sábado, 23 de maio de 2009

O PARADOXO E A AMBIGUIDADE

Por Luisa Monteiro

O paradigma tradicional das escolas de administração de empresas, com seu foco intenso em modelos analíticos e em reducionismo, não é adequado para ajudar os gestores a lidar com a ambiguidadee as inúmeras mudanças que são características de muitos setores hoje. Os educadores da área de negócios sempre enfrentaram o dilema entre rigor acadêmico e relevância prática, não obstante a observação astuta de Kurt Lewin, de que nada é mais prático de que uma boa teoria.


Paul Schoemaker, especialista em inovação da Wharton School, apresenta uma nova e radical proposta de ensino para as escolas de administração: o foco nos desafios das empresas, para que estas voltem a legitimar-se na sociedade

O paradigma tradicional das escolas de administração de empresas, com seu foco intenso em modelos analíticos e em reducionismo, não é adequado para ajudar os gestores a lidar com a ambiguidade e as inúmeras mudanças que são características de muitos setores hoje. Os educadores da área de negócios sempre enfrentaram o dilema entre rigor acadêmico e relevância prática, não obstante a observação astuta de Kurt Lewin, de que nada é mais prático de que uma boa teoria.
O dilema se origina de duas noções aparentemente conflitantes: de um lado, as universidades precisam se manter fiéis à tradição do academicismo e aos princípios da pesquisa científica; de outro, seja o que for que as universidades ensinem e explorem, tem de ser relevante à prática que define uma profissão. Diferentemente de advocacia, medicina, engenharia ou arquitetura, a administração de empresas ainda tem de desenvolver uma identidade profissional única ou mesmo um padrão para a certificação profissional –o que os programas de MBA não oferecem. A necessidade de equilibrar as demandas concorrentes do rigor e da relevância foi analisada em um artigo instigante, publicado na Harvard Business Review de 2005 e assinado por Bennis e O’Toole, bem como no livro MBA? Não, Obrigado, de Henry Mintzberg (ed. Bookman).
Ambos os trabalhos são altamente críticos a respeito do foco dominante dos MBAs sobre as habilidades analíticas e cognitivas, o tratamento estilizado dado aos problemas reais das empresas, o carreirismo autocentrado e a consciência limitada de que a administração é tanto a arte da prática como ciência.
Outras perspectivas provocadoras sobre as mudanças nas escolas de administração foram dadas no Journal of Management Studies de dezembro de 2004. Pfeffer e Fong destacam que seus programas de MBA tornaram-se grandes empresas norteadas por uma orientação comercial do ensino, na ausência de um ethos profissional unificante. Starkey e seus colegas, por sua vez, postulam que as escolas de administração foram à falência moral ao forçar seu crescimento por meio de programas de educação a distância e educação executiva, ao mesmo tempo que fomentaram valores que contribuíram para alimentar a ganância e os escândalos empresariais dos anos 1990 (como o emblemático caso Enron). A crítica mais recente vem de Rakesh Khurana, da Harvard Business School. Em seu livro From Higher Aims to Hired Hands analisa mais de cem anos de educação na área de negócios. Ele argumenta que as escolas de administração de empresas se desviaram de sua meta de educar líderes empresariais de visão e de moral, para produzir tecnocratas carreiristas míopes.
