões estratégicas do passado ainda ecoam? De que modo a força de sua herança indica o que você pode ou não vir a fazer? Quais as limitações que sua origem e história ocupam em relação ao que você deve dizer? Quais os caminhos menos percorridos que ajudariam sua empresa a resistir em sua forma própria e única? Quais caminhos não trilhados devem ser sempre evitados? Responder a tais questões ajuda a ganhar uma sólida compreensão de seu passado e fornece os meios para demarcar seu presente.
2. Determine o posicionamento de sua atividade e do mercado. Não é só o passado que influencia a natureza de sua posição no presente. Um levantamento de seu ambiente próximo fornece um contexto importante para delinear uma direção estratégica irresistível e factível para sua empresa.
Notavelmente, muitos executivos não compreendem o tipo de inovação que está ocorrendo em seu negócio. Você pode relembrar, voltando só até o estouro da bolha das ponto.com, como os executivosjulgaram mal a posição de crescimento; milhares de empresas não reconheceram, como tantas outras abertas na internet, que não tinham recursos reais e as perspectivas de rendimento eram poucas. Sem dúvida, a internet representou uma plataforma para um modelo de negócio inovador. Mas, desde o início, as companhias mais bem-sucedidas encontraram maneiras de cobrar pela produção, iniciando uma relação autêntica com seus clientes, baseada no preço. Como é que tantos não notaram isso? Eles simplesmente se enganaram quanto a sua posição estratégica interpretando mal o cenário.
para que sua empresa seja verdade ira, você precisa de terminar os limites da área de atuação dela; comece por definir as medidas que não tomará

3. Calcule sua trajetória. Uma vez conhecidas sua história e sua posição presente, você deve determinar a direção e a velocidade com que está se movendo. Isso permite que você evite ficar vagando sem objetivo e tentando alcançar posições que sua empresa não tem condições para atingir. Como exemplo, pense na situação da indústria alimentícia, que quer tirar partido da tendência ao consumo de produtos orgânicos. Algumas empresas, no entanto, são incapazes de atrair, com credibilidade, os consumidores, porque durante décadas fabricaram e venderam alimentos nada naturais. Para elas, a trajetória adequada a seguir deve envolver o apelo a uma vida saudável por outro caminho, talvez com uma linha “sem carboidratos”, com produtos nutracêuticos [nutracêutica é a nova ciência que investiga os componentes de alimentos e plantas para descobrir seus benefícios para a saúde], ou então alavancando alguma outra pesquisa e desenvolvimento de habilidade não natural. Posições estratégicas como essas podem ser realizáveis.
Uma avaliação da trajetória pode ajudar você a determinar se sua inovação está no caminho certo ou se precisa de uma correção de rota. Quais oportunidades estratégicas se abrem diante de você? E se você tomasse outro rumo e repensasse se está comandando baseado num melhor entendimento de sua herança e de sua posição atual?
4. Conheça seus limites. Para sua empresa ser verdadeira, você também precisa determinar os limites de sua área de atuação. Isso o leva a fazer uma triagem de suas possibilidades definíveis, alcançáveis e valiosas. Comece por eliminar posições falsas, situadas fora dessa área circunscrita. Essas são as opções estratégicas que devem ser descartadas. Como as tentativas de inovação nessas áreas serão percebidas como não autênticas, não serão implementadas com sucesso por sua organização nem compreendidas por seus consumidores. Pense nos recursos desperdiçados na expansão irreal de marcas como bálsamo labial Cheetos, desodorante em bastão Salvador Dalí, sopa de galinha para pets da Soul, vinho da Diesel, produtos que a empresa especializada em estudos de marcas identifica como os que “parecem ser os que menos se adaptam aos valores essenciais da marca”.
Você pode ajustar melhor os limites de sua área de atuação definindo o conjunto de medidas que não tomará. Podem ser atitudes que não adotará, ofertas com as quais não se comprometerá, mercados que não procurará, meios que não empregará, negócios que não estabelecerá e mercados onde não entrará. Uma companhia deve ter em mente seu corpo de valores para determinar os próprios limites.
