sábado, 4 de abril de 2009

DOSSIÊ COMO CRESCER, QUANDO OS MERCADOS NÃO CRESCEM - PARTE1

Por Luisa Monteiro


A revista HSM Management, edição 73 março-abril 2009, traz como uma publicação, que considero "imperdível de se ler", mais um dossiê em quatro partes, onde publicarei semanalmente nas próximas 4 semanas. Não perca! Aqui no Blog Dia-a-Dia, por Luisa, o dossiê como crescer, quando os mercados não crescem.

GLOBALIDADE = OPORTUNIDADE

Estudo boston consulting group apresenta a segunda fase da globalização, em que empresas de países emergentes –como a brasileira Embraer– desafiam as líderes das nações industrializadas. convertido em livro, o estudo identifica cem empresas desafiantes, sendo 12 no Brasil. O que é mais uma ameaça, nesta crise, para as companhias estabelecidas se mostra uma oportunidade para nós

Se os negócios supostamente se acalmam nos dias frios de agosto, essa mensagem não chegou até a Embraer em 2008. A empresa de aeronaves sediada em São José dos Campos, no Brasil –quarta maior fabricante de aviões do mundo–, celebrava a duplicação de sua receita líquida no segundo trimestre para US$ 134 milhões e a entrega de 52 aeronaves, bem mais que as 36 durante o mesmo período de 2007. Numa época em que as empresas aéreas do mundo inteiro estão sofrendo pela dupla pressão dos altos preços do petróleo e de uma economia cambaleante, a Embraer espera entregar, em 2009, 242 aeronaves, ante 204 em 2008 (a projeção inicial chegava a 350, mas houve cortes com a crise, que também implicou a demissão de cerca de 4 mil funcionários).
O sucesso da Embraer em períodos econômicos difíceis oferece um exemplo da maneira pela qual empresas de países emergentes estão reformulando os negócios internacionais, afirmam Harold L. Sirkin, James W. Hemerling e Arindam K. Bhattacharya em um novo livro, Globalidade – A Nova Era da Globalização (ed. Nova Fronteira).
Concorrer em tudo com todos de todo lugar. Os autores, especialistas do Boston Consulting Group, dizem que a globalização entrou numa nova fase. O velho modelo da globalização girava em torno de multinacionais da Europa, Estados Unidos e Japão, que se expandiam para os países em desenvolvimento, atraídas principalmente pela matéria-prima e mão-de-obra baratas.
Na nova fase –que os autores chamam de “globalidade”–, as empresas de economias em rápida expansão, como Brasil, Índia, China e Rússia, estão saindo para desafiar as atuais gigantes multinacionais, em geral nos próprios mercados destas. É um “tipo diferente de ambiente, no qual o negócio flui em todas as direções. As empresas não têm centros. A noção de estrangeiro já soa como algo estranho”, escrevem os autores.
Vejamos o caso Embraer. No final da década de 1980, a empresa, que o governo brasileiro fundou em 1969, quase foi à falência. Ela enfrentava forte concorrência e a demanda por suas aeronaves era baixa. Embora o governo investisse dinheiro, o próprio Brasil estava em más condições econômicas –tornando improváveis futuras ajudas. Em 1994, a Embraer foi privatizada, com investidores aportando US$ 161 milhões. Maurício Botelho assumiu o cargo de CEO e fez o foco da Embraer na fabricação de jatos de pequeno porte –para menos de 120 passageiros– ser mais conhecido e valorizado pelos clientes, voltando-se para estes. Nesse segmento, a procura era bem maior do que a oferta, e a Embraer decolou. E inovou no design com a “dupla bolha”: mais espaço aos passageiros com menor consumo de combustível.
A Embraer também converteu jatos regionais maiores em modelos executivos mais sofisticados –os Phenoms e Lineages–, cujas vendas eram menos vulneráveis às oscilações de preço dos combustíveis. A adoção dessa estratégia lhe permitiu voar à frente de suas rivais. Hoje ela é uma gigante com US$ 6,4 bilhões de faturamento anual e cerca de 19 mil funcionários, uma séria concorrente de empresas como a canadense Bombardier.
“Challenger 100”
Sirkin e seus colegas chamam empresas como a Embraer de “desafiantes” (“challengers”) e identificam cem delas. Entre elas, 44 estão sediadas na China, 21 na Índia, 12 no Brasil, 7 na Rússia e 6 no México. O faturamento total das cem empresas desafiantes foi de US$ 1,2 trilhão em 2006. Isso pode parecer uma soma relativamente pequena –afinal, o faturamento combinado do Wal-Mart, ExxonMobil e General Motors foi de US$ 900 bilhões em 2006–, mas está rapidamente se tornando maior ano após ano. O faturamento das desafiantes cresceu 30% ao ano entre 2004 e 2006, ou três vezes o ritmo das empresas do índice S&P 500 e da Fortune 500. As empresas desafiantes também são altamente lucrativas. Seus lucros operacionais foram de 17% em 2006, em comparação a 14% das empresas do S&P 500.
As desafiantes competirão com as empresas
líderes dos países industrializados por todos
os recursos, das mais limitadas matérias-primas
aos gestores e fornecedores
–além dos clientes

