sábado, 12 de dezembro de 2009

8 MITOS SOBRE SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA

Por Luisa Monteiro


Após algum tempo ausente da internet por motivos particulares, retorno com uma interessante matéria publicada na HSM sobre uma pesquisa feita com algumas empresas sobre Sustentabilidade.


Uma pesquisa com dezenas de empresas mostra a relutância em levar a cabo iniciativas de sustentabilidade ambiental. Conheça os oito maiores mitos que rondam o tema.
Uma pesquisa com dezenas de empresas da Fortune 1000 mostra a relutância em levar a cabo iniciativas de sustentabilidade ambiental, por causa de equívocos sobre os seus custos ou benefícios. Mas algumas empresas adotaram a sustentabilidade de maneira eficiente e estão lucrando com isso.

A fim de ajudar a levar cada companhia no caminho para a sustentabilidade, abaixo estão alguns dos mitos mais comuns ditos por empresas. A despeito do quão surpreendente possam soar algumas dessas ideias – como o mito de que não há retorno financeiro para os esforços de sustentabilidade – elas persistem em grandes e pequenas empresas e em qualquer indústria.

1. É um custo e não podemos bancar agora

A sustentabilidade deve ser considerada não apenas porque é a coisa certa a fazer, mas também porque faz sentido para os negócios. Se uma iniciativa não pode ser justificada a partir de um marketing estratégico, financeiro, operacional, ou recrutamento de empregados / perspectiva de retenção, não faça isso. Mas descobriu-se que em quase todos os cantos de uma organização há uma razão fundamental de negócios para ser mais sustentável.

Como Richard Goode, diretor de sustentabilidade da Alcatel-Lucent, disse recentemente: "Nos bons tempos, a sustentabilidade pode ser um diferencial competitivo, em tempos de vacas magras, é uma estratégia defensiva e em tempos realmente difíceis, ele pode determinar sua sobrevivência". A CEO da Xerox, Ann Mulcahey, compartilha dessa opinião dizendo que ser "um bom cidadão corporativo" salvou a empresa da falência. Consulte o Mito 3 para ver como as companhias têm feito investimentos em sua sustentabilidade.

2. Precisamos de muito pessoal

Um dos mitos é que os esforços relacionados com a sustentabilidade exigem uma grande equipe centralizada de condução e apoio. Na verdade, o oposto é verdadeiro. Na maioria das empresas líderes pesquisadas, a equipe de sustentabilidade oscila entre um e quatro funcionários, mesmo em grandes companhias como a AT&T.

O papel desses grupos é trabalhar com as diversas funções em toda a organização e com os altos executivos, para desenvolver uma estratégia, formulação de objetivos, coordenação de atividades e relatório sobre o progresso. Muitos dos líderes de sustentabilidade entrevistados afirmam que, no mundo ideal, essa equipe não seria nem necessária, pois a sustentabilidade seria integrada a todos os aspectos das operações da empresa e produtos. Mas, enquanto os negócios buscam esse estado ideal, uma equipe pequena e centralizada continuará a ser necessária.

3. Não há dinheiro na sustentabilidade

A sustentabilidade oferece oportunidades inovadoras para empresas de linha superior e inferior. Novas empresas e marcas criadas são inteiramente focalizadas no verde, como a Seventh Generation, GreenWorks, da Clorox, e a Renew mobile phones, da Motorola.

Estas marcas não apenas apresentam milhões em receitas, como também reforçam a imagem de marca de suas empresas-mãe. A P&G até mesmo afirmou que deve gerar US$ 50 bilhões (sim, com um B), no acumulado de vendas de "produtos de inovação sustentável" em um período de cinco anos, que termina em 2012.

Além disso, muitas empresas descobriram que podem revender os produtos usados e os materiais que antes eram considerados resíduos. Quando a Verizon focou na criação de operações mais sustentáveis, gerou US$ 27 milhões, classificando e vendendo materiais recicláveis a partir do seu fluxo de resíduos, ao mesmo tempo, poupando mais de um milhão de dólares em custos de remoção dos resíduos.

Abaixo estão outros exemplos:
• Johnson & Johnson realizou 80 projetos de sustentabilidade desde 2005 e atingiu US$ 187 milhões em poupança, com um ROI de cerca de 19%, e subindo.
• CocaCola afirma que gerou 20% de lucro sobre seus investimentos em iniciativas de economia de energia.
• Diversey, líder global de B2B, fornecedora de limpeza comercial e soluções de higiene, afirma que, para cada US$ 1 investido em 2008, eles esperam recuperar US$ 2 dólares em 5 anos.

4. É só para as grandes empresas

A partir da experiência no trabalho com sustentabilidade, em grandes e pequenas empresas, é possível dizer sem hesitação que o tamanho da empresa faz pouca diferença. Empresas líderes de sustentabilidade estudadas são tão pequenas quanto a Numi Organic Tea (com receitas próximas de US$ 15 milhões), e tão grandes como a Hewlett-Packard (com receita de US$ 110 bilhões). Entre outras coisas, as pequenas empresas têm a vantagem de sua competitividade depender muitas vezes de serem enxutas, talentosas, e ágeis, o que a sustentabilidade potencializa.

Ahmed Rahim, CEO da Numi Organic Tea diz que todas as facetas das operações da empresa, as opções em seus produtos, e todos os seus funcionários têm em mente a sustentabilidade em suas decisões de trabalho e vida pessoal. A Numi se orgulha de usar materiais 100% biodegradáveis ou recicláveis em suas embalagens, e ganhou o prêmio WRAP (Waste Reduction Award Program) em quatro dos últimos cinco anos, no estado da Califórnia. Na verdade, ela foi reconhecida como uma das cinco maiores empresas do estado para as iniciativas em redução de resíduos. A sustentabilidade é integrada em cada decisão tomada na Numi.

Bonnie Nixon, Diretor de Sustentabilidade Ambiental da HP, diz que o tamanho de sua empresa tem pouco a ver com ela ser líder na sustentabilidade. Já nos seus primeiros dias, os fundadores da Hewlett Packard estavam na vanguarda, fazendo e pensando de forma sustentável, e a idéia ficou com a organização durante várias décadas.

As empresas maiores têm uma vantagem quando se trata de influenciar sua cadeia de abastecimento (Walmart e P&G são exemplos), e ao influenciar a política em nível governamental, mas as empresas menores podem ser tão eficazes, se não mais, em quase todo o resto.

5. É principalmente para empresas B2C

Surpreende ouvir de equipes de gestão que, por serem de uma empresa B2B, ser sustentável não importa muito, uma vez que seus clientes não são "consumidores". Primeiro, há oportunidades para impactar diretamente sobre os custos, conforme discutido acima. Danny Wong, diretor de sustentabilidade na Avery Dennison (predominantemente uma empresa B2B), afirma que a poupança de energia por si só justifica os investimentos em sustentabilidade, que foram "uma agradável surpresa".

Mas, além disso, quem toma decisões de compra em companhias? Ouve-se de um número crescente de grandes empresas B2B que seus clientes e potenciais clientes estão perguntando sobre seus esforços de sustentabilidade de RFPs. Uma empresa de software B2B vai tão longe a ponto de explicitamente colocar em seus critérios de aquisição que será dada preferência a organizações sustentáveis.

Uma grande fabricante de telecomunicações afirma que, em 2007, havia 50 RFPs (de cerca de 400), solicitando informações sobre as iniciativas de sustentabilidade da empresa. Em 2008 esse número era de 125 e, em 2009, está em vias de ser de mais de 200! Muitos clientes preocupam-se de quem compram, sejam eles consumidores ou corporações multi-bilhonárias.

6. Se fizermos afirmações sobre a sustentabilidade, seremos acusados de greenwashing

Enquanto existem algumas empresas que podem ser acusadas justamente de greenwashing, para muitas outras o medo de ser manchada desta maneira é muito exagerado.

Estas empresas estão se empenhando para melhorar o seu impacto de carbono, sem muito alarde. As empresas que estabelecem metas significativas, e as alcançam, têm todo o direito de contar seus sucessos.

Mas a transparência torna-se um elemento importante neste processo, não só por suas realizações, mas também para as falhas. Não há nada melhor para a construção da credibilidade de seu sucesso como admitir suas falhas. E como o item seguinte ilustra, em parceria com as ONGs podem ajudar a construir a credibilidade sobre algumas das reivindicações.

7. ONGs são nossos adversários

Muitas empresas pensam em ONGs como adversárias, e ficam muito felizes se não forem abordadas por elas. Contudo, esta é uma oportunidade perdida para beneficiar da sua experiência em abastecimento, tratamento de água e uma série de outras questões. Organizações como a WWF e a Conservation International servem como parceiros para promover os esforços de muitas empresas líderes de sustentabilidade.

Bonnie Nixon disse que a HP percebeu há muitos anos que tratá-las como adversários foi contraproducente e, agora, faz parcerias com diversas ONGs.

Suzanne Apple, Vice Presidente e diretora de gestão da WWF, diz que acolhe com satisfação a oportunidade de trabalhar com as empresas de forma "ganha-ganha", citando a Coca-Cola como um exemplo no qual a WWF ajuda a empresa a satisfazer as suas necessidades hídricas enquanto conserva a água doce mundialmente.

8. Não precisamos nos preocupar com a cadeia de abastecimento, porque não produzimos bens

Algumas empresas afirmam que, porque eles não produzem bens, não compram muito, e, portanto, não têm uma pegada de carbono significativa. Ou que seus produtos não consomem muita energia, assim o seu impacto ambiental é mínimo.

O Walmart é um excelente exemplo de uma empresa que não faz as coisas, ainda está desenvolvendo um índice para suas dezenas de milhares de fornecedores que medirá o impacto de carbono a partir de coisas que vendem para a empresa.

De acordo com Matt Kistler, Vice Presidente Sênior de Sustentabilidade no Walmart, 88% da área ambiental da empresa é voltada para sua cadeia de fornecimento, e apenas 12% está sob seu controle direto. Portanto, se a empresa vai atingir o seu objetivo de neutralidade de carbono, necessitará enfrentar a maioria das suas reduções em sua cadeia de abastecimento.

Observando uma grande empresa de softwares, descobriu-se que ele gasta bilhões de dólares em seus fornecedores, em tudo, desde computadores ao material de escritório para utilitários. Esta companhia pretende ser um líder em sustentabilidade, no entanto, tem ignorado a cadeia de abastecimento, porque acha que não é significativo para os seus objetivos de sustentabilidade. Com seu poder de compra, eles têm uma tremenda oportunidade para influenciar a cadeia de abastecimento e reduzir o seu impacto (indireto) do ambiente.

Estes são apenas alguns dos muitos mitos vistos no trabalho com grandes e pequenas empresas. Tal como acontece com estes oito, há uma abundância de evidências para dissipar os mitos para fora lá, mas a lição final é simples: as empresas que optam por fechar os olhos para os benefícios de se tornar mais sustentáveis estão se colocando numa posição de desvantagem competitiva imediata e possivelmente definir como objetivos para a regulação no longo prazo.