Howard Schultz, fundador da Starbucks, por exemplo, conta que, quando “comecei a fazer uma longa lista de coisas que a Starbucks ‘nunca’ deveria fazer, aos poucos aprendi a necessidade de negociar meios-termos. O que eu não faço, entretanto, é comprometer nossos valores essenciais”. Para Schultz, isso se reduz a coisas que sua empresa nunca deve fazer, como colocar aditivos químicos em seus grãos de café, vender os grãos em sacos plásticos nos supermercados e “nunca, nunca deixar de perseguir o cafezinho perfeito, por isso compramos sempre os melhores grãos e os torramos de maneira perfeita”. Jim Donald, como presidente da Starbucks, chamou esses tabus de “guardrails invisíveis”.
Anne Saunders vai mais além, pois, “se você souber onde estão, de verdade, os limites de sua marca, você pode empurrá-los”. E, se você não souber onde estão os limites, eles o empurrarão diretamente de volta cada vez que tentar ir além deles.
Faça a distinção da área de atuação mais ampla possível pela qual você lutará e fora da qual se recusa a se empenhar. Só conhecendo suas limitações é que você pode maximizar suas verdadeiras opções.
5. Estenda sua capacidade de realização. Empresas diferentes se movem em diferentes velocidades. Se você tem avançado lentamente, talvez com desempenho adequado, mas sem fazer nada especial, então não espere alcançar repentinamente uma posição estratégica muito além da que ocupa hoje. Em vez disso, você deveria tentar realizar uma série de metas exequíveis que, sucessivamente, poderão ampliar suas competências e aumentar sua velocidade e flexibilidade, fazendo com que a conquista de posições estratégicas nos limites extremos de sua área de atuação cresça com o tempo.
A Montblanc oferece um exemplo assim. Ela completou cem anos em 2006. Durante 85 anos persistiu como uma empresa de “artigos de escrita”. Jan-Patrick Schmitz, CEO da Montblanc norte-americana, ressalta que “éramos uma marca com raízes importantes e uma história muito valiosa”. No entanto, foi necessário se mover lentamente quando a marca, que era voltada unicamente para artigos de escrita, passou a ser uma marca de luxo e estilo de vida.
Seu primeiro movimento aconteceu em relação à categoria de acessórios de escrivaninha, no início da década de 1990; poucos anos depois, se aventurou em abotoaduras, chaveiros e prendedores de dinheiro, essencialmente os itens que um homem carrega nos bolsos, além da caneta. Só depois de conquistar a aceitação dessas ofertas, e a reputação de um design estético que fazia de cada um de seus produtos reconhecível como parte de uma identidade única, é que a Montblanc se moveu além do limite de sua área de ação. Em 2005 adicionou linhas de joalheria.
A lição: seja lá o que o define melhor, vá atrás disso, dentro das novas possibilidades para criar mérito.
fique atento à “periferia”, em que novos rivais estão inovando em três dimensões da realidade competitiva -ofertas, competências e clientes

6. Procure esquadrinhar a “periferia” dos negócios. Empresas que atuam em um único setor habitualmente antecipam as batalhas competitivas. Mais difícil é ver competidores futuros que são difíceis de detectar até que seja tarde demais.
Fique atento aos novos competidores que estão inovando nas três dimensões da realidade competitiva–ofertas, competências e clientes. Alguns rivais potenciais podem ampliar suas ofertas, indo além do ponto em que o incremento das atividades, das pesquisas e do desenvolvimento os levaria. Alguns rivais aprimoram suas competências, outros se concentram em trabalhar com um conjunto específico de consumidores individuais de maneira tão completa que estes se sentem comprometidos.