Alguns argumentarão que o crescimento explosivo dos programas de MBA nas últimas décadas é forte evidência de que o modelo vigente está funcionando. Também se pode dizer que muitos empreendedores e executivos têm certificados de MBA (como o presidente George W. Bush). Quanto de crédito os cursos de MBA merecem pelo fato de os Estados Unidos serem um ímã de talentos do mundo todo é difícil precisar. Já havia bastante inovação nos Estados Unidos antes da ascensão dos MBAs e muitos dos empreendedores de hoje obtiveram outros títulos que não o de MBA ou até mesmo largaram a faculdade. Por outro lado, os críticos do MBA podem, ainda, apontar para a que da dos Estados Unidos no campo da pesquisa e do ensino em gestão como uma evidência de que o modelo das faculdades de administração está ultrapassado.
A história do ensino da administração revela um equilíbrio tênue entre negócios e sociedade. Em 1959, a Carnegie Foundation e a Ford Foundation criticaram as escolas de administração por carecerem de rigor e mérito acadêmico. Tais fundações, então, ofereceram apoio à reinvenção do ensino da administração e, então, as escolas passaram a promover acadêmicos que tivessem profundas raízes científicas. Ao longo do tempo, contudo, esses professores levaram a pesquisa de administração por caminhos que não eram compreensíveis ou relevantes aos estudantes e aos gestores. Conforme o campo se inclinava às abordagens analíticas, inspirado na física, bem como na estatística e na ciência da computação, aumentava sua respeitabilidade acadêmica, mas a relevância prática ficava em segundo plano. Altamente influenciados pelas ciências econômicas, os acadêmicos de administração preocupavam-se com soluções para questões do equilíbrio e teoremas de otimização, aspectos nos quais a elegância analítica poderia verdadeiramente brilhar.
Em 1980, essa abordagem reducionista foi muito criticada em um artigo da Harvard Business Review, de autoria de Hayes e Abernathy, como sendo subjacente ao declínio econômico dos Estados Unidos, relativamente à Alemanha Ocidental e ao Japão. A culpada, segundo os autores, seria a superutilização das técnicas analíticas que teriam nos desviado do foco: do desenvolvimento tecnológico de longo prazo e da estratégia para a administração de carteiras, os controles financeiros, a gestão operacional e a otimização de curto prazo. Outros concordaram com eles, criticando a falta de atenção sobre a natureza dinâmica dos negócios e sobre o papel seminal do empreendedorismo. Apesar de os Estados Unidos terem reconquistado muito de sua força econômica, o mundo dos negócios se tornou ainda mais dinâmico, incerto e multicultural. Considerados os tumultos geopolíticos, as inovações tecnológicas e a globalização, bem como as preocupações com as mudanças climáticas e cismas ideológicos, o conceito de equilíbrio parece um artefato bizarro originado em uma época mais simples.
Assim, a mudança que começou nos anos 1960, aliada às características da economia do conhecimento, nos compele a repensar nossa abordagem à pesquisa e ao ensino de administração, bem como a natureza da universidade e o papel de suas escolas.
Uma nova era está surgindo, na qual as universidades não têm mais o monopólio sobre o alto conhecimento: o Google se declara como organizador do conhecimento do mundo, universidades corporativas florescem, empresas de consultoria se tornam centros de conhecimento por conta própria e a internet permite o aprendizado a distância. Paraque as escolas de administração permaneçam importantes, elas devem claramente articular suas vantagens comparativas à luz dos desafios de mudança que as empresas enfrentam e provavelmente enfrentarão no futuro.