Por Agenda Sustentável

HSM Online
25/11/2009




quarta-feira, 11 de novembro de 2009

UM ESPECIALISTA EM MUDANÇAS

Por Luisa Monteiro


Em entrevista exclusiva, Francisco Valim descreve a transformação que vem conduzindo na Serasa Experian, que agora se posiciona como otimizadora de decisões das empresas, e compartilha os segredos das viradas.

O presidente da Serasa Experian, e responsável pela virada da operadora de TV paga NET, descreve seus segredos de turnarounds sustentáveis e compartilha o que pensa sobre liderança, gestão, grandes bases de clientes etc.

A entrevista é de José Salibi Neto, chief knowledge officer do HSM Group.

O homem sensato adapta-se ao mundo. O homem insensato insiste em tentar adaptar o mundo a si. Todo progresso depende do homem insensato.” Essa frase é do filósofo e dramaturgo irlandês George Bernard Shaw e, por mais décadas que se tenham passado desde sua formulação (Shaw faleceu em 1950), segue atual como nunca, principalmente quando o mundo em questão é o dos negócios. Que o diga Francisco Valim.
Esse gaúcho, um dos nomes mais bem cotados entre headhunters brasileiros, tem em seu histórico recente a mudança radical de uma empresa em grandes dificuldades, a operadora de TV paga NET –que, em cinco anos, saiu de um prejuízo de R$ 958 milhões para um lucro líquido de R$ 208 milhões (em 2007). Em 2008, ele foi convocado para uma transformação ainda mais desafiadora: mudar o que vai bem –a Serasa Experian, maior empresa de análise de crédito do planeta fora dos Estados Unidos. E é o que está fazendo. Isso não seria possível sem uma boa dose da insensatez mencionada por Bernard Shaw, que talvez Valim prefira chamar de “atitude” quando diz, rotineiramente aliás, ser o que mais valoriza em um profissional.
Em entrevista exclusiva a José Salibi Neto, chief knowledge officer do HSM Group, Valim analisa as várias mudanças que vem enfrentando em sua carreira e conta como o faz, além de descrever seu estilo “participativo” e “sustentável” de gerenciar e liderar, e o modo “otimista” de lidar com o estresse.
Um observador atento diria que as mudanças têm sido a constante e até a marca de sua carreira ou que você vive tanto de fazê-las acontecer como de administrar as que lhe são impostas. Então, começo por aí: como você lida com mudanças em ambientes multiculturais? Pergunto isso porque você trabalhava direto com mexicanos da Telmex na NET e agora trata com irlandeses da Experian e latino-americanos em geral, e porque trabalhar com culturas diversas pode incluir um elemento de instabilidade adicional...
Aprender isso foi um processo evolutivo, no meu caso. Comecei a aprender desde cedo sobre esse processo multicultural quando fiz mestrado e MBA; é absolutamente importante entender as culturas, nos mínimos detalhes. Por exemplo, saber como o jeito de se vestir acaba impactando o processo de comunicação e, a partir disso, comunicar- se adequadamente com cada público.
Hoje, na Experian, que é um grupo multinacional com sede na Irlanda e um grande contingente de executivos, temos uma miscigenação interessante, em particular no conselho de administração. Mas isso requer habilidade no trato e no processo de comunicação.
Outra mudança no seu caso é a de indústria. Você estava na área de telecom desde a privatização do sistema Telebrás e passou para a de serviço de informações de crédito. Foi preciso mudar sua forma de gerenciar por isso?
Não, porque o ativo principal a gerenciar continuou o mesmo: pessoas. É o ativo básico cuja eficiência medimos e acompanhamos. Tem um processo de aprendizado sobre aquele nicho específico, claro: no início, eu sempre me imponho um processo de aprofundamento na tecnologia e em como funcionam as relações dentro da nova indústria. Por exemplo, nessa transição, fiz questão de ir visitar muitos clientes para poder entender sua percepção. Esse é o melhor jeito de aprender sobre um setor, aliás.
De novo, é tudo um processo de aprendizado evolutivo; não tem fim. Você sempre pode se aprofundar um
pouco mais. Agora todos temos uma nova jornada nesse mundo da informação, que no Brasil está só começando a se desenvolver.
A terceira mudança sua que quero trazer para nossa conversa é a de desafios. Na NET, você tinha um turnaround para fazer; na Serasa Experian, está tudo bem e a proposta foi mudar apenas para continuar bem...
Acho que a diferença maior entre os dois casos é da velocidade da mudança necessária. Quando você está em uma empresa com dificuldade financeira, não precisa explicar a ninguém que precisa ser rápido, isso é uma mensagem que fica subliminar o tempo todo. E a predisposição das pessoas à mudança é muito maior na crise, porque a situação sempre pode ficar pior; então elas anseiam por qualquer mudança que seja em uma direção positiva.
Já em uma empresa de sucesso, como o caso da Serasa Experian, você tem de mostrar as razões pelas quais uma mudança precisa ser executada. Esse é um processo de cooptação que demora um pouco mais de tempo, exige mais elaboração na comunicação, porque as mudanças são em nome de um futuro que não é sentido.
Quais foram as mudanças implementadas na Serasa Experian em nome de competir no futuro? Falou-se muito do fim da estrutura duplicada na diretoria, que tinha uma pessoa focada no curto prazo e outra no longo prazo...
Implementamos algumas mudanças na área de mercado com a intenção de aumentar nossa agressividade mercadológica. Para isso, segmentamos a empresa em unidades de negócios, o que permite focar mais as soluções de serviços que atendam melhor nossos clientes. Também ampliamos nossa área de relacionamento com o mercado, e a área comercial especificamente –cada vendedor cuidava de 100 clientes de portes diversos antes– passou a cuidar de 40 em média e clientes de perfil similar e tem maiores recompensas pelo desempenho. E reforçamos ainda nossa área de marketing para podermos ficar mais próximos do nosso cliente e atendê-lo mais completa e eficientemente.
Deflagramos ainda um processo de inovação aberta que inclui parcerias com fornecedores, clientes-chave e centros de excelência em pesquisa no Brasil, como a Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] e o Porto Digital [do Recife, Pernambuco], e no exterior, como o Foster Research Group, dos EUA. Assim, aceleramos o desenvolvimento de novas tecnologias e aprimoramos as competências da equipe. O que fizemos foi instaurar um ambiente propício à criatividade, permeado por um processo contínuo de inovações,
tanto tecnológicas como organizacionais.
Foi fácil mudar?
Houve um ceticismo inicial, sempre há, em qualquer empresa ou setor: “Será mesmo que vai dar certo?”. Felizmente, como eu já tinha na minha carreira êxitos que eram conhecidos, isso ajudou. Uma curiosidade é que as pessoas pesquisaram muito sobre mim. Nos computadores da empresa as palavras líderes nas buscas do Google eram “Francisco Valim”... [risos]
Também ajudou o fato de eu deixar claros meus objetivos. Eu tenho facilidade para ser explícito na comunicação.
E, como os resultados positivos aconteceram muito rapidamente, criou-se um círculo virtuoso. Muitas vezes as coisas funcionam como com técnico de futebol: se você não apresenta resultado logo no início do seu trabalho no novo clube, acaba sendo questionado. Por sorte, na Serasa Experian esse processo foi curto, porque logo conseguimos ter os primeiros resultados positivos.
O técnico Wanderley Luxemburgo leva o staff quando muda de clube. E você?
Olha, meu único staff fica lá em casa: minha mulher e meus quatro filhos [risos]. São as pessoas que eu levo aonde vou. De resto... Eu acho que, para atuar em ambientes complexos e multiculturais, você precisa ser capaz de lidar com os times existentes. Não que todo mundo seja perfeito, mas todas as pessoas têm qualidades intrínsecas e, se você souber utilizá-las, poderá potencializá- las. A esmagadora maioria dos nossos diretores e gerentes estava aqui antes da minha chegada. A mesma coisa aconteceu no caso da NET;
quando saí da Telemar Oi, não levei ninguém comigo.
Isso contribuiu para o sucesso, não?
Acredito que sim. Eu saí da NET há quase dois anos e a empresa continuatendo um processo de sucesso continuado, evolutivo, com a equipe que estava lá basicamente. Essa perpetuação do desempenho atesta a qualidade da equipe, que foi o que fez a diferença. Aliás, a principal função de um CEO, na minha opinião, é preparar a empresa para viver sem ele. Eu meço meu êxito na NET por essa sustentabilidade do desempenho depois de mim.
Jim Collins costuma dizer que o CEO só pode ser avaliado mesmo cinco anos depois da saída dele do cargo. Foi cinco anos depois de sair da HP que a polêmica Carly Fiorina ganhou o título de “CEO do ano” pelo Tom Peters, por exemplo. Tem a ver com essa sustentabilidade...
Sim, é bem por aí.
Quando você assumiu a Serasa Experian, fazia pouco que ela tinha sido adquirida. Isso ajudou ou atrapalhou?
A Experian é um caso peculiar, porque só existiu como empresa a partir de outubro de 2006, quando foi criada uma matriz. Antes, ela era um consolidado de muitas empresas independentes. Então, a Experian respeita muito as culturas e marcas locais, o que facilita tudo. Tanto que hoje nós temos muitas coisas aqui no Brasil –pessoas, tecnologia e modo de operação– que acabamos exportando para outros lugares do mundo. Por exemplo, a forma como a gente atua no mercado de pequenas e médias empresas, o entendimento da relevância da marca etc.
E a mudança do tipo turnaround? Quais são seus segredos? Como você lida com aqueles que ficam trabalhando contra?
Acho que algumas regras funcionam bem em um turnaround [veja logo abaixo: Segredo do turnaround]. Além disso, sou otimista por definição: sempre acho que as coisas podem melhorar. Isso até pode ser eventualmente um aspecto negativo, mas o fato é que sou assim e que isso simplifica muito tudo. No caso da NET, o principal trabalho com os credores foi mostrar que havia um ativo que valia muito mais que a dívida que estava sendo cobrada, o que se confirmou. A pior coisa que um credor pode ter é receber um ativo de volta; ele não quer um ativo, quer que o devedor pague a conta. Dissemos que pagaríamos a conta e pagamos. E tão bem fomos nisso que, quando chegou a hora de fazer o closing da operação de reestruturação da dívida, muitos credores não queriam aceitar o pagamento em dinheiro, queriam o pagamento em ações [risos].
O otimismo ajudou.
Conceitualmente, o que você precisa fazer é estabelecer credibilidade de que 1) existe um ativo e 2) o modelo de negócio prospectivo é exequível. O estresse foi muito alto com os credores durante poucos meses, porque, no momento em que a gente apresentou o plano e logo mostrou que era exequível, arrefeceram-se as animosidades.
Sou uma pessoa bastante espiritualizada, então tenho meus mecanismos internos de lidar com o estresse. Não sinto muito a pressão.
E o estresse interno, de seu time?
Na NET, isolamos a maior parte da organização do estresse. Foi só um grupo de meia dúzia de pessoas que se envolveu com a reestruturação... Se os outros, da operação, nos perguntavam nos corredores como andava a reestruturação, explicávamos o seguinte: “Você vai contribuir com R$ 1 mil para ajudar a fechar a conta? Não. Então, vai lá fazer seu trabalho do melhor jeito possível e deixa que a gente cuida disso”. Claro,
a gente tinha reports periódicos sobre a evolução do processo, para não criar insegurança também...
Interessante limitar o estresse dessa maneira... E deixe-me perguntar sobre outro estresse, o da sucessão...
Eu diria que, para consertar qualquer coisa, você precisa saber que está quebrada. O problema da sucessão é que as pessoas a dão como certa, ignorando algumas variáveis importantes, como um acidente, ou oferta de trabalho em outro lugar, ou promoção interna.
Aqui na Experian, por exemplo, a “quebra potencial” está sempre em mente. Tanto que as pessoas só podem ser promovidas internamente se já tiverem testado alguém para substituí-las. A Experian tem cultura muito arraigada nesse aspecto. O processo de discussão é intenso, todos os anos, e deixa bem claro quem são os sucessores, como treiná-los, como se faz a sucessão etc. Na NET esse processo não era tão sofisticado, mas havia uma clareza de que era preciso criá-lo. Mas, mesmo assim, toda a minha saída foi planejada com vários meses de antecedência, em comum acordo com os acionistas, para que pudesse ser um processo e não uma ruptura.
Eu reforço: independentemente de haver um sistema, é responsabilidade de quem será sucedido pensar nisso.
Seus trabalhos mais notórios foram com empresas donas de bases enormes de clientes, como a Telemar. Como você trata clientes insatisfeitos?
Você precisa tratar cada cliente de forma cuidadosa e individualizada, claro, mas deve se apoiar, sobretudo, em sistemas de acompanhamento para entender o que acontece. E tem de saberque sempre você encontrará alguém com algum nível de insatisfação.
Acho que a principal ferramenta que mede e ajuda as empresas a tomar decisões é o modelo de pesquisa de satisfação. E vale atrelá-la à remuneração do pessoal. Nós tínhamos na NET um modelo de pesquisa de satisfação que condicionava um quarto do bônus de todos os funcionários, por exemplo. Aqui na Serasa Experian a gente complementou essa pesquisa de satisfação; é um modelo de acompanhamento de satisfação do cliente. A pesquisa é diária, em cada contato com o cliente, e fazemos um relatório mensal. Isso nos dá uma noção clara de aonde estamos indo, o que vem sendo feito de errado e precisa ser consertado.
Você tem de ajustar os processos para que os clientes possam sair mais satisfeitos em cada interação. O mais importante é que o driver principal de mudança de qualquer processo seja a satisfação do cliente.
A peculiaridade dos brasileiros é que aceitamos muitas coisas erradas dos governos, por exemplo, mas, no caso dos serviços, somos muito críticos. Por exemplo, o americano liga para uma operadora de telecom e sabe que às vezes tem de deixar uma mensagem numa caixa postal para lhe retornarem mais tarde. Aqui isso irrita as pessoas.
É que o consumidor brasileiro não acredita que vão ligar de volta...
Mas não é só disso que ele reclama. Uma espera o irrita profundamente. Aqui os serviços precisam ser melhores do que o ideal, não basta serem melhores que os dos concorrentes.
Então, vamos falar de outra particularidade brasileira. Vivemos a crise mundial do crédito e essa área ainda nem decolou no Brasil. Como a Serasa Experian vê o futuro desse mercado?
No Brasil, o crédito ainda está na infância, nem à adolescência chegou. Tanto é que nós nem mergulhamos na crise mundial do crédito realmente. Os bancos apenas ficaram mais precavidos, de forma saudável, para garantir que o sistema não tivesse nenhum tipo de problema no futuro, porque se extinguiram as linhas externas.
Tem muito crescimento de crédito no Brasil para acontecer, na área imobiliária, por exemplo. Os bancos no Brasil são muito bem estruturados e têm políticas de crédito bem diferenciadas. O que precisa acabar aqui é essa assimetria brutal entre quem toma e quem concede crédito. Quem toma crédito tem todas as informações e quem concede, não. Esse é um dos motivos pelos quais o crédito ainda é pequeno em nosso País e não tem crescido a taxas muito rápidas. Mas a expansão deve se acelerar à medida que essa assimetria diminuir. E isso vai começar com o cadastro positivo, que nada mais é do que todos os entes da economia que concedem algum tipo de crédito com-partilharem informações sobre determinado indivíduo.
Por quê?
Porque, ao permitir que se coletem informações de crédito de uma pessoa em séries históricas que mostram aspectos como a assiduidade dos pagamentos, melhora a avaliação e costuma diminuir a inadimplência quase pela metade e aumentar o número de pessoas com acesso a crédito em 20%.
O cadastro positivo ainda está em discussão. A questão não é decidir implementar, porque isso vai acabar ocorrendo. A questão é fazer isso o mais rápido possível. Das grandes economias, só Brasil não tem. Rússia e China têm, por exemplo. E, na América Latina, que é minha responsabilidade na Experian, Chile, Argentina, Peru, Equador, Venezuela, Colômbia já têm.
A Serasa sempre foi conhecida pela “análise de crédito”, mas sua oferta de serviços vai além, especialmente agora, não é isso?
Na realidade, a concessão do crédito é uma etapa do ciclo de negócio dos nossos clientes e, portanto, do nosso processo de relacionamento com os clientes. O sistema de crédito engloba a prospecção de tomadores, a concessão do crédito em si, a gestão da carteira e depois a cobrança. Nosso papel é ajudar o cliente a tomar decisão em qualquer uma dessas etapas, dando-lhe as melhores ferramentas para isso. Então, a gente entende é de marketing.
Nós estamos trazendo para o Brasil diversas ferramentas que a Experian mundial usa para ajudar os nossos clientes a tomar as melhores decisões de marketing em cada etapa. Por exemplo, para a fase da prospecção
oferecemos uma plataforma chamada Optimization, que ajuda a decidir qual é o canal de melhor retorno para um investimento não só em mídia, mas em comunicação geral, independentemente dos canais; trata-se de uma plataforma de gestão de campanhas para captar prospects, que permite acompanhar os resultados tanto no mundo do marketing direto como no da internet. E há ferramentas específicas para a etapa da concessão, em que se tem de mitigar a fraude, a etapa da gestão do relacionamento –normalmente quando as empresas acabam esquecendo seus devedores num canto – e a da cobrança.
Somos otimizadores de decisões para as empresas.
Para finalizar, quero sua opinião sobre o futuro do Brasil. É promissor?
Uma conjunção de fatores favorece nosso crescimento: uma economia não realmente impactada pela crise, protegida pelo consumo interno; infraestrutura sofisticada na área de bancos; mão de obra qualificada nessa área, que gera conhecimento e produtividade.
Mas, no lado negativo, há deficit de infraestrutura, em todas as frentes –estradas, portos, energia elétrica, mesmo telefonia. A cidade de São Paulo, por exemplo, está atrasada no mínimo dez anos em infraestrutura. O problema é que governo não trata isso como prioridade, porque são projetos para 20 anos e seu foco é de quatro anos.