A sede da United Services Automobile Association (USAA), em San Antonio, fornece um modelo de mudança obstinada pelo espaço competitivo de outras empresas ao oferecer tudo de que o consumidor precisa. Embora a USAA tenha começado no negócio de seguro de automóveis, hoje compete em todos os tipos de seguro, e também com a Wells Fargo no seguro bancário, com a Merrill Lynch em serviços de corretagem, com a Fannie Mae em hipotecas de imóveis, com a American Express tanto em cartões de crédito como em serviços de viagem, e até mesmo com o Wal-Mart em bens de consumo –além de joalherias, móveis e varejo de roupas. Essas empresas invariavelmente viram seus espaços competitivos baseados nos setores de atividade tradicionais, enquanto a USAA baseou seu espaço competitivo nas necessidades dos membros das Forças Armadas.
7. Formule seu plano estratégico. Não importa se sua concorrência vem da “periferia” ou da indústria tradicional, você não ultrapassará seus concorrentes apenas observando o que eles fazem e tentando fazer melhor, maior e mais rápido. No ambiente atual, ter maior disponibilidade, custos mais baixos ou mais qualidade raramente cria a estratégia vencedora. Isso você consegue delimitando uma posição futura dentre todas as possibilidades que tanto reúnem aqueles imperativos anteriores como induzem seus consumidores a notar suas ofertas e sua empresa como mais autênticas do que as dos competidores.
Pouquíssimas empresas estão posicionadas perfeitamente para crescimento futuro por meio de inovação incremental. Mesmo uma empresa que está exatamente na situação certa provavelmente não se sentirá à vontade conforme cresce a velha concorrência, surgem concorrentes da “periferia” e o consumidor exige mudanças com o passar do tempo. Situações que produzem maior vantagem competitiva quase sempre se localizam fora do centro de sua área de atuação.
poucas empresas conseguem crescer no futuro com inovação incremental.
A vantagem costuma estar fora de sua área de atuação

8. Realize bem. Se você utilizar os sete princípios anteriores de maneira proveitosa, então tudo o que tem a fazer é executar bem, ano após ano. Considere a Toyota, que, sem dúvida, produz melhor do que qualquer outra no mundo, e o faz há quase 40 anos. Comprometeu- se, então, para o futuro que desponta muito além da linha do horizonte: tornar-se a fabricante dos carros de mais alta qualidade do mundo.
Hoje poucos se lembram do tempo em que os carros da Toyota provocavam risos nos Estados Unidos; em sua primeira incursão no mercado, o Toyopet demonstrou ser um completo fracasso no final da década de 1950. No entanto, ao aplicar os princípios do Sistema de Produção Toyota, a fábrica continuou aperfeiçoando a qualidade ano após ano, até finalmente conquistar o mercado norte-americano em meados dos anos 60, com o Corona e o Corolla.
Com a melhoria da qualidade, progrediu também o valor dos carros Toyota. Em resultado, em 1975, ela ultrapassou a Volkswagen na categoria de carros importados. Pressionado por Detroit, em 1984 o governo dos EUA forçou os japoneses a concordar voluntariamente com cotas de importação. A Toyota respondeu construindo sua primeira fábrica de carros totalmente produzidos nos Estados Unidos –em Georgetown, Kentucky– com o objetivo explícito de se tornar menos japonesa e mais americana. Além disso, de acordo com um perfil publicado no The New York Times, “seus estrategistas de marketing têm tentado estabelecer uma aura de autenticidade americana desde o início da década de 1970”. A empresa tem sido bem-aceita como autêntica pelos ambientalistas por causa do Prius, destinado a jovens, e da linha Scion, para adultos ligados em moda; e agora está apontando o Tundra para os que preferem o estilo “caminhão” e desejam a autenticidade de dirigir um deles.
No primeiro quadrimestre de 2007, a empresa japonesa ultrapassou a Ford na vice-liderança nos Estados Unidos e a General Motors como a maior montadora de veículos do mundo. Isso resulta diretamente de seus princípios de “enriquecer a sociedade pela construção de carros e caminhões” e seu valor fundamental
de contínuo processo de aperfeiçoamento. A frase “a inexorável busca de perfeição” aplica-se a algo além de seu luxuoso Lexus. A empresa inteira procura produzir impecavelmente –e imediatamente corrigir o processo sempre que ocorre uma falha. Esse é o estilo Toyota e assim tem sido há décadas.