IMPERATIVOS PARA UM NOVO MODELO DE EMPRESA
  • Ver o planejamento como aprendizado e reinvenção, em vez de como predição ou controle.
  • Avaliar os problemas complexos pelas lentes multidisciplinares.
  • Reconhecer a importância da intuição e do julgamento moderado, compreendendo sua natureza de senso comum, frequentemente não-confiável.
  • A perfeiçoar a arte do diálogo construtivo com líderes diversos, talvez representantes de ideologias e sistemas de valores conflitantes.
  • Cultivar o lado humano da liderança, principalmente em novos empreendimentos.
  • Reconhecer a natureza não-intuitiva dos sistemas complexos, especialmente quando não-lineares.
  • Aprender a administrar a incerteza em vez de tentar predizê-la, controlá-la ou subjugá-la.
  • Equilibrar adequadamente modelos descritivos e normativos, para chegar a soluções práticas.
  • Mudar de uma visão centrada na empresa para uma visão de rede e de perspectivas ecológicas.
  • Praticar a autorrenovação, pessoalmente, em equipe e na organização.
  • Introduzir a ética e a moral no treinamento dos futuros líderes.
DESAFIOS DAS EMPRESAS
Acredito que a cultura do MBA inculque o pensamento racional reducionista, que é útil aos negócios em tempos de estabilidade, mas não quando a descontinuidade é permanentemente iminente e o empreendedorismo se faz necessário.
Empresas consolidadas dominaram o jogo vigente em seu setor. Entretanto, seus instintos lapidados, seu senso comum duramente criado, suas habilidades profundamente embutidas e seus valores tornam difícil a elas lidar com as novas e incertas realidades de mercado. Elas tendem a ver o mercado de maneira autolimitadora, enquanto os verdadeiros inovadores focam as lacunas existentes entre os mercados. Em nenhum lugar esses desafios são mais evidentes do que na arena das tecnologias emergentes, na qual a incerteza e a complexidade chegam a extremos. Podemos entender a área da tecnologia como um microcosmo indicativo das condições que todos os negócios enfrentarão.
Quando há ambiguidade profunda, o sucesso comercial depende do desenvolvimento de capacidades, ferramentas e perspectivas diferentes daquelas oferecidas no modelo de negócio tradicional para os setores de atividades mais estáveis.
Para ilustrar isso, examinei os cinco desafios mais significativos que os gestores de grandes empresas enfrentam. Esses desafios mostram que a gestão da incerteza e do paradoxo, em vez da análise bem es truturada de riscos e trocas, deve ocupar um lugar central.
1º desafio: o alto comprometimento é necessário, mas você também deve manter suas opções de investimento em aberto. Por um lado, há fortes argumentos no sentido de que as empresas que investem em setores inovadores devem criar um conjunto de opções nas quais o comprometimento de recursos adicionais esteja sujeito ao alcance de metas definidas e à solução de incertezas-chave. Esses investimentos são encarados como opções que dão aos investidores o direito, mas não a obrigação, de fazer novos investimentos. E eles só o farão se o projeto continuar lhes parecendo promissor. Por outro lado, há muitas evidências de que os vencedores, no longo prazo, são aqueles que primeiro e acertadamente se comprometeram com um caminho tecnológico. Andy Groove, da Intel, postula que, para perseguir um simples objetivo estratégico, é exigida toda a energia da organização. Diz, ainda, que diminuir o risco explorando uma série de opções é caro e reduz o comprometimento com a causa. Evidentemente, precisamos de um guia teórico a respeito de quando apostar pesadamente e quando parar de investir.
2º desafio: os vencedores, com frequência, são os pioneiros, mas a maioria dos pioneiros fracassa. Outro paradoxo. As grandes recompensas vêm do pioneirismo –desde que você sobreviva, pois ele é inerentemente arriscado. Mas não há necessidade de assumirmos riscos tolos. Pense nas empresas ponto.com que desapareceram. Algumas falharam porque foram rápidas demais em um mercado não desenvolvido, com um produto não desenvolvido efetivamente. A essência da estratégia é equilibrar comprometimento e flexibilidade. É preciso tornar a organização suficientemente flexível, para que os investimentos necessários a aproveitar oportunidades ou mudar o curso das ações sejam relativamente baixos. Com a incerteza reduzida e havendo consenso na organização sobre um caminho de inovação que use as capacidades internas da empresa (como na aposta da Intel de que os microcomputadores, em vez de as televisões, seriam o aparelho doméstico mais desejado), torna-se possível o desenvolvimento interno em grande escala. Ir adiante passo a passo é a melhor maneira de seguir o tortuoso caminho do sucesso. As empresas que apostam em tecnologias emergentes precisam saber como navegar entre as promessas e os perigos do pioneirismo.