Como se lê em Globalidade: “Elas são de crescimento rápido, famintas e têm acesso a todos os mercados e recursos do mundo”, escrevem os autores. “Elas estão aparecendo em todo lugar –nos mercados umas das outras no mundo inteiro, em mercados que são menos desenvolvidos do que seus próprios e, cada vez mais, nos mercados desenvolvidos do Japão, Europa Ocidental e Estados Unidos.”
A tese central do livro é que, na era da globalidade, essas desafiantes competirão com todas as outras empresas por tudo. “E por tudo queremos dizer exatamente isso –todos os recursos do mundo.
Todos vão tentar abocanhar as mesmas coisas que todos os outros querem, principalmente as mais preciosas e limitadas: matérias-primas, capital, conhecimento, capacitação e, mais importante, pessoas –líderes, gestores, parceiros, colaboradores, fornecedores e, logicamente, clientes.”
Sem dúvida, as partes mais fascinantes do livro tratam de histórias que os autores coletaram sobre essas empresas famintas –muitas baseadas em conversas com seus fundadores. Por exemplo, os autores escrevem sobre o Tata Group, da Índia, que historicamente era bem conhecido dentro do país, mas pouco pelos estrangeiros. Ele estourou no cenário mundial quando sua subsidiária de aço, a Tata Steel, comprou a anglo-holandesa Corus Steel por US$ 13,1 bilhões em 2007.
Foi na época a maior aquisição internacional por uma empresa indiana. Desde então, Ratan Tata, presidente do conglomerado, que estudou em Cornell, nos Estados Unidos, levou o Tata Group a lançar o Nano –carro que custa US$ 2,5 mil– e também a adquirir as marcas Jaguar e Land Rover de uma combalida Ford Motor. “Hoje o Tata Group tem capitalização de mercado acima de US$ 50 bilhões, e mais de 50% de seus US$ 50 bilhões em vendas anuais vêm de fora da Índia.”
Outro exemplo da Índia é o da Aravind Eye Care, o maior provedor de cirurgia de catarata do mundo. Fundada em 1976 pelo Dr. Venkataswamy –popularmente conhecido como Dr. V–, a empresa realiza 250 mil cirurgias e trata de 1,5 milhão de pacientes ambulatoriais por ano. De acordo com os autores, a Aravind Eye Care trata 60% de seus pacientes de graça e ainda assim tem lucro. A razão de poder fazer isso é que o Dr. V “transformou o modelo de cirurgia de catarata para atender às condições de mercado das economias em rápido desenvolvimento”, dizem os autores. “O dispendioso equipamento médico está programado para uso 24 horas por dia para diminuir o custo por procedimento cirúrgico. Os médicos e a equipe são extraordinariamente eficientes e produtivos, realizando mais de 4 mil cirurgias de catarata por ano, em comparação a uma média de 400 realizadas por outros cirurgiões na Índia.” Sirkin e seus colegas ressaltam que “as engenhosas adaptações de processos de negócio do Dr. V, aliadas a sua engenharia reversa de materiais, posicionaram sua empresa para fornecer cirurgias de catarata por um quinto do que os pacientes normalmente pagam nos EUA”.
Ainda outra fascinante desafiante é a Goodbaby, que se tornou a maior fabricante e vendedora de carrinhos de bebê da China. Fundada por Song Zhenghuan, um ex-professor, a empresa faz cerca de 700 produtos inovadores por ano –ou um cada 12 horas. Ela já registrou mais de 2,3 mil patentes desde 1990. Suas inovações incluem carrinhos de bebê que podem ser convertidos em assentos para carro. “De 1996 a 2006, o grupo deteve uma participação de 80% no mercado chinês e manteve o primeiro lugar nos Estados Unidos por cinco anos seguidos, de 2001 a 2006.”
Laços que unem
O que une empresas como Embraer, Aravind Eye Care e Goodbaby? De acordo com Sirkin e seus colegas, é um cabo com três fios. O primeiro são as origens de seus países. Brasil, China e Índia historicamente não foram –e ainda não são– países fáceis de fazer negócios.