Portanto, para descobrir as oportunidades estratégicas autênticas para sua empresa, utilize esses oito princípios para visualizar seu futuro até determinar aonde quer chegar. E então trate o futuro não como um destino, e sim como um guia para o caminho que se abre diante de você. Tal processo fornece os melhores meios de assegurar que sua empresa venha a ter não só um futuro, mas que ele seja autêntico, vigoroso e próspero.
© Strategy & Leadership Reproduzido com autorização da Strategy & Leadership (v. 38, n. 3, 2008).
© Emerald Group Publishing Limited B. Joseph Pine e James H. Gilmore são cofundadores da firma de consultoria Strategic Horizons, sediada em Aurora, Ohio, Estados Unidos. Entre seus livros está Autenticidade (ed. Campus/Elsevier), que trata do tema deste artigo.

sábado, 4 de julho de 2009

CONDUTAS IRRACIONAIS

Por Luisa Monteiro

É muito difícil perceber o valor de algo, mesmo depois de você tê-lo usado –por exemplo, você usa o e-mail, mas sabe quanto vale para você? O mapeamento da utilidade do dinheiro é complexo demais paraos consumidores e, por isso, sua avaliação é feita sempre com base em decisões anteriores, não com racionalidade. Deduz-se, assim, que novos produtos devem ser sempre comparados com produtos antigos para alcançar êxito e que o preço tem de ser utilizado como mais um atributo pela empresa.



"As pessoas não são tolas, apenas agem de modo tolo com frequência".


O renomado economista comportamental Dan Ariely explica, na entrevista a seguir, por que isso ocorre e o que pode significar para gestores.
As descobertas das pesquisas de Dan Ariely deveriam fazer os executivos pensar duas vezes sobre a sabedoria das decisões que tomam regularmente –e também sobre os processos internos nos quais confiam para tomar tais decisões.
Por exemplo, por que os gestores vetariam um aumento de custos de 10% em um projeto de US$ 1 milhão, se não dão importância para um excedente de 1% sobre um orçamento de US$ 10 milhões, mesmo sendo a quantia real a mesma?
Nesta entrevista, Ariely, um dos maiores especialistas mundiais em economia comportamental, discute as implicações do comportamento na precificação de produtos e em outras medidas gerenciais. Ele explica que o preço de um produto deve levar em conta comportamentos humanos irracionais, incluindo os princípios de ancoragem (quando o preço inicial de algo tem influência indevida em nossas decisões futuras) e relatividade (quando inferimos o valor de um produto pelo preço de ofertas similares).
Sua pesquisa sugere que, ao vender um novo produto, as empresas devem sempre compará-lo com algo com que o consumidor já esteja familiarizado, mesmo que o produto seja tão inovador que não haja nada realmente parecido no mercado. É isso mesmo?
Sim, por duas razões. A primeira é que, sem tal comparação, o “espaço” para um novo produto na mente das pessoas é mal definido. Não sabemos atribuir valor às coisas isoladamente. A segunda razão é que somos criaturas que cultivam hábitos e toda decisão nos é difícil. Avaliamos uma compra pensando menos em custo de oportunidade e confiando mais em decisões anteriores
e comparações.
Somos preguiçosos?
Não sei se gosto dessa palavra. Em geral, pensar é difícil para nós, e tentamos não fazer isso demais.
Então, o truque para as empresas é descobrir com o que comparar seu novo produto, certo?
Imagine dois universos. No primeiro, o TiVo é comparado ao player de videocassete e é lançado por US$ 200. No segundo, é comparado a um computador e introduzido no mercado por US$ 1 mil. Então, imagine que, em ambos os mundos, o preço chegue a US$ 500. No primeiro universo, as pessoas ficarão provavelmente ultrajadas e ninguém comprará o TiVo. No segundo, vão pensar que é um grande negócio. E é essa a razão pela qual o princípio de relatividade é tão importante, especialmente para os novos produtos. É difícil estimar preços.
E, comparando, definimos...