Segredos do turnaround, segundo Francisco Valim
“A primeira coisa de que se precisa para um turnaround ser bem-sucedido é a clareza para os acionistas de que isso é necessário. Não se fala muito de turnaround no Brasil porque normalmente as empresas quebram antes, e isso ocorre geralmente porque o acionista achou que as mesmas coisas que geraram fracasso no passado por alguma razão vão gerar sucesso no futuro.
Em segundo lugar, é fundamental montar uma equipe realmente qualificada, capaz de enfrentar o turbilhão de processos e eventos que precisam acontecer num processo de turnaround.
O terceiro passo foi definir os principais focos de atenção. Por incrível que pareça, no caso da NET era a falta de agressividade mercadológica. Então, logo criamos mecanismos para voltarmos a ser agressivos no mercado.
Vale reforçar que velocidade e agilidade são muito importantes. Lá na NET estabelecemos a seguinte regra: ‘Uma semana é igual a um mês’. Tínhamos de fazer em uma semana aquilo que normalmente se executaria em um mês; nossos cronogramas tinham dias, horas. Foi isso que permitiu uma recuperada rápida, essencial à credibilidade. Lembro que atingimos em três anos o que estava previsto para cinco ou dez anos à frente no plano dos credores.”


SAIBA MAIS SOBRE VALIM E A SERASA EXPERIAN

Em meados de 2007, quando o grupo irlandês Experian pagou R$ 2,32 bilhões por 65% da Serasa, maior empresa de análise de crédito do Brasil, com 2,5 mil funcionários e 4 milhões de consultas diárias de 400 mil clientes diretos e indiretos, Francisco Valim talvez não tenha prestado muita atenção na negociação. Esse executivo do setor de telecomunicações celebrava o cumprimento de sua difícil missão de salvar a operadora de TV paga NET Serviços de Comunicação, parceria das Organizações Globo com a mexicana Telmex. Cargos desafiadores são uma constante em sua carreira –a diretoria financeira da Oi, braço de telefonia celular do grupo Telemar, recém-privatizada, e a vice-presidência do grupo de mídia RBS, estão entre eles–, mas nenhum foi como a NET. Agora Valim preside a Serasa Experian e a Experian América Latina, com clientes em 16 países e que faturou US$ 462 milhões no ano fiscal de 2008 (encerrado em março de 2009), com lucro de US$ 118 milhões –a Serasa Experian responde por cerca de 90% do negócio. A formação de Valim inclui graduação em administração e mestrado em planejamento e organizações pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialização em finanças pela Fundação Getulio Vargas e MBA pela University of Southern California em Los Angeles, EUA.

Boa Gestão para Valim
Você tende a uma gestão mais humanista ou mais competitiva?
Eu acredito em uma gestão com a participação das pessoas. Lembro que, logo em uma das primeiras reuniões que eu fiz aqui na Serasa Experian, todos os principais gestores estavam sentados nesta sala, tinha um tema polêmico sendo discutido e um silêncio sepulcral da plateia. Aí em determinado momento falei: “Só deixa eu explicar como isso funciona: se você está convidado para participar de uma reunião, é porque seu voto conta e a hora de votar é agora”. As pessoas ficavam meio apreensivas, porque não era a prática usual dar opinião. Mas eu acredito firmemente que a coletividade das competências é que consegue chegar à melhor solução.
Além disso, quem faz as coisas mandado tende a ficar insatisfeito e não fazê-las direito. E aí a probabilidade de que dê errado aumenta. Eu penso: quanto mais alto se está em uma organização, menos se manda; mais se precisa cooptar as pessoas para decidirem junto.
A inteligência coletiva do Google...
Sim, mas isso requer um desprendimento dos envolvidos.
E esse respeito no relacionamento está nos mínimos detalhes. Por exemplo, vi que vocês não têm um departamento de recursos humanos, mas de desenvolvimento humano...
Exatamente.


terça-feira, 3 de novembro de 2009

AGORA É O DESAFIO LOCAL-GLOBAL

Por Luisa Monteiro


Antes os desafios eram locais. depois, tornaram-se globais. então, veio a ideia de pensar globalmente e atuar localmente. agora, na era pós-industrial em que ingress amos, é tudo ao mesmo tempo e com a mesma ênfase. trata-se de UM a ação orquestrada que depende particularmente das empresas e que visa reinventar o planeta, como afirma Peter Senge em entrevista exclusiva a HSM Management.