3º desafio: você precisa alavancar competências, mas a independência dentro da organização é crucial. As mesmas características que tornaram as grandes companhias bem-sucedidas lhes criam armadilhas diante de novas oportunidades e inovações. Para evitar agonizar, as empresas costumam estabelecer uma incubadora, que pode crescer e se desenvolver sem a carga da empresa- mãe. As duas organizações têm, em geral, diferentes culturas e estruturas. O problema é que, quanto mais separadas estão, menos a incubadora consegue aproveitar as forças da empresa-mãe.
Nos anos 1980, a IBM estabeleceu uma unidade de negócios separada para desenvolver um microcomputador
verdadeiramente novo. Entretanto, essa unidade não conseguiu absorver as formidáveis competências tecnológicas da IBM. Como resultado, o computador IBM se tornou um produto de linha de montagem, sem qualquer tecnologia protegida, o que logo transformou a máquina em commodity no mercado. O desafio é duro como o de ser pai de adolescentes: é preciso dar liberdade a eles para que façam experiências e errem, mas também é necessário mantê-los vivos e, de algum modo, como membros da família. Idealmente, as empresas devem desenvolver novas formas de organização que sejam, na verdade, “ambidestras”, ou seja, independentes e integradas ao mesmo tempo.
4º desafio: a concorrência é intensa, mas vencer requer colaboração. A concorrência em tecnologias emergentes pode ser brutal. Em mercados nos quais o vencedor leva tudo e em que as empresas apostam todo o seu futuro, o fracasso não é uma alternativa. Ao mesmo tempo, nenhuma companhia é uma ilha. A tendência é que a empresa de tecnologia abra-se na inovação, refletindo uma abordagem em rede. Administrar alianças e parcerias (com pesquisadores, fornecedores e clientes, por exemplo) é uma das atividades fundamentais para o sucesso de desenvolver e comercializar tecnologias emergentes. Com frequência, empresas que colaboram entre si em uma área são concorrentes em outra. É o caso das parcerias da IBM com a Microsoft e a Intel, e da Sony com a Philips. Assim, um desafio importante na gestão de tecnologias emergentes é conciliar as complexas redes de relações com a correta mescla de cooperação e concorrência.
5º desafio: manter o foco é essencial para o sucesso, mas os gestores devem explorar a periferia. Em dois anos, a Mattel perdeu 20% de sua participação no mercado de bonecas para pequenos concorrentes, como a MGA. Isso se deu, principalmente, porque a Mattel fracassou em manter a boneca Barbie em sintonia com as mudanças sutis das pré-adolescentes, que, hoje, amadurecem mais cedo doque antes. A linha Bratz, da MGA, vai ao encontro dos desejos dessas garotas, mas a mudança fez com que a Mattel tivesse de se concentrar numa faixa mais estreita de idade –antes, dos 3 aos 11 anos; agora, dos 3 aos 5 anos–, ou seja, uma perda de mercado. O desafio, portanto, é interpretar os sinais de fraqueza quando eles ainda são periféricos. Muitas oportunidades podem ser aproveitadas ao explorar a periferia antes que os concorrentes o façam, mas o preço é o desvio dos recursos para longe do foco da empresa. Se chegar muito cedo à festa, não encontrará os convidados ainda; se for muito tarde, a festa já terá acabado. Enquanto a visão da periferia é mais importante do que nunca, há fortes indícios de que muitas organizações não estão preparadas para isso. Uma pesquisa com 140 estrategistas mostrou que dois terços deles admitiam que suas empresas foram surpreendidas por até três acontecimentos de alto impacto na concorrência nos cinco anos anteriores. Além disso, 97% dos respondentes disseram que careciam de um sistema que os alertasse, antecipadamente, sobre tais ocorrências. Uma pesquisa com mais de cem gestores do mundo levantou que a necessidade crescente de visão da periferia continua a superar as capacidades das organizações, levando a uma significativa “lacuna de vigilância”. Mais de 80% dos pesquisados viam sua necessidade futura de visão da periferia como sendo maior que sua capacidade vigente. Cada um dos desafios citados ilustra a necessidade de uma abordagem na qual os gestores aprendam como viver com o paradoxo, bem como com os dilemas, que nunca podem ser totalmente solucionados. O reducionismo excessivo ou a especialização funcional provavelmente não oferecerão soluções satisfatórias. É fundamental pensar holisticamente, equilibrar análise e intuição, lidar com a ambiguidade e praticar a flexibilidade estratégica, assim como desenvolver outras habilidades, elencadas no quadro acima (IMPERATIVOS PARA UM NOVO MODELO DE EMPRESA).