Sim, e o que é preciso entender é que essa definição vai durar muito, muito tempo. Podemos especular, por exemplo, sobre o novo iPhone. Não conversei com Steve Jobs sobre isso, mas vamos especular sobre o que ele fez. Ele lançou esse iPhone a US$ 600 e, imediatamente, o reduziu a US$ 400. Isso poderia ter sido uma besteira, mas também poderia ter sido um truque inteligente, porque a questão para o consumidor era, àquela época, qual seria o preço de comparação. De repente, algo pode parecer um grande negócio a US$ 400 se era US$ 600 apenas algumas semanas antes. Se a Apple tivesse introduzido o iPhone a US$ 400, teria sido difícil saber se o iPhone valeria essa quantia. Mas o preço inicial de US$ 600 e depois de US$ 400 ajudou a criar um nível de preço muito alto na mente das pessoas.
E, agora que o iPhone tem sido oferecido a US$ 200, parece um negócio fantástico, porque os preços altos seguem vivos na memória. Muitos concluíram que a Apple cometera um erro ao oferecer o iPhone a US$ 600...
Podemos discutir se Jobs errou ou se foi esperto. Mas o fato é que todos se lembram dos US$ 600.
O que o sr. me diz das empresas que estabelecem um preço inicial muito baixo para algo, ou nem cobram por ele, a fim de encorajar as pessoas a usá-lo?
Continua sendo difícil perceber o valor de algo mesmo depois de você tê-lo usado. Você usa o e-mail. Quanto ele vale para você? O que as empresas não percebem é que o mapeamento da utilidade do dinheiro é muito complicado. As pessoas não dirão: “Isso é ótimo! Eu pagarei US$ 20 por isso”. Elas dirão: “Eu usei isso de graça por todo esse tempo, e agora vocês estão me cobrando? Não estou interessado”.
PREÇO COMO ATRIBUTO
Em geral, os gestores determinam o preço somando o custo a uma margem de lucro, mas o sr. está dizendo que a precificação é bem mais complexa que isso...
Sim, o preço sinaliza qualidade às pessoas, de um modo não racional.
O preço é como um atributo do produto, então?
É uma boa maneira de pensar sobre isso. E, sendo assim, todos nós fazemos inferências sobre um
produto a partir de seu preço. Se algo é barato, esperamos que seja de qualidade inferior e, o que é curioso, podemos, inclusive, vivenciá-lo como inferior. Fizemos alguns experimentos nos quais demos às pessoas analgésicos mais baratos, e veja só: em relação às pessoas que tomaram os medicamentos mais caros, as dos mais baratos sentiram mais dor. Se você é a marca dos produtos baratos e quer essa imagem, não há nenhum problema. Mas, se deseja ter uma imagem diferenciada, deve pensar muito cautelosamente suas estratégias de preço. Vamos voltar ao exemplo da Apple. Acho que o novo preço do iPhone é baixo demais. Tenho um, e seu sistema touch screen é incrível. Mas, se a gente pode comprar o telefone por US$ 200, reduz-se o valor percebido dessa touch screen.
O interessante aqui é que, se as pessoas não param para pensar no assunto, o desconto se traduz em menor eficácia. Se pensarem, o desconto não tem esse efeito.
E, já que a Apple não fez muito esforço para explicar o preço mais baixo do iPhone, os consumidores vão, de algum modo, deduzir que a qualidade está pior do que quando o produto foi lançado...
É isso, pelo menos num impulso muito primitivo. As pessoas não dizem “A Apple fez um telefone pior”, mas é possível que não pensem no iPhone como o melhor. E talvez, com isso, elas não o manuseiem com tanto cuidado e, em consequência, o aparelho pode quebrar mais rapidamente.
OPÇÕES: POUCO X DEMAIS
A importância da comparação levanta uma lebre para mim: ter o monopólio do mercado é bom mesmo? Quer dizer, a Coca pode precisar mesmo da Pepsi e a Pepsi da Coca, porque uma é a referência da outra. Será que não?