A entrevista é de Jorge Carvalho, coordenador do portal HSM Online.

A próxima revolução é inevitável, do tipo fazer ou fazer. Trata- -se de um conjunto de transformações profundas nas esferas política, econômica, social e cultural do planeta por conta da mudança climática, e já está em andamento para os bons observadores.
Pelo menos, esse é o entendimento do especialista em gestão Peter Senge, que se notabilizou por inovações gerenciais como a learning organization (organização que aprende) e o pensamento sistêmico. Em vez de localizada, a revolução terá de ser mundial. E, em vez de liderada por revolucionários individuais, organizações estruturadas com fins lucrativos a comandarão.
Nesta entrevista exclusiva a HSM Management, concedida a Jorge Carvalho, coordenador do portal HSM Online, Senge discorre sobre a urgência de implementar uma “economia regenerativa”, que represente a pá de cal definitiva sobre a era industrial com que todos nos acostumamos. Deve funcionar “como a natureza, sem desperdício”.
A seguir, Senge explica a resistência das empresas a ela, apresenta esboços reais de um novo modelo de negócio “regenerativo”, comete inconfidências sobre os dilemas do estudo de inovação em gestão do grupo de Gary Hamel (que ele integra) e ainda aborda um de seus assuntos preferidos: o desafio de revolucionar a educação.
O sr. fala em sustentabilidade desde seu livro A Quinta Disciplina, lançado em 1990, há quase 20 anos. Em sua opinião, aqueles princípios são atuais?
Não mudou o princípio essencial, de que a sustentabilidade é obrigatória, porque não se pode crescer com essas questões ambientais pendentes. O que mudou foi o mundo dos negócios, que demorou muito até começar a acordar para o assunto e para o contexto maior em que se inserem os sistemas organizacionais, mas agora acordou.
Por que o despertador das empresas demorou tanto para tocar, em sua opinião?
Nós não enxergamos o sistema mais amplo, apenas fazemos nossas “coisas” e ignoramos o que acontece fora da empresa. Concentramo-nos no curto prazo e não vemos as consequências do que fazemos. Precisamos ter uma perspectiva de espaço, já que o que acontece lá fora é crucial para a forma como operamos. E precisamos principalmente ter uma perspectiva de tempo, no sentido de criar uma conexão emocional com o futuro, não apenas com o próximo mês. As pessoas pensam que o futuro é sempre daqui a 12 ou 20 anos e se descolam dele. Na essência, todo o problema da sustentabilidade reside no fato de que não pensamos no futuro.
É o sistema financeiro que fornece esses antolhos de curto prazo?
O sistema financeiro é um grande fator de reforço da visão de curto prazo, sim, porque ele vive nas nuvens e só olha números. Esse é um problema que vem de muito tempo, piorou nos últimos anos e agora chegou ao extremo.
A economia real se baseia em pessoas produzindo coisas, oferecendo serviços e gerando valor real, e o sistema financeiro não pode seguir crescendo sem levar em conta a economia real. Na verdade, em uma sociedade saudável, o sistema financeiro está lá para servir a economia real. E esta se fundamenta no sistema
de vida, ou seja, na sociedade e na natureza. O mercado financeiro e a economia real sempre estiveram separados e, a partir de determinado momento, o mercado financeiro passou a comandar o show e gerou um mundo ilusório.
A dissociação entre a economia real e a natureza ocorreu com a era industrial, quando as pessoas passaram a viver nas cidades, sem mais ligação com a terra e a natureza, mas o sistema financeiro a agravou.
É preciso que voltemos a ser rurais?
Não, nem há mais volta. Porém precisamos ter noção da dimensão do desafio e encontrar um modo de vencê-lo.
Se você observa a história do ser humano, há muitos exemplos de sociedades que viveram de forma sustentável por longos períodos, até milhares de anos, e que não durariam tanto se não tivessem conseguido harmonia com o mundo mais amplo da natureza em que viviam. Encontramos experiências e valores diversos nelas, mas há pelo menos uma coisa comum a todas: seu viver era sempre local. Na América do Norte, algumas tribos formavam confederações que se estendiam por milhares de quilômetros. Elas eram todas inter-relacionadas pelo comércio e algumas confederações tinham até Constituição. Contudo, os exemplos de sustentabilidade são sempre locais.
Então, uma maneira de definir a especificidade única de nossa situação atual é que ser sustentável localmente
deixou de ser possível: a espécie humana se tornou global. E está claro que ainda não sabemos como sobreviver nesse nicho global. As mudanças climáticas são um exemplo do fato de o ser humano, pela primeira vez na história, ter de enfrentar um processo do tamanho do planeta.
Qual é a solução? Algum país está mais propenso a encontrá-la?
Um único país não resolve nada, mas eu diria que o Japão pode ser uma inspiração. Muitas coisas na forma como os japoneses vivem são, provavelmente, bons indicadores. Eles vivem em uma ilha do tamanho da Califórnia há muito tempo e com apenas 10% do território habitável, o que significa que centenas de milhões de pessoas têm de viver em um pedaço de terra muito pequeno. Por isso, tiveram de aprender como viver ali. Eles são um bom exemplo de uso eficiente de energia –em relação ao PIB do país, gastam cerca de um terço do que se contabiliza nos Estados Unidos ou na China. E, de alguma forma, já têm um papel de liderança. O Japão foi o anfitrião do Protocolo de Kyoto. O fato, contudo, é que, para fazer frente a um desafio “local-global” como esse, todos os países têm de trabalhar juntos. Caso contrário, os problemas não serão solucionados. Se os Estados Unidos, a Europa, o Japão alcançarem melhoras radicais no uso eficiente da energia, reduzindo muito o desperdício e acelerando a transição para fontes energéticas alternativas às fósseis, mas a China ou a Índia não fizerem o mesmo, não fará diferença alguma.
Pode-se dizer que esse “aprender a trabalhar juntos”, muito difícil, é a solução. As questões precisam ser tratadas tanto local como mundialmente.
Isso é algo completamente novo na história da humanidade, não?
Exato. Nunca tivemos de lidar com um desafio local-global.
Parece-me que temos muitas associações a restaurar: dentro e fora da empresa, presente e futuro, economia financeira e real e, agora, local e global. O desafio de reassociar corpo e alma, que o sr. destacou várias vezes em seus estudos, remetendo a gestores particularmente, também entra nessa lista como prioridade? E todas essas reassociações cabem aos gestores?
Acho que combinar corpo e alma sempre foi prioritário, na empresa inclusive. No fundo, todo o trabalho de minha vida tem ido nesse sentido de encorajar as pessoas a construir um tipo de organização de negócios em que realmente queiram trabalhar, que lhes ofereça oportunidades de crescimento, que lhes permita construir relações pessoais de qualidade, em que cada um possa fazer algo com que realmente se preocupe. Tem a ver com reunir corpo e alma, sim, e continua sendo importante insistir nesse aspecto.
A diferença agora é que precisamos ir além, incentivando também o aprendizado do que eu chamo de “macro-habilidades”, para que as organizações coletivamente redefinam a sociedade contemporânea. As empresas são as instituições mais poderosas da atualidade e devem agir de acordo com isso. Talvez uns 5% da população mundial entenda que não temos outra opção –esse número ainda parece baixo, mas está em crescimento gradual. No Brasil, se você conversa com alguém como Fábio Barbosa, do Banco Santander/ Real, vai ouvir dele: “Não há alternativa; as coisas vão mudar, e em breve”.
É isso. As coisas precisam começar a mudar, e já, porque vivemos uma combinação dessa pressão interna [das pessoas e empresas] com pressão externa [do meio ambiente majoritariamente].
O sr. está envolvido, com Gary Hamel, na busca da reinvenção do management e da própria empresa. Pode nos contar um pouco desse trabalho?
Trata-se, na verdade, de uma iniciativa de Gary Hamel que reúne cerca de 25 pessoas de diversas especialidades envolvidas em diferentes trabalhos que podem ser caracterizados como uma tentativa de reinventar a gestão. Muitas delas, em minha opinião, aindasão bastante conservadoras, pois não enxergam as forças externas. Sabem que elas estão lá, mas ainda trabalham como se não estivessem.
Como assim?
A distinção é simples: você pode trabalhar para que as organizações sejam mais eficientes, e ponto final, ou para ajudar o mundo a mudar por meio de organizações mais eficientes, liderando, assim, a mudança do mundo. Quase todos no grupo de Hamel atuam com o primeiro objetivo.
Eu diria que isso se deve a uma espécie de conflito cultural ali. A maioria das pessoas é norte-americana. Alguns são indo-americanos –mas C.K. Prahalad, por exemplo, viveu a maior parte de sua vida nos Estados Unidos e tem uma visão de desenvolvimento ocidental. E há o canadense Henry Mintzberg, que teve experiências em todo o mundo e está de fato imerso na realidade global; os canadenses estão cada vez mais diferentes dos norte-americanos.
Mintzberg foi um que ficou frustrado no primeiro encontro do grupo, em maio passado. Ele dizia: as empresas são grande parte do problema; não se trata só de torná-las mais eficientes, elas precisam mudar, ou o mundo não terá futuro. Concordo com Mintzberg. E acho que o grupo está meio dividido.
Essas discussões são abertas ao público?
Não, são bem fechadas, nem gravações há. Vamos ver o que acontecerá. Algumas ideias todos nós compartilhamos, como inovar mais ou colocar pessoas de diferentes níveis hierárquicos para trabalhar juntas. A grande diferença é quão urgentemente as pessoas perseguem as mudanças externas.
Para mim, ainda assim, é maravilhoso ver as pessoas acordar. Pense que esse é apenas o começo do começo. Ou a mudança que vem por aí será imensa, ou viveremos uma catástrofe, não há meio-termo.
Sim. O livro explica que nós precisamos de uma “economia regenerativa”, que funcione como a natureza, sem desperdício. Idealmente seria um sistema em que tudo o que se produzisse e se usasse fosse continuamente reutilizado. Não se criaria nenhum produto, com um propósito qualquer, sem pensar em seu nascimento, morte e renascimento. É a filosofia indiana sobre o retorno à vida: tudo renasce. Assim, desapareceria um dos paradigmas atuais, o de pensarmos no uso das coisas uma única vez. Além disso, na lógica dessa nova economia, toda a energia emanaria do sol, como na natureza.
Existem empresas que estão tentando adotar esse modelo?
Sim. Entre no site da Nike e você encontrará uma visão articulada para o desperdício zero em dez anos. É uma enorme estratégia. Eles adotam um sistema de classificação dos novos produtos com base no consumo de água em toda a cadeia de valor, no consumo de energia, na geração de lixo e resíduos tóxicos, e cada produto recebe uma medalha (ouro, prata, nenhuma). Criaram uma competição dentro da empresa, o que faz sentido, porque é uma empresa de esportes, certo? E todos querem ganhar a medalha de ouro.Para isso, os colaboradores da Nike tentam criar um calçado esportivo que seja totalmente reciclável. No caso de tênis, em que tudo é colado, o problema é mais sério, tanto no que diz respeito à segurança dos trabalhadores, por causa das toxinas da cola, como no que se refere ao planeta, porque essas toxinas vão parar na água. Mas já criaram na Nike um calçado esportivo que não leva cola, o que é um grande avanço. Há muitos exemplos que vão nesse caminho, como o da parceria entre a Unilever e a Oxfam International [ver Caso Real, mais abaixo].
No Brasil, o sr. vê alguma inovação desse tipo?
Fico muito impressionado com o que o Banco Real tem feito. Precisamos ver se isso terá continuidade depois da fusão definitiva com o Santander, mas, de qualquer maneira, a prática de emprestar dinheiro de modo diferenciado para organizações que atendam a alguns padrões de sustentabilidade é realmente digna de nota.
Os bancos podem ter enorme influência na formatação da economia pós-industrial. Se seu critério para liberar recursos estiver atrelado à boa gestão da energia, da água, do lixo e dos resíduos tóxicos, isso tende a mudar muita coisa. E não se trata apenas de filantropia da parte dos bancos; há os riscos envolvidos em muitas das práticas de negócios.
A consciência dos riscos da mudança climática no universo dos negócios ainda é pequena, mas vem aumentando, o que se deve em grande parte à Swiss Re, maior empresa de resseguros do mundo, mestre em avaliar riscos das seguradoras, portanto. Ela definiu que, mediante tamanha instabilidade climática, em algumas partes do planeta o seguro contra eventos como inundações já deixou de ser viável – por exemplo, no sul da Flórida, nos Estados Unidos. Os prêmios são tão altos para segurar casas localizadas na costa que a maioria das pessoas não pode se dar ao luxo de pagar.
Diversos setores de atividade estão adotando diferentes caminhos, porém é possível distinguir uma direção comum, volto a dizer: a da economia que funcione com base nos princípios da natureza.
Gostaria de trocar a pressão externa pela interna novamente [risos]: o sr. acha que a organização que aprende se tornou realidade finalmente?
Não. O conceito “organização que aprende” ainda é um ideal; nenhum de nós espera que se torne dominante, ao menos nas duas ou três próximas gerações. Temos um sistema de gestão que prevalece há centenas de anos, baseado em hierarquia e autoridade. Isso não vai mudar rapidamente.
O que temos de fazer é focar os inovadores radicais e como eles começam a criar culturas de aprendizado dentro das grandes empresas ou, cada vez mais, em novas companhias.
O Google é organização que aprende?
Em grande parte, sim. Eles são um bom exemplo de empresa orientada para o trabalho em rede. Mas gostaria de acrescentar que, para a organização que aprende ser realidade, temos de pensar no longo prazo, em 50 ou 100 anos. A mudança vai levar muitas gerações para acontecer. Por isso, o sistema de ensino é crucial. E tem de mudar.