Manter o foco é essencial para o sucesso, mas os
gestores devem saber explorar a periferia, a fim de
ver os sinais de fraqueza de um mercado a tempo

DESAFIOS DAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS

Desafios do ensino
  • Melhorar o equilíbrio entre pesquisa e prática, quanto aos professores e às disciplinas.
  • Adotar uma abordagem de ensino centrada nos reais desafios do mundo.
  • Estimular equipes multidisciplinares de ensino que acompanhem todos os alunos.
  • Convidar palestrantes do mercado e do governo para acrescentar riqueza e contexto ao ensino.
  • Tornar os alunos cocriadores de conteúdo educacional e da experiência de aprendizado.
  • Fomentar o trabalho de equipes de estudantes em casos reais, reconhecendo a liderança e a criatividade.

Desafios de pesquisa

  • Lidar com os grandes problemas com comprometimento de longo prazo.
  • Estimular mais trabalhos em equipes multidisciplinares.
  • Fazer parcerias com líderes de pensamento no mercado, no governo e nas consultorias.
  • Estimular e financiar pesquisas de campo.
  • Avaliar os livros de divulgação e desafiar os especialistas –definir a agenda.
  • Participar de diálogos-chave sobre os negócios, nos âmbitos do segmento, do país e do mundo.

Desafios institucionais

  • Organizar-se em torno de disciplinas da prática, em vez de somente em disciplinas acadêmicas.
  • Repensar os custos e benefícios da carreira acadêmica vigente; criar outros caminhos respeitáveis.
  • Pensar no ensino em termos de seu impacto mais amplo, além de uma especialidade apenas.
  • Ver a faculdade de administração não como um lugar, mas como um conjunto complexo de relações com grupos de interesse.
  • Recompensar o afastamento “sabático” da academia, para a dedicação aos negócios ou ao governo.
  • Criar profundas e longas relações com estudantes, professores e mantenedores.
  • Encorajar as alianças que se estendem além do mundo acadêmico, preservando seus valores centrais.
DESAFIOS DAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO
Os desafios das empresas levam aos desafios do ensino, de pesquisa e institucionais.
Desafios do ensino
A atual função dominante dos professores permanecerá fator limitante quando o assunto exigir intuição e leitura das entrelinhas. Poucos acadêmicos já fundaram ou geriram uma empresa, atuaram em conselhos administrativos ou conduziram serviços de consultoria significativos, que vão além de palestras e estudos de caso. Assim, eles podem não chegar ao cerne das questões com as quais os gestores deparam. Em muitas escolas de administração de primeira linha, há grande confiança em professores adjuntos e palestrantes convidados, para o embaraço de muitos acadêmicos que não são convidados para lecionar em programas executivos. Parte do problema é histórica. As faculdades focaram o treinamento dos alunos para atuar em grandes empresas, consultorias de elite e instituições financeiras. Essa orientação reflete um tempo no qual as pequenas empresas queriam aprender com as grandes e tornar-se grandes também. Não obstante, cada vez mais as grandes empresas querem copiar as pequenas na geração de riqueza, dinamismo e empreendedorismo. Estamos presos a um paradigma de ensino e pesquisa que muda vagarosamente, devido às diversas barreiras institucionais e culturais. No fundo, muitos alunos de MBA desejam ter seu negócio e gerir a própria empresa, em vez de trabalhar para uma grande organização. Assim, a academia pode estar desconectada em relação ao que o mercado quer. Alguns dirão que as faculdades de administração reagiram adequadamente às mudanças de mercado. De fato, muitas delas introduziram disciplinas de estratégia, comércio exterior, ética e empreendedorismo. Além disso, novas ofertas de cursos, se não departamentos inteiros, floresceram em torno de setores como o de entretenimento, saúde e esportes, entre outros. Muitas faculdades de agora oferecem cursos intradisciplinares como uma experiência final na certificação do MBA. Críticos de minha visão apontarão o sucesso contínuo do MBA nos Estados Unidos e também no exterior. Essas adaptações são, contudo, insuficientes e os concorrentes que entram no setor roubarão participação de mercado. As universidades corporativas, as iniciativas de ensino das consultorias e o sucesso de instituições independentes, bem como as palestras dos especialistas, estão constantemente conquistando espaço.
O caminho das escolas é mesclar melhor a teoria e a prática, formar mais alianças estratégicas com concorrentes e estruturar cursos em torno dos desafios das empresas, em vez de ao redor das disciplinas acadêmicas. Além disso, as faculdades devem estruturar um ambiente de ensino que espelhe melhor o mundo dos executivos, tornando- -os cocriadores das próprias experiências acadêmicas, por exemplo.
Devemos recompensar comportamentosque fomentem o trabalho em equipe e a liderança. Devemos, ainda, refletir melhor o contexto multicultural dos negócios.
Desafios de pesquisa
Em um nível mais profundo, as faculdades de administração podem necessitar reexaminar o paradigma dominante de pesquisa. As pesquisas fragmentadas e de foco estreito, produzidas por um único estudioso ou por pequenas equipes especializadas, dentro do modelo tradicional, podem não contribuir para a gestão dos negócios. A razão para isso é que os problemas mais desafiadores do ambiente empresarial são plurais e superam em muito as análises tradicionais, além de estarem imersos em questões éticas e de valores e de tenderem a ser muito sistêmicos para comportar soluções rápidas ou parciais.