Sim. Quando seu produto está sozinho, os consumidores têm dificuldade em avaliá-lo e menos pessoas o comprarão. Mas, quando há dois produtos, as pessoas podem, então, comparar, e sua participação de mercado pode aumentar.
Havia uma empresa que costumava vender pílulas anticoncepcionais em países em desenvolvimento. Ela tinha bem pouco sucesso com um de seus produtos até introduzir um segundo no mercado –de modo que tinha uma pílula barata e outra com nome que soava norte-americano e era mais cara. O segundo produto se saiu melhor e, ao longo do tempo, também puxou para cima as vendas do primeiro, que não iam bem antes. A segunda pílula fez aumentar o tamanho total do mercado.
É a estratégia da General Motors de criar várias marcas para que os consumidores possam comparar Buicks com Chevrolets, Cadillacs, Pontiacs e outros?
Não estou certo disso, porque também não se quer deixar os consumidores confusos.
Como ajudar as empresas a enxergar essa linha divisória entre oferecer aos consumidores poucas opções e oferecer demais?
Sheena Iyengar e Mark Lepper [pesquisadores das universidades norte-americanas de Columbia e Stanford, respectivamente] realizaram um estudo sobre isso. Foram a um supermercado e instalaram um quiosque, onde apresentavam às pessoas ora seis tipos de geleias, ora 24. Muito mais pessoas se sentiam atraídas pela maior quantidade de geleias: mais tipos, mais cores, mais burburinho. Então, elas recebiam um cupom que servia para qualquer geleia da loja [que possuía um sortimento de mais de 300 geleias]. O que eles descobriram foi que, entre as pessoas que viram apenas seis tipos de geleias, 30% acabaram comprando geleia. Entre as que viram 24 tipos, apenas 3% compraram geleia. Mesmo as geleias não sendo um produto complexo –levam açúcar e frutas apenas–, 24 tipos é muito.
As pessoas se confundem fácil...
Devemos prestar atenção a duas coisas nesse caso. Uma é se existe, ou não, um padrão de compra. Se existe, o consumidor realmente não precisa escolher. Quando as pessoas vão às compras e “geleia” consta de sua lista, elas compram geleia, não importa se veem seis ou 24 variedades. Mas a confusão é muito frequente se não existe o padrão defazer algo, como acontece quando um item não está em sua lista de compras.
O segundo fator é a quantidade de esforço que as pessoas querem despender para escolher. Geleias não importam tanto para a maioria de nós, mas prestaremos atenção a algo mais importante, apesar da confusão. Não se pode generalizar e dizer que oito produtos é muita coisa. Oito geleias podem ser muito, mas oito carros não. Tudo depende do padrão de motivação das pessoas.
Suponho que outro fator seja a facilidade de comparação. Quando as empresas de telefonia celular apareceram com seus planos de serviços, era praticamente impossível compará-los...
Sim, e chamo a isso “complexidade de escolha”. Quão difícil é comparar produtos? Quanto você precisa saber para compará-los? Quão importante é a decisão, e qual é o padrão? Todos esses fatores juntos determinarão a complexidade de uma decisão. Então, por exemplo, quando se trata de escolher entre canetas, é ótimo ter, talvez, até dez opções, mas, para automóveis, o número será diferente.
AS PESSOAS CERTAS
O sr. é grande defensor dos experimentos que testam hipóteses, porque estas podem estar erradas. Mas, nos negócios, os gestores tomam decisões baseados em crenças não testadas com rigor. Quão ruim é isso?
Eu lhe darei um exemplo: o processo de entrevistas usado para contratar funcionários. Poucos anos atrás, eu andava pelos corredores do MIT e a Bain Consulting oferecia pizza grátis numa sala; entrei. Meus alunos do MBA também entraram e assistimos a uma palestra sobre o processo de entrevistas da Bain. Então, perguntei: “Quão válido é seu teste –o processo de entrevistas?”. E o representante da Bain disse: “Crescemos 20% no último ano”. Eu disse: “Excelente notícia, mas quão válido é seu teste?”. Ele respondeu: “A McKinsey faz o mesmo”. De novo, eu disse: “Estou muito feliz por vocês, mas essa não é uma resposta”. E continuei: “Se me contratasse para aconselhá-lo, eu diria que o único recurso que você tem são seus funcionários. E que você deve saber separar as boas pessoas das ruins”. Ele ficou bravo comigo, mas o que eu defendia era o óbvio.