Mas como? As escolas não evoluem...
A escola é uma instituição bastante conservadora por natureza o que é irônico, porque ninguém está mais aberto para tentar novas coisas do que as crianças. As escolas têm potencial para ser incrivelmente inovadoras!
O que vemos em todo o mundo são as escolas fracassando. As crianças provavelmente estão aprendendo mais jogando videogame que indo à escola. É urgente começar a criar um espaço para a inovação ali –e não um modelo. Modelo fixo, único, é o que já existe da era industrial, e está superado. As crianças são diferentes, deve haver vários tipos de escolas. Esse é o desafio.

Saiba mais sobre Senge
Peter Senge, ensaísta e professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), é uma das vozes mais respeitadas do mundo empresarial. Fundou e preside a Sociedade para o Ensino Organizacional (SoL, na sigla em inglês) e é autor ou coautor de vários livros, entre os quais se destacam A Quinta Disciplina (ed. Best Seller) e Presença (ed. Cultrix).
Seu mais recente livro, lançado em 2008, é A Revolução Decisiva (ed. Campus/Elsevier), com coautoria de Bryan Smith, Nina Kruschwitz, Joe Laur e Sara Schley.
A obra convida indivíduos e organizações a encontrar respostas inovadoras para o maior desafio de nossa época: criar, em conjunto, um mundo sustentável para a atual geração e para as futuras, na vida pessoal e nas organizações. E o papel das empresas nessa transição para uma era pós-industrial será fundamental, como alerta Senge.

Caso Real: a parceria que quer mudar a agricultura
Conta Peter Senge: “A Unilever fechou um acordo com a Oxfam International [grupo de organizações não governamentais]. As duas, muito diferentes, agora vão trabalhar no longo prazo para provar a viabilidade do que chamam de ‘modelo de pequeno produtor’ na agricultura. O sistema agrícola tal como existe é um desastre ecologicamente falando. É destruidor. Metade do solo cultivável do mundo foi destruído na era industrial por práticas de cultivo burras, por se tratar a agricultura como uma grande máquina.
É possível ter, na agricultura, cadeias de fornecimento mundiais que não tirem o agricultor de sua terra e mantenham a integridade das comunidades agrícolas, uma vez que, para preservar o ecossistema associado à agricultura, é preciso preservar a comunidade de produtores rurais. É bem claro que os dois são inseparáveis. O social e o ambiental têm de estar conectados”.

HSMManagement 76
• Setembro-outubro 2009

domingo, 25 de outubro de 2009

NÃO BOICOTE SEU AGENTE DE MUDANÇA

Por Luisa Monteiro


Nada menos que 70% dos executivos que promovem mudanças não são recompensados ao final de seu esforço, segundo pesquisa. E assim começa o círculo vicioso...

Estudo realizado nos Estados Unidos mostra como o esforço de mudança é desestimulado pelas empresas, muitas vezes inconscientemente; o consultor Stratford Sherman e a empreendedora Marisa Faccio relacionam medidas práticas para reverter isso conforme o tipo corporativo

Stratford Sherman é sócio da firma de consultoria Accompli, especializada em mudança organizacional de
larga escala. Escreveu Controle seu Destino Antes que Alguém o Faça (ed. Educator), com Noel Tichy, o célebre estudo de caso da gestão Jack Welch na General Electric. Marisa Faccio fundou e presidiu a Accademia, companhia de treinamento em comunicação para empresas sediada em Vicenza, Itália.