O caminho das escolas é mesclar melhor a teoria e a
prática, formar alianças com concorrentes e estruturar
os cursos em torno dos desafios das empresas


Com frequência, a pesquisa acadêmica é conduzida para obter títulos, em vez de fazer diferença para a prática, mas os problemas reais da gestão podem requerer uma abordagem de maior escala. O novo modelo de pesquisa pode exigir estudos de campo que levem anos, nos quais os professores trabalhem em profundidade com as empresas, guiados por uma estrutura comum e um conjunto de hipóteses. Isso tem sido feito, com sucesso, por meio dos centros de pesquisa. Um bom exemplo é o Center for Research in Security Prices, da University of Chicago, que iniciou com uma verba de US$ 300 mil, concedida pelo Merrill Lynch, Pierce, Fenner & Smith, em 1959, sob a liderança do professor James Lorie. Essa iniciativa inovadora no campo da pesquisa gerou inúmeras teses de doutorado e se tornou uma escola de pensamento altamente visível e influente. Entretanto, tal esforço de equipe não era exatamente multidisciplinar, pois explorava principalmente economia, finanças, estatística e computação. Um exemplo mais recente de pesquisa multidisciplinar impactante no longo prazo é o trabalho de Michael Porter sobre a vantagem competitiva das nações.
Empresas de consultoria renomadas, como a McKinsey, a BCG ou a Bain, tentam trabalhar nesse ambiente, mas, não raro, carecem da profundidade necessária para produzir resultados que realmente façam diferença. O mesmo se dá com empresas de treinamento e universidades corporativas. Essas iniciativas limitadas de pesquisa atraem profissionais da academia e muito valor já migrou da universidade para as empresas de consultoria ou de treinamento. Muitas vezes a especulação superficial e os livros dos especialistas ocupam um espaço que deveria pertencer aos acadêmicos, especialmente porque vários dos conselhos dos “gurus” não resistem ao teste do tempo. O desafio é encontrar novos meios pelos quais as faculdades de administração possam resolver os problemas que os gestores enfrentam, que, muitas vezes, não se encaixam no modelo de pesquisa. O quadro Um mapa para a pesquisa multidisciplinar centrada em problemas, ilustra como os centros de pesquisa podem produzir trabalhos relevantes, de alcance de longo prazo e interdisciplinares, que tenham impacto sobre a teoria e a prática. Embora as faculdades de administração estejam lentamente se direcionando para isso, o percentual de artigos acadêmicos produzidos por equipes multidisciplinares ainda é modesto.
Desafios institucionais
Os desafios do ensino e de pesquisa estão imersos em um contexto de muitos obstáculos. Um deles é o paradigma do MBA, que aprisiona as faculdades de administração, mas será difícil mudá-lo, uma vez que o produto MBA é bem-sucedido no mercado. Por ora, a luta é por participação de mercado e financiamento, não ainda por inovação. O segundo obstáculo é a insegurança dos professores. É praticamente um suicídio para o professor iniciante trabalhar em uma área focada em problemas práticos, sem o respaldo de uma comunidade de acadêmicos seniores, que podem escrever recomendações em todos os processos ligados à obtenção de títulos. Com frequência, os jovens profissionais, que são os mais abertos às mudanças, ficam receosos de se aventurar por novos campos, porque é difícil conseguir a aprovação da velha guarda. Enquanto a conquista de títulos ajuda a criar uma lealdade em relação à instituição, também constitui um obstáculo à inovação, uma vez que os processos de seleção muitas vezes atraem pessoas que são avessas ao risco e que não têm boas opções fora do meio acadêmico. Curiosamente, algumas faculdades, como o IMD de Lausanne, abandonaram esse sistema. Como serão os modelos de êxito daqui a algumas décadas é uma incógnita. Talvez as faculdades de admini st ração não sejam mais definidas por localização e ativos físicos, mas sim em termos de redes, propriedade intelectual e relações com stakeholders. Os acadêmicos talvez não trabalhem mais em período integral em nenhuma instituição. A relação entre os alunos e os professores poderá se estender para a vida toda, em termos de ensino, apoio financeiro e até mesmo governança institucional. A escola de sucesso no futuro pode ter de construir profundas alianças com instituições educacionais concorrentes, bem como com empresas e outros grupos de interesse. Uma vez que os negócios continuarão se globalizando, não será suficiente ter muitos alunos ou professores estrangeiros no campus principal, nem manter unidades em diversos continentes. A faculdade vencedora terá de se tornar um microcosmo do mundo dos negócios a que serve, inclusive realizando a guinada na direção de uma abordagem de rede ao ensino e à pesquisa. Apesar de não haver respostas simples, nós precisamos ter em mente que a inércia organizacional pode impedir que as faculdades de administração se adaptem adequadamente às mudanças externas. Elas podem aprender muito com as experiências nas áreas da física e das biociências, nas quais pesquisas de grande escala e multidisciplinares são conduzidas com regularidade. Perseguir objetivos desafiadores cria uma dinâmica organizacional que frequentemente conduz à inovação e também pode estimular a pesquisa em administração, que hoje é incremental e derivada. Estudar grandes problemas pode levar a insights e princípios que mudem a própria natureza do ensino dos negócios e da pesquisa. Hoje, grande parte da inovação nas faculdades tem a ver com programas de ensino, como os MBAs e os programas de educação executiva. Contudo, mais inovação é necessária na pesquisa e na instituição, de modo a superar os problemas ligados à especialização funcional. Os centros e institutos de pesquisa oferecem bons mecanismos para tanto, desde que não se tornem tão dependentes de mantenedores. As alianças estratégicas fora da academia constituem outra via promissora.