Então, o sr. aconselharia a Bain a realizar um experimento para testar a qualidade de seu processo de entrevistas de emprego...
Sim, acho que eles devem começar a ser mais rigorosos e sistemáticos em sua abordagem, incluindo contratar de tempos em tempos pessoas em que não apostassem. Anos atrás, Daniel Kahneman, um dos “pais” da economia comportamental, foi à Força Aérea israelense e os convenceu a aceitar, para um treinamento de pilotos, algumas pessoas que haviam sido reprovadas no teste para pilotos. É exatamente igual a contratar pessoas que você acha que não se sairão bem. Parece não fazer sentido, mas é o único modo de aperfeiçoar seu teste.
Para os executivos da Bain, o investimento em experiências pode parecer não valer a pena, por eles se verem no curto prazo...
Falando em termos genéricos, isso é parte do problema de base do mundo corporativo, ao menos nos Estados Unidos. As pessoas têm intuições, que, às vezes, estão erradas, e não se exigem testá-las rigorosamente. E os experimentos são bons apenas para o longo prazo.
DECISÕES DE GRUPO
Em relação às decisões de grupo, achei fascinante sua pesquisa sobre como as pessoas fazem seus pedidos em restaurantes. Você mostrou que, quando um garçom anota os pedidos sequencialmente, depois que a primeira pessoa pede uma entrada específica, os demais do grupo tendem a não escolher o mesmo prato, por não quererem ser tidos como copiadores. Pergunto-me se isso acontece muito nas reuniões de negócios...
Sim! É inacreditável como todos sentem a necessidade de dizer algo diferente em reuniões, mesmo que ligeiramente diferente daquilo que alguém já disse.
Poucos anos atrás, criamos um software que chamamos de “antigroupware”, no MIT Media Lab. Queríamos pesquisar por que, quando você pega boas pessoas e as coloca numa sala, elas tomam más decisões como grupo. E a questão era como usar a tecnologia para evitar isso.
O que fazia esse software?
Tivemos diversas versões dele e um dos problemas que investigamos foi a presença de uma figura de autoridade. Quando seu chefe diz “Acho que deveríamos fazer tal coisa”, qual é a probabilidade de você escolher uma opção diferente? Outra questão que investigamos foi a conformidade. Se cinco pessoas dizem a mesma coisa, será mais provável que você diga o mesmo? Assim, criamos ferramentas básicas de votação. As pessoas podiam votar anonimamente. Ou podiam votar, ver o resultado e, então, mudar seu voto, e isso poderia acontecer em algumas rodadas. Ainda tentamos fazer com que as pessoas descobrissem quanto se importavam com determinado assunto. Por exemplo, poderíamos apresentar a elas dez temas sobre os quais deveriam tomar decisões e dar a elas cem pontos, e, então, elas teriam de alocar esses pontos entre os dez assuntos –de modo que, se alguém se sentisse muito atraído pelo item 6 e não ligasse para os outros itens, poderia alocar todos os cem pontos no item 6.
O software ajudava as pessoasa evitar as diferentes armadilhasdas decisões de grupo...
Sim. Os grupos são importantes para compartilhar informações, mas, quando as pessoas precisam tomar decisões, não são bons. Acreditávamos que o software fosse muito bom, porém nenhuma empresa jamais quis experimentá-lo na vida real.
Por que a relutância?
Penso que as decisões tomadas em grupo são uma daquelas coisas nas quais as empresas confiam muito. Os gestores intuem que a decisão tomada em grupo é fantástica, mas, na realidade, não o é.
NORMAS SOCIAIS
Muitas empresas têm problemas com a gestão das normas sociais não explícitas, não é verdade?