Iniciativas de transformação profunda se tornaram um “fato da vida” para as principais organizações, e o sucesso ou o fracasso delas costuma significar a diferença entre o sucesso de longo prazo e o desempenho inferior. É razoável, então, que executivos seniores que lideram iniciativas de mudança bem-sucedidas sejam recompensados. Mas não foi recompensa que encontramos ao estudar 84 grandes iniciativas de mudança em 36 das empresas listadas na Fortune 500 entre 2000 e 2005.
Os resultados de nosso estudo foram muito divergentes do que se esperaria. Apesar de 85% das principais iniciativas de mudança que investigamos terem atingido ou superado as metas de desempenho definidas para elas, menos de 30% de seus líderes foram promovidos, e o mesmo percentual foi demitido ou deixou a empresa voluntariamente ao final do esforço de mudança. Os 40% restantes ficaram em seus cargos ou mudaram para posição similar, sem subir na hierarquia.
Os números surpreendem: cerca de 70% dos executivos que lideraram essas grandes transformações não foram recompensados ou foram deixados de lado, dispensados ou estimulados a sair da empresa. A maioria das organizações ficaria horrorizada de saber que está desperdiçando matéria-prima ou capital financeiro em tamanha escala, mas as que pesquisamos desperdiçaram capital humano, nesse tema-chave, em doses espantosas.
Quantos gestores talentosos o leitor acredita que se apresenta-riam para um papel de liderança no esforço de mudança se sentissem que isso poderia destruir sua carreira?
Há uma relação entre o apoio ao agente de mudança e o tipo de empresa. Foi o que descobrimos em nosso estudo sobre 86 fatos transformacionais. Os resultados diferiram significativamente entre as quatro principais categorias de empresa.
As organizações que tiveram a maior pontuação, tanto em desenvolvimento da liderança como em assumir a mudança, foram também as que apresentaram maior probabilidade de aperfeiçoar seu desempenho e de promover seus líderes de mudança ao término do processo. E confirmaram um ciclo virtuoso: as iniciativas de mudança são bem-sucedidas e as empresas retêm seus executivos de alto desempenho para liderarem a próxima onda de mudanças e, conforme esses líderes ascendem na organização, eles aplicam as habilidades de mudança, adquiridas a duras penas, aos desafios da gestão como um todo.
Entre as empresas com baixa pontuação em relação à adoção da mudança, ao desenvolvimento da liderança ou a ambos, o que identificamos foi um ciclo vicioso: sua habilidade de superar expectativas a respeito das iniciativas de mudança situa-se muito aquém daquela das organizações superiores, e seus líderes de mudança
deixam a empresa a taxas maiores, diminuindo a probabilidade de que futuros esforços de mudança deem certo. Também identificamos que os membros mais fortes dessas organizações frequentemente evitam papéis de liderança em mudanças.
CATEGORIAS DE EMPRESA CONFORME A MUDANÇA
Você quer que sua empresa lidere mudanças verdadeiramente e faça disso uma capacidade permanente? O primeiro passo é avaliar com precisão se ela é “modelo”, “mestra”, “guerreira” ou “lenta”. Uma vez que os líderes principais tenham esse autoconhecimento, eles podem gerenciar seus talentos e iniciativas de mudança de modo a alavancar as forças de seu pessoal.
Modelos:
ajam com segurança
Entre as empresas que estudamos, encaixaram-se na categoria modelos aquelas que apresentavam maior probabilidade de usar conscientemente os eventos de mudança como importantes oportunidades de aprendizado para os líderes. Elas, com frequência, punham executivos de alto potencial no topo das principais iniciativas de mudança, propiciando-lhes o tipo de desafio que, mais tarde, os desenvolveria. As empresas do tipo modelo também oferecem apoio organizacional mais forte para suas iniciativas. Podem declarar, desde o princípio, sua intenção de promover o líder da mudança, se o esforço for bem-sucedido, o que não apenas o energiza, mas também aumenta as chances de a empresa ter suas expectativas a respeito da iniciativa superadas.
Um comitê orientador, que atue como um tipo de conselho diretor para o esforço, é o tipo de ferramenta comumente utilizado pelas modelos para assegurar que os recursos adequados e o apoio político dos principais stakeholders (grupos de interesse) sejam devotados ao projeto. Essas empresas também são mais cautelosas em liberar seus líderes de mudança de outras tarefas, de modo que eles possam dedicar tempo suficiente para o sucesso da empreitada.
E elas tipicamente escolhem um alto executivo para ser o patrono da iniciativa de mudança. Ao investir no sucesso do líder da mudança e prover orientação, o patrono aumenta a probabilidade de um resultado positivo para o projeto, bem como do desenvolvimento máximo do líder. As iniciativas de mudança propiciam, ainda, oportunidades significativas de desenvolvimento para os patronos, integrantes do comitê orientador e membros da equipe da iniciativa.
Com tal apoio organizacional, as empresas do tipo modelo não têm de alocar suas pessoas mais experientes
nos esforços de mudança. Elas podem aproveitar a oportunidade para valer-se de seus jovens líderes de alto potencial, fortalecendo sua reserva de talentos, sem temer que o projeto vá a pique. As modelos costumam agir com grande confiança em termos gerais: sobre o sucesso do projeto, sobre a retenção de líderes de mudança e sobre o desenvolvimento de talentos.
Mestras:
superem os instintos
Apesar de sua devoção ao desenvolvimento da liderança, as mestras tendem a se emaranhar em um problema que atormenta líderes, consultores e acadêmicos desde tempos imemoriáveis: no fundo, a maioria das pessoas e das organizações teme a mudança. As pessoas não gostam de sair de suas zonas de conforto. Forças institucionais poderosas ajudam a manter o status quo. Em tais empresas, a mudança simplesmente não tem eleitorado.
Talvez seja por isso que agentes de mudança nas mestras careçam de ampla base de apoio. De fato, os líderes de mudança mais eficazes têm grande probabilidade de tornar- se desajustados culturais. Geralmente
duros em seus métodos, desatenciosos à assimilação social e sem respeito pelo status quo, eles podem fazer inimigos facilmente e, também, ver seus esforços detidos, minados ou rejeitados de imediato.
Agentes de mudança muitas vezes têm a ilusão de que outros vejam a urgente necessidade de ação exatamente como eles veem e se frustram ao descobrir como poucos stakeholders-chave se importam com as iniciativas e resultados que aos líderes são tão caros.
Nas empresas mestras de nosso estudo, apenas 28% dos eventos de mudança excediam as expectativas, enquanto nas modelos chegavam a 85%. É possível que as mestras não consigam exceder expectativas simplesmente por não reconhecer completamente essa possibilidade.A liderança pode ser vista no âmbito da administração diária da empresa e a mudança, como um domínio de mercenários e estrategistas.
Em uma organização desse tipo, uma potencial gestora foi solicitada a liderar um esforço de mudança para implantar um modelo de serviços compartilhados no departamento financeiro. Os patronos a encorajaram, observando que essa grande experiência ampliaria sua visibilidade diante dos altos executivos. Inicialmente animada, ela se entregou à missão. No entanto, ao longo do caminho, a energia dos patronos começou a ser direcionada a outro alvo e, com pouco apoio, ela perdeu a paixão por seu papel. A tarefa foi concluída com sucesso, porém as recompensas foram poucas. Ela permaneceu na empresa e, em seguida, ascendeu na hierarquia, mas passou a evitar assumir novamente o papel de líder em alguma mudança.
Comparada com seus correspondentes de outras organizações, essa gestora teve sorte, já que 84% dos líderes de mudança em empresas mestras foram transferidos lateralmente de posição ou deixaram a companhia. A perda e o mau aproveitamento desses líderes são especialmente irônicos, levando em conta o alto valor depositado pelas mestras no desenvolvimento da liderança.
Deixando de associar o desenvolvimento da liderança à mudança, elas frequentemente acabam tendo seus líderes de maior potencial se escondendo à luz do dia ou migrando para o concorrente. Para acabar com essa situação, as mestras precisam agir conscientemente contra os instintos de
seus líderes. Têm de oferecer apoio organizacional e recompensas de carreira que sirvam de forças compensatórias em relação à inércia institucional. Em vez de designar profissionais suspeitos –pessoas conhecidas por implantar projetos pela pressão e pelo abuso moral– como líderes de mudança, essas empresas devem selecionar pessoas com o temperamento adequado para serem agentes de mudança dentro
de sua estrutura social. Precisam, também, apoiá-los com comitês de orientação criteriosamente selecionados e aos quais foi atribuído poder, além de patronos de alto nível e respeitados, que permanecerão comprometidos com os projetos enquanto durarem.
Guerreiras:
cultivem o talento
Uma vez que as guerreiras sabem como conduzir a mudança, elas normalmente ganham a batalha pela transformação. Como observamos em nosso estudo, 43% de suas iniciativas excediam as expectativas. Entretanto, como elas são falhas no desenvolvimento da liderança, frequentemente perdem a guerra pelos talentos. Por isso, 92% de seus líderes de mudança se moveram lateralmente na estrutura organizacional ou deixaram a empresa, proporção similar à encontrada entre as lentas.
As guerreiras, reconhecendo que devem mudar para permanecer competitivas, geralmente dedicam recursos significativos para assegurar o sucesso de suas iniciativas. Elas podem acionar um comitê orientador forte e um patrono executivo e ter sofisticadas métri-cas de acompanhamento de resultados. Tendem, contudo, a tomar menos cuidado na escolha do líder da mudança e a não se dedicar ao aconselhamento e ao desenvolvimento desse líder.
Vejamos o caso de um executivo que liderou as negociações de venda de sua empresa para uma concorrente. Ele sobreviveu à aquisição e foi, em seguida, designado pela empresa-mãe para liderar a companhia adquirida como uma divisão da nova organização e para administrar a integração pós-venda. Trabalhando com uma equipe que o conhecia bem como colega, ele concluiu que precisava pouco em relação a apoio e desenvolvimento. Além disso, a empresa-mãe –uma guerreira típica– havia comprado a concorrente para ampliar sua participação de mercado, não para cultivar talentos. No entanto, seus antigos colegas, agora subordinados, lembravam-se de experiências com ele que não eram de todo positivas. Em outras palavras, sua “bagagem” o acompanhou. Felizmente, ele percebeu o problema e conversou com cada membro de sua equipe abertamente, para ponderar como sua nova relação deveria ser e perguntar o que eles almejavam do trabalho que desempenhavam. A habilidade desse gerente-geral de se comprometer com suas relações com a equipe e de reestruturá-las lhe permitiu continuar a liderar, ainda que tivesse pouco apoio individual da empresa-mãe.
A lição para as guerreiras é que sejam extremamente cautelosas na escolha do líder da mudança. Se a falta de consciência quanto ao desenvolvimento da liderança é simplesmente muito grande para ser superada, é aconselhável selecionar um indivíduo que seja bom em autodesenvolvimento e que precise menos de aconselhamento ou ajuda pessoal do que a maioria das pessoas. Foi o que fez a empresa-mãe do exemplo. Contudo, a menos que tais líderes recebam alguns incentivos de carreira adicionais, eles tenderão a não permanecer na organização depois do processo, resultando em significativa perda de talentos.
Lentas:
façam as intervenções necessárias
As empresas lentas, que não são especialistas nem em mudança, nem em desenvolvimento de liderança, colocam-se em risco dobrado pela fraca execução das iniciativas de mudança. Como as mestras, elas frequentemente deixam de fornecer o apoio necessário para que se superem as resistências às mudanças. Como as guerreiras, não veem a mudança como oportunidade de desenvolvimento da liderança.
As histórias de organizações lentas podem ser especialmente desanimadoras. Uma empresa de serviços de informação estava frustrada com sua área de recursos humanos. O serviço era ruim, os processos obscuros e os funcionários eram constantemente desviados de suas tarefas para tratar de problemas relacionados à folha de pagamentos, aos benefícios etc. O CEO, um tirano, exigia que o problema fosse resolvido “agora” e nomeou um “solucionador de plantão” para descobrir como fazê-lo. O primeiro instinto do solucionador foi passar um sermão à chefe de RH, desafiá-la seriamente e ameaçar contratar ajuda externa.
A chefe de RH tentava fazer o máximo para colocar o trem nos trilhos, mas, por estar implicada na responsabilidade pelo estado atual de coisas e por sofrer a pressão impaciente do CEO, esmoreceu e foi substituída. Seu sucessor era um brilhante ex-consultor, que veio com um plano e logo começou a implantá-lo.
Contudo, a infraestrutura necessária ao sucesso ainda não estava lá, e o tempo jogava contra. Não obstante seus esforços heroicos, o ritmo da mudança era considerado extremamente lento e ele foi demitido. O cargo foi, então, passado a outro chefe de RH, que também não foi bem-sucedido diante da inércia institucional e pediu demissão.
Por falharem tanto em assumir a mudança como em desenvolver liderança, as lentas têm de trabalhar mais duramente que as outras empresas para tornar a iniciativa de mudança um sucesso:
• Essas companhias devem ser muito cautelosas em relação à seleção do líder da mudança. Uma vez que é muito alto o risco de uma execução fraca, é aconselhável selecionar um líder entre os mais experientes e bem-sucedidos da empresa, e não apenas entre os solucionadores de plantão, que abusam moralmente das pessoas com missões similares no histórico.
• É essencial que o tema da mu-dança seja abordado explicitamente, uma vez que os executivos mais preparados sabem que ser líder da mudança é arriscado ali –e mal remunerado. O CEO e o patrono do projeto devem envolver o possível líder da mudança em conversas sinceras sobre os riscos de carreira e permanência na organização. Precisam mostrar ao líder que reconhecem a dificuldade da tarefa e que a empresa não quer perder ou marginalizar um executivo valioso. Talvez seja necessário oferecer recompensas não usuais, incentivos e até mesmo garantias.
• As empresas lentas devem disponibilizar apoio organizacional em larga escala ao projeto e seu líder. As expectativas em relação ao tempo de dedicação que será exigido do líder têm de ser estabelecidas com clareza e a organização não pode subestimar as demandas da nova iniciativa ou das outras responsabilidades do líder. Em muitos casos, a liderança da mudança deve ser definida como um trabalho em tempo integral. O patrono executivo, além de agir como mentor do líder da mudança, precisa ter “senioridade” de cargo e poder suficientes para remover obstáculos, disponibilizar recursos e conseguir que as pessoas cooperem. Os membros do comitê orientador, que devem ser representantes das pessoas afetadas pelo projeto, também têm de ser seniores o bastante para derrubar as barreiras ao sucesso.
RESTAURANDO O FATOR HUMANO
Pergunte a qualquer CEO experiente sobre seu maior arrependimento em relação às iniciativas de mudança e a resposta tenderá a ser: “Nós deveríamos ter caminhado muito mais firmemente, e antes”. Executivos seniores se preocupam com o fato de que várias mudanças, muito cedo, podem danificar a organização, alienar pessoas valiosas ou alarmar o conselho. É também natural que se sintam desconfortáveis ao recompensar líderes de mudança que podem não estar totalmente lapidados, ou ser visionários demais, ou ter interesses variados. E alguns executivos ainda temem que tais líderes não se satisfaçam em voltar a seus velhos papéis e posições.
Na prática, as empresas podem lidar com todas essas preocupações adotando os indicadores corretos. E, quando bem gerenciadas, as iniciativas de mudança conseguem energizar a organização e liberar o potencial criativo das pessoas. Elas podem ser não apenas catalisadoras do sucesso e um motor de geração de valor, como também uma oportunidade para gente talentosa.