Uma empresa que queira sobreviver, e mais ainda prosperar, nesses mercados precisa superar uma série constante de obstáculos. Um dos maiores é ter de lidar com milhões de clientes exigentes, a maioria dos quais não tem muito dinheiro. Vir de um clima de negócios como esse leva essas empresas a desenvolver um tipo de robustez.
Fica relativamente mais fácil fazer negócios quando entram em mercados bem desenvolvidos e mais amistosos para os negócios.
O segundo fator que impulsiona o crescimento das desafiantes é o acesso planetário. “Ao contrário das desafiantes de ondas anteriores, as empresas das economias em rápido desenvolvimento tiveram um acesso incrível à abundância de recursos que o mundo tem a oferecer –conhecimento, propriedade intelectual, serviços, talento, capital e muito mais– além dos mercados dos quais podiam comprar e nos quais podiam vender.”
O recurso mais crítico, de acordo com os autores, é o conhecimento. Os fundadores e diretores seniores de várias dessas empresas estudaram nos EUA. Além da educação formal, as desafiantes puderam aproveitar outras fontes de capital intelectual ao trabalhar diretamente com laboratórios de pesquisa, cientistas e órgãos de patentes com e sem fins lucrativos, escrevem os autores. “Elas puderam contratar fornecedores que possuíam conhecimento especializado, licenciá-lo de vários tipos de proprietários ou adquirir empresas com importantes ativos intelectuais.”
O terceiro fator que impulsiona as desafiantes é a “fome insaciável” por “realização, sucesso e reconhecimento mundial”, de acordo com Sirkin e seus colegas.
“Essa fome permeou a cultura, e as pessoas nas economias em rápido desenvolvimento adquiriram notável cultura de negócios –intenso espírito empresarial e uma quase obsessão pelo trabalho e assuntos comerciais–, que parece mais intensa do que a do país mais voltado para negócios dentre os países desenvolvidos, os Estados Unidos.” Os autores descrevem funcionários de escritórios em Xangai que são tão estimulados pelo desejo de aumentar seus rendimentos que trabalham depois do expediente como vendedores de rua. “Uma mulher, funcionária de uma agência de viagens, vende pirulitos à noite após o jantar e ganha em média 500 iuanes (cerca de US$ 65) por semana.”
Embora os autores citem um exemplo da China, esse estado de espírito será instantaneamente reconhecível por qualquer um que o tenha encontrado em qualquer das economias emergentes.
Se tudo isso for verdade, quais são as implicações da “globalidade” para empresas do mundo inteiro, especialmente as atuais gigantes da Europa Ocidental, Japão e EUA? Elas deveriam simplesmente esperar até as desafiantes chegarem para papar seu almoço? De jeito nenhum, dizem Sirkin e seus colegas, que observam que a globalidade é tanto uma oportunidade como uma ameaça. Para os que negam a existência do fenômeno –apesar das manchetes diárias ao contrário–, pode ser uma ameaça. Para outros, porém, representa uma oportunidade de provocar uma transformação no mundo. Os autores recomendam várias ações para as empresas que querem se transformar para concorrer no ambiente atual: avaliar sua posição competitiva; mudar seu estado de espírito; avaliar e alinhar seu pessoal; reconhecer seu conjunto completo de oportunidades; definir seu formato global futuro; encorajar a engenhosidade; e estar à frente de sua transformação.
Um conselho fundamental que os autores oferecem às empresas das economias estabelecidas: reconhecer a marcha incessante das desafiantes globais, não ignorá-la, e responder a ela. “A globalidade afetará a todos, em todo lugar, em tudo”, dizem eles. “E isso significa você. Um dia pode ser sua empresa que o Tata Group vai querer adquirir, seu filho telefonando de Xangai, seu trabalho mudando para a Cidade do México, e seu Changfeng (um carro chinês) zero-quilômetro brilhando na garagem. É só uma questão de tempo.” [E o Brasil pode se beneficiar.]

© Knowledge@Wharton

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