Sim. As pessoas têm intuições fantásticas sobre isso na vida pessoal. Imagine que você esteja em um encontro com uma mulher. Vocês foram ao cinema e a um jantar e, enquanto a leva para casa, você se inclina para beijá-la e diz: “Curiosamente, gastei US$ 150 neste encontro até agora”. Você não disse nada que ela não soubesse, na verdade. Os preços vêm impressos nas entradas do cinema e nos cardápios. Mas, no momento em que menciona o que gastou, você altera a relação de social para financeira e desvaloriza a relação. Acho que todo mundo entende isso na vida social, mas não na relação contratante-contratado.
Parte do truque é ofuscar. Se pago um funcionário por hora ou por caracteres escritos, está muito claro que nossa relação é econômica. Mas, se o remunero mensalmente ou anualmente, então isso não fica tão claro. Se não lhe pago em dinheiro, mas faço um depósito em sua conta, então a relação é ainda menos direta. E se eu também lhe oferecer plano de saúde e benefícios do gênero? Aliás, muitas empresas costumam deixar claro quanto gastaram em saúde com o funcionário.
Imagine que eu fosse seu empregador e lhe oferecesse US$ 1.000 em espécie ou umas férias nas Bahamas. Presumivelmente, você se daria melhor pegando o dinheiro, porque talvez queira ir ao litoral da Carolina do Norte, em vez de às Bahamas. Ou poderia pular as férias e comprar um novo iPod. Então, poderia otimizar a recompensa ficando com o dinheiro. Mas sob qual condição –o dinheiro ou as férias– você estaria mais receptivo a meu pedido de que fique até mais tarde no escritório na próxima segunda-feira? Sob qual condição você me seria mais leal? Acredito que a resposta seja “com as férias”, e este é o truque: há coisas que são ineficientes financeiramente, mas são eficientes do ponto de vista social e motivacional.
O futuro é das organizações do tipo Linux, baseadas mais na comunidade que no mercado?
O trabalho é importante para as pessoas tanto pela remuneração como pelo significado que tiram dele. Deixe-me contar-lhe sobre uma experiência na qual pedimos às pessoas para construir robôs Lego. Pagamos a elas US$ 3 pelo primeiro robô, US$ 2,70 pelo segundo, US$ 2,40 pelo seguinte, e assim foi. Elas poderiam decidir quando parar. Na essência, estávamos perguntando qual era o valor marginal do trabalho. Para um grupo de pessoas, quando terminavam um robô, perguntávamos: “Você quer outro?”. E, se quisessem, dávamos a elas as peças novas, pegávamos o robô terminado e o colocávamos em uma caixa. Para o outro grupo, quando as pessoas terminavam um robô, nós os desmontávamos na frente delas e entregávamos suas peças de volta para reconstruírem o robô. Chamamos isso de “condição sisífica”, que vem do mito de Sísifo, do trabalho interminável. Ambos os grupos de pessoas faziam a mesma coisa –construíam robôs por dinheiro. Mas a realidade era que as pessoas que viam seu trabalho ser destruído odiavam a tarefa. As outras foram capazes de encontrar pequenos significados em uma coisa tão trivial como os robôs Lego, e isso as mantinha no trabalho. Para mim, isso é um insight incrível.
© MIT Sloan Management Review
© 2009, Massachusetts Institute of Technology. Todos os direitos reservados. Distribuído por Tribune Media Services.
A entrevista é de Alden M. Hayashi, editor sênior da MIT Sloan Management Review.

Saiba mais sobre Ariely

Dan Ariely é um dos maiores expoentes atuais em economia comportamental, o estudo de como as pessoas realmente se comportam quando tomam decisões de negócios e financeiras. Suas pesquisas vêm provando que não somos os sensatos tomadores de decisão que acreditamos ser, e seu livro Previsivelmente Irracional (ed. Campus/ Elsevier) tornou-se um best-seller nos Estados Unidos. Ariely, que é professor da Duke University e ex-professor do MIT , virá ao Fórum Mundial de Marketing e Vendas, em São Paulo, em 18 e 19 de agosto próximos, a convite da HSM , para falar sobre clientes previsivelmente irracionais.

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