Quatro categorias de empresa
• Modelos. Das 36 organizações que estudamos, 11 assumiam a mudança entusiasticamente e viam a prática da mudança como indispensável ao desenvolvimento da liderança. Nelas, 85% dos eventos de mudança excediam as expectativas e 15% as atingiam. Dentre os líderes de mudança, 62% foram promovidos, 24% se moveram lateralmente na empresa e apenas 14% a deixaram (voluntária ou involuntariamente).
• Mestras. Onze organizações valorizavam a maestria individual que vem com a atenção cuidadosa ao aprimoramento da liderança, mas não tinham desenvolvido uma capacidade de mudança sofisticada. Nelas, 28% dos eventos de mudança excediam as expectativas, 56% as atingiam e 16% não as alcançavam. Apenas 16% dos líderes de mudança foram promovidos, 60% se moveram lateralmente na empresa e 24% a deixaram.
• Guerreiras. Cinco organizações tinham desenvolvido habilidades de mudança como condição necessária para a batalha competitiva, mas subvalorizavam o desenvolvimento da liderança. Nessas empresas, 43% das iniciativas excediam as expectativas, 28% as atingiam e 29% não as alcançavam. Dentre os líderes de mudança, apenas 7% foram promovidos, 57% se moveram lateralmente na empresa e 35% a deixaram.
• Lentas. Nove das organizações estudadas não tinham certeza sobre como implantar a mudança e haviam feito um trabalho relativamente pobre de desenvolvimento de lideranças. Nelas, apenas 5% das iniciativas excediam as expectativas, 67% as atingiam e 28% não as alcançavam. Em relação aos líderes dessas iniciativas, 11% foram promovidos, 50% se moveram lateralmente na empresa e 39% a deixaram.

Saiba mais sobre o estudo
Foram investigadas 84 transformações em 36 das empresas listadas por cinco anos no ranking Fortune 500. Essas mudanças, cada qual definida como estando entre as três maiores prioridades da empresa, incluíam reorganização, redução de custos, aperfeiçoamento operacional, redirecionamento estratégico e outras iniciativas do tipo das que aparecem em destaque nos relatórios anuais.
Avaliou-se, nesse contexto, a capacidade das empresas em duas variáveis consideradas essenciais para eventos de mudança bem-sucedidos:
• Até que ponto a organização assume a mudança, levando em conta cinco indicadores: altas expectativas de crescimento; inovação; transformação contínua; clareza de visão e valores; e desejo de estabelecer objetivos elásticos.
• Atitude da empresa em relação ao desenvolvimento da liderança, também com cinco indicadores: valorização das pessoas; avaliação rigorosa; desenvolvimento e progressos; incentivos; aconselhamento. Esses achados foram, então, correlacionados com os resultados dos eventos de mudança e os destinos de seus líderes.

HSM Management
© strategy+business
Reproduzido com autorização da strategy+business, revista trimestral de management da Booz & Company.


sábado, 17 de outubro de 2009

DOSSIÊ MOBILE - OS 8C's DO CELULAR

Por Luisa Monteiro


Em 11 anos, o celular passou de mero instrumento de comunicação a aparelho de controle remoto para grande leque de atividades e também a símbolo de status. Para compreender seu atual uso e poder de sedução, é necessário entender a essência dessa transformação, detalhada a seguir pelo especialista Tomi Ahonen.

Tomi Ahonen é consultor de empresas especializado em convergência digital e telecomunicações móveis e tem escritório em Hong Kong, China. Autor de livros sobre o assunto, como Mobile as the 7th of the Mass Media e Communities Dominate Brands (ambos, ed. futuretext), ele ministra cursos rápidos sobre alta tecnologia na Oxford University, do Reino Unido.

Parece que o mundo descobriu a telefonia móvel. O presidente do Google diz que o futuro da internet é o serviço no celular. A rede de TV CNN continua expandindo seus investimentos em mobile e está patrocinando um concurso de filmes feitos em celular. O atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, usou serviços móveis, do SMS ao Twitter, para fortalecer sua campanha política. Depois de 30 anos, a Apple Computer, a gigante do setor de tecnologia da informação, tirou o Computer de seu nome no momento em que anunciou seu primeiro telefone celular, o iPhone, em 2007. Mesmo em recessão, o gasto total com anúncios de telefonia celular dobrou em 2008 no Reino Unido. Essa parece ser a onda do momento para qualquer setor de atividade.
8 Cs
Esse aparelho ao seu lado não é o celular que você tinha há dez anos. Uma década atrás, em qualquer mercado, o uso primordial de um celular era a fala. Porém o aparelho básico evoluiu, aumentou sua capacidade e amadureceu –e deixou de ser isso.
Vale a pena analisar o que aconteceu. Desenvolvi uma teoria que chamo de “os 8 Cs do celular”, para ajudar na compreensão do que ocorreu.

"levamos o celular até para a cama. É a última coisa para a qual olhamos quando vamos dormir e a primeira que vemos ao acordar"

Primeiro C: Comunicação
A primeira geração de celulares não foi lançada nos Estados Unidos, mas no Japão, pela NTT, em 1979. O primeiro uso do telefone celular era a comunicação. Isso não se modificou. A forma como se dá essa comunicação é que mudou nesta década, afastando-se da chamada de voz e se aproximando das mensagens de texto SMS. Mas o celular é e continuará sendo, mais que tudo, uma ferramenta de comunicação. O Playstation portátil é um aparelho de games interativo. O iPod é uma ferramenta de consumo de música. A câmera digital é um aparelho de captura de imagens. Todos esses são equipamentos que cabem no bolso e já somam dezenas de milhões ou mesmo centenas de milhões de unidades. Nós os adoramos, mas não os carregamos para todo lugar –literalmente todo lugar.
No entanto, levamos o celular para todo lugar. Três em quatro pessoas usam o despertador dele. Na verdade, é a última coisa para a qual olhamos quando vamos dormir e a primeira que vemos quando acordamos –nós literalmente levamos o celular para a cama conosco–, seja fisicamente, perto do travesseiro, ou no criado-mudo ao lado da cama. Ele também está conosco o dia inteiro, mesmo quando sabemos que não é permitido usá-lo, como no cinema ou no teatro. Mantemos o celular conosco para nos comunicarmos –e para sermos “encontráveis”– um pouco antes e imediatamente depois do filme ou da peça. E queremos que ele (no modo silencioso) registre as tentativas de nossos amigos de ligar para nós e receba mensagens de texto enquanto estamos impedidos de responder. Nós até o levamos para o banheiro e, sim, mandamos mensagens secretas enquanto estamos sentados lá, no trono. Não levamos nosso iPod ou nossa câmera digital para a cama e para o banheiro conosco. O motivo é a necessidade de comunicação. O primeiro C dos celulares.
Segundo C: Consumo
Há 11 anos, em 1998, o telefone celular digital se desenvolveu para ganhar uma nova capacidade: o consumo. Ele se tornou um aparelho de consumo de mídia; além de continuar sendo uma ferramenta de comunicação, passou a ser um equipamento digital multiuso. Isso não era algo novo; podemos usar o microcomputador para comunicação (e-mails, Skype etc.) e também para consumo de mídia (ler jornais e assistir a vídeos no YouTube). Mas o conceito inicial do microcomputador era ser uma ferramenta sem propósito específico, que vinha sem programas; cabia ao dono instalar o sistema operacional apropriado e os aplicativos para transformar aquela “caixa burra” num processador de textos ou em planilhas, por exemplo. O microcomputador iniciou sua vida com a capacidade inerente de se adaptar a múltiplas necessidades. O telefone celular não. Ele começou e passou seus primeiros 19 anos com um propósito único: a comunicação. Essa é uma mudança radical. O celular se tornou a mais nova ferramenta de mídia de massa. Criei a definição “sétima mídia de massa” porque o celular vem da sequência da impressão em papel (primeiro canal de comunicação), das gravações (segundo), do cinema, do rádio, da TV e da internet (sexto) para se tornar o mais novo canal de comunicação.
O primeiro conteúdo de download pago para telefones celulares foram os toques (ring tones). Essa invenção surgiu da Saunalahti (hoje parte da Elisa), na Finlândia, e estava disponível primeiro na rede Radiolinja e inicialmente apenas em cinco modelos da Nokia. Hoje, basicamente todos os telefones celulares de todas as marcas fazem download de toques. Essa indústria cresceu ano a ano nos últimos 11 anos e alcançou US$ 6,2 bilhões em 2008. Observe que isso é cerca de quatro vezes mais que o faturamento total com música no iTunes em todo o mundo, e nem mesmo é o único tipo de conteúdo musical vendido para telefones. O setor de música para celular, no total, vale mais de US$ 11 bilhões atualmente.
Deve-se entender quão significativo é isso. O iPod, da Apple, lançado em 2001, foi considerado uma inovação radical, que permitiria a venda digital de músicas, pela internet, diretamente aos consumidores, por meio da loja iTunes. O valor total das vendas de música do iTunes não chega a US$ 2 bilhões em todo o mundo. A música vendida para telefones celulares, porém, também é digital e somou US$ 11 bilhões em valor total em 2008. Em uma indústria da música cujo valor mundial é de cerca de US$ 26 bilhões, a telefonia móvel responde por 42% das vendas globais.
O mesmo padrão se repete em todos os tipos de conteúdo de mídia: videogames, televisão, notícias, piadas, desenhos animados, revistas, filmes, livros. Tudo isso é vendido para aparelhos móveis, com graus variados de sucesso. O total mundial de conteúdo vendido para telefones celulares equivaleu a US$ 70 bilhões no ano passado. Isso é duas vezes o faturamento total com a bilheteria dos filmes de Hollywood, ou duas vezes o faturamento total com videogames, ou duas vezes todas as vendas de DVDs de filmes e shows de TV. No
entanto, tudo isso começou com o primeiro toque de celular que podia ser baixado, há 11 anos, na Finlândia.

Terceiro C: Conta bancária e crédito
No ano seguinte, 1999, assistimos ao nascimento do pagamento, do comércio e do mobile banking, o banco pelo celular. Essas ferramentas foram lançadas comercialmente pela Smart and Globe nas Filipinas. Hoje, em mercados avançados como os do Japão e da Coreia do Sul, metade dos usuários faz pagamentos pelo telefone. E, até no Quênia, 20% de todas as contas podem ser movimentadas pelo celular.Vamos colocar isso no contexto: 2,2 bilhões de pessoas no planeta possuem uma conta bancária, e cerca de 1,7 bilhão têm cartão de crédito. Mas cada telefone celular de uma rede digital moderna é capaz de fazer pagamento e, na prática, ser uma “conta corrente móvel”. E não se trata apenas de micropagamentos, como o de um refrigerante em uma vending machine. Em países como Filipinas ou África do Sul, é bem comum ter o salário gerenciado só pelo mobile banking.
O setor bancário espanhol já foi tão longe que hoje na Espanha você pode oferecer assinaturas digitais pelo celular no fechamento de contratos. A Estônia está se programando para se tornar o primeiro país do mundo onde, nas eleições nacionais, será permitido o voto por mensagem SMS. Você pode imaginar o tamanho da vantagem que Barack Obama conquistaria no ano passado nos Estados Unidos se o país tivesse permitido o voto por SMS, no ano em que o candidato democrata já se comunicou com eleitores por meio de mensagens no celular e o candidato republicano nem mesmo mandou e-mails durante boa parte da campanha?
A identidade digital de uma pessoa no telefone móvel é considerada tão sólida, portanto, que ela já o usa para votar, para comprovar sua assinatura e para movimentar o salário no banco. Por quanto tempo ainda haverá um mercado viável para os cartões de plástico? A Visa já pergunta aos novos clientes da Coreia do Sul: “Você quer um cartão de plástico com seu crédito ou usar o celular?”. [E os vales-refeições? No Brasil, o Ticket Restaurante, do grupo Accor, já iniciou pagamentos pelo celular.] Dá o que pensar. E quanto mais resta para a velha moeda? Na Estônia, ela já é quase obsoleta. Hoje, se você estaciona seu carro em Tallinn, não pode pagar com moedas ou notas (nem mesmo com cartão de crédito). O sistema aceita somente pagamento por celular e já está em operação. O celular não está canibalizando apenas o cartão de crédito e o dinheiro digital, mas as moedas nacionais. Se cada pessoa economicamente ativa no planeta possui um telefone celular, e nós recebemos nosso salário diretamente no telefone, quanto tempo vai demorar para que decidam que sai caro cunhar moedas?

"a visa já pergunta aos clientes na coreia do sul se eles querem crédito num cartão de plástico ou acionado por meio do celular"

Quarto C: Comerciais
No ano 2000, quando começamos a receber propaganda no celular, foi lançado na Finlândia o primeiro telefone que aceitava mensagens de SMS com um serviço de notícias oferecido pela MTV3, uma TV comercial finlandesa. A publicidade tem crescido lentamente nos celulares e há diferenças gritantes entre os países. Japão, Coreia do Sul e Espanha foram líderes mundiais no desenvolvimento disso e, no final desta década, o Reino Unido se junta a esse grupo.
Os primeiros anúncios por celular eram desajeitados e muitas vezes desagradáveis, copiando conceitos da internet (como spams e banners). Recentemente, um formato mais atraente foi apresentado, baseado nos princípios de Alan Moore, que criou a expressão e escreveu comigo o livro Communities Dominate Brands (ed. futuretext): o marketing de engajamento (engagement marketing ou participation marketing, em inglês). Pressupõe uma cooperação interativa entre consumidor e produtor, de modo que o consumidor se envolva com a evolução de uma marca.
Campanhas bem executadas de marketing de engajamento por telefone celular tendem a uma taxa de resposta entre 25% e 30%, enquanto campanhas interativas tradicionais da internet conseguem taxas de 2% de cliques (e o númerode cliques é um parâmetro inferior ao da taxa de resposta).
Embora o gasto total com propaganda para celular ainda seja modesto, está crescendo rapidamente. Empresas como Admob e Buzz City relatam crescimento significativo em todo o mundo. No ano passado, 1,5 bilhão de pessoas receberam anúncios no celular. Isso é três vezes o tamanho da circulação diária de todos os jornais e o equivalente a todos os aparelhos de TV do mundo, e nem todas as redes de TV têm propaganda. Literalmente, mais pessoas assistiram a anúncios no celular no ano passado do que na TV.
Quinto C: Criação

Em 2001, chegamos à próxima capacidade do celular: a criação. A rede japonesa J-Phone (agora Sofbank) lançou os primeiros celulares com câmera voltados para o grande público e um serviço de mensagem com imagem chamado Sha-mail. Embora a indústria de câmeras digitais tenha se esforçado para depreciar a qualidade modesta das câmeras dos celulares, os consumidores já se apaixonaram por elas. Hoje mais de dois terços de todos os celulares em uso têm câmera e ultrapassaram a marca dos 2 bilhões em 2008.
Atualmente, jovens jornalistas da CNN, por exemplo, possuem um celular 3G de alta qualidade como câmera reserva ou aparelho de comunicação. E o que acontece com os grandes fabricantes de câmeras? Nesta década, dois dos gigantes japoneses, Minolta e Konica, deixaram o setor. Em 2004, a Nokia foi a marca mais vendida do mercado de câmeras.
A possibilidade de levar no bolso uma ferramenta de criação teve impacto significativo sobre a indústria de imagens e cinema. Desde o atentado a bomba no metrô de Londres, em 2005, todas as reportagens urgentes apresentam fotos ou vídeos amadores, em serviços como o i-Report da CNN.

"todas as redes sociais da internet estão no celular e a mais quente do momento, o Twitter, é móvel por natureza"

Sexto C: Comunidade
Sim, as comunidades e redes sociais também estão no celular. Todas as principais redes sociais baseadas na internet, como YouTube e Facebook, possuem uma estratégia mobile, e o lançamento mais quente do mundo tech, o Twitter, é originalmente também móvel, é claro.
Lançada comercialmente na Coreia do Sul, em 2003, a rede social móvel cresceu, em apenas três anos, mais que a antiga rede baseada na internet e hoje já supera sua irmã da web, gerando mais do que o dobro em faturamento em todo o mundo. A rede social no celular é também o setor de mais rápido crescimento da história da humanidade, quebrando a barreira dos bilhões de dólares em apenas dois anos após o lançamento e alcançando US$ 6 bilhões quatroanos depois de surgir no mercado. Minha firma de consultoria (TomiAhonen Consulting) estima que esse setor tenha alcançado US$ 8,9 bilhões em 2008.
Sétimo C: “Cool”
Ser cool é estar na moda, como o iPhone. Preciso dizer mais? O celular passou de ferramenta utilitária de negócios para um acessório de moda. Marcas como Prada, Armani e Dolce & Gabbana lançaram versões premium do aparelho. A Nokia tem sua versão de luxo, uma joia chamada Vertu. A primeira das grandes marcas a se associar a um celular foi a Benetton, com o NTT DoCoMo, no Japão, em 2006.
Oitavo C: Controle
Há nichos de serviços específicos que já usam o celular como aparelho de controle remoto há muitos anos, para tarefas que vão de ligar o aquecedor da sauna (útil em países como a Finlândia, em que os dias frios podem marcar 30 graus abaixo de zero) a colocar para funcionar a chaleira elétrica na Grã-Bretanha. A questão é: você pode controlar praticamente qualquer coisa que tenha interface digital a partir do celular.
Alguns usos são exóticos realmente, mas é agora que essa utilização se dissemina. Em 2007, começaram a ser construídos apartamentos no Japão e na Coreia do Sul em que as fechaduras eram operadas pelo celular. Os sul-coreanos também já vendem robôs domésticos controláveis pelo celular e a Rinspeed, na Suíça, produziu um protótipo de carro controlado pelo iPhone.
Toda essa mudança não tem precedentes. E aconteceu em apenas uma década. Convencido?

FATOS E NÚMEROS
E a telefonia celular é uma gigante de fato. No ano passado, as empresas do setor alcançaram a marca de US$ 1 trilhão em faturamento mundial agregado, montante raro. Para ter uma ideia, o setor de telefonia fixa, a indústria mundial de microcomputadores e a publicidade movimentam, cada um, metade disso. Na prática, a telefonia celular é quase tão grande quanto o setor automobilístico mundial.
O mundo possui hoje mais de 3,5 bilhões de telefones celulares em uso, utilizados por 4,1 bilhões de assinaturas (algumas pessoas têm duas assinaturas para um mesmo aparelho e ficam trocando de rede).
Nova comparação: essa quantidade é três vezes maior que a base instalada total de computadores pessoais em uso no mundo (somando os tipos laptop, desktop e netbook). Há mais que o dobro de celulares que aparelhos de TV no mundo. E quase três vezes mais celulares que telefones fixos em uso no planeta.
A demanda por serviços voltados para a telefonia celular também impressiona. O grupo que contrata o recebimento de notícias no celular é uma vez e meia maior que o de assinantes de jornais. As pessoas que pagam para fazer o download de conteúdos, notícias, aplicativos no celular, ou por serviços móveis premium, são o dobro da base de assinantes de TV paga.
O faturamento gerado só por mensagens de texto SMS equivale à soma do faturamento com e-mails, mensagens instantâneas, redes sociais e chats, conteúdo e publicidade na web. (Mensagens de texto têm 3 bilhões de usuários ativos –o aplicativo mais usado.)

PERSPECTIVA BRASILEIRA
Nosso desafio é a especialização
por Renato Gosling*
Anunciantes e agências de publicidade do Brasil têm um verdadeiro “trauma de infância” com o marketing mobile. E com razão. Imagine quando lhe prometem o reino mágico da “disney world” e, em vez disso, lhe entregam um “parque de diversões de praia” em reforma. Causa e efeito, as filas de espera para as atrações são gigantes e os brinquedos param várias vezes durante seu percurso. É o que vinha acontecendo com o mobile em nosso País.
Empresas fornecedoras de soluções mobile no Brasil que se diziam especialistas na área prometeram “ações mobile” e entregaram algo muito ruim. E, no percurso dessas ações, as surpresas com prazos e custos eram frequentes, o que resultava em um projeto medíocre.
O cenário mudou? Ainda não exatamente. Há agências focadas 100% no mobile, mas são ainda a exceção,
a maioria dos players continua a bater na mesma tecla de querer fazer de tudo, seja SMS, Bluetooth, QR-Code, sites e portais móveis, mobile advertising, mecânicas promocionais, conteúdo embarcado etc. Se essas empresas mantiverem o mesmo posicionamento e atitude, seguirão “patos” a vida inteira. Como se sabe, patos voam, nadam e andam, mas não fazem nenhum desses movimentos direito. E isso pode fazer com que o mercado mobile não decole realmente no Brasil ou custe para fazê-lo, o que geraria defasagem em relação ao restante do mundo.
Há solução para o problema? Sim. A primeira condição é que os players se especializem em uma ou algumas poucas vertentes de mobile, possibilitando que o foco lhes renda expertise para valer. O mercado se dividiria em especialistas em ações de SMS (integradores), especialistas em sites e portais móveis, especialistas em mobile advertising, especialistas em soluções para iPhone etc. O segundo passo cabe aos anunciantes e agências, que precisam superar seus traumas, e os obstáculos existentes, e dar uma segunda –ou terceira– chance ao mobile (não com dinheiro que sobra, mas de modo planejado). É uma aposta no futuro e esse mercado start-up merece.
Claro, o mercado mobile está avançando nestas paragens também. É certo que 2009 se mostrará muito melhor do que 2008 e outros anos para os negócios móveis –melhor e diferente. Mas, ao contrário do que alguns profissionais do meio dizem, dificilmente será “o ano do mobile” no Brasil. Meu conselho ao leitor? Procure o especialista mais próximo, encare o mobile com toda a seriedade que ele merece e vença seu trauma, pois um dia você agradecerá muito por essa superação.

* Renato Gosling é sócio-diretor da FingerTips, fornecedora de soluções para iPhone, fundador do blog colaborativo Mobile Advertising Brasil e updater do Blog da HSM.

HSMManagement 76
• Setembro-outubro 2009
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