AMBIGUIDADE ACOLHIDA
A capacidade de lidar com ambiguidades, e periodicamente as reconceituar, talvez seja o que há de mais importante para os gestores desenvolverem. É a complexidade do jogo e sua estrutura distorcida de recompensas que fazem com que tantos queiram aprender a jogá-lo bem. Com base em nosso estudo de tecnologias emergentes e inovação, acreditamos que muitos setores requererão abordagens que, coletivamente, levem a novas práticas de negócios. Embora seja prematuro definir o novo paradigma das escolas de negócios com precisão, ele provavelmente incluirá os itens listados no quadro DESAFIOS DAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS. Talvez precisemos de um afastamento mais forte entre a pesquisa e o ensino, a fim de que o ensino possa permanecer mais próximo do mundo real, não importando os rumos que tome a ciência.
Insumos da prática da administração são necessários para que não joguemos o bebê fora com a água do banho –o que ocorre frequentemente, por exemplo, na teoria dos jogos ou nos modelos reducionistas. Outro desafio ideológico fundamental ao novo paradigma é restaurar a imagem das empresas. Prevaricação, conflitos de interesses em Wall Street e na economia real, unilateralismo norte-americano, polarização da riqueza, descaso com o meio ambiente, cismas ideológicos entre as religiões e assustadoras tecnologias de biociência fomentaram uma atmosfera de ceticismo em relação à ciência e ao capitalismo. Em parte, esses problemas são oriundos do velho paradigma, que favorece os lucros máximos de curto prazo. Temos de encontrar um equilíbrio melhor entre concorrência e colaboração, seja no mercado, seja no governo, para resolver esses enormes problemas. A legitimidade moral das empresas é cada vez mais atacada. Portanto, os líderes acadêmicos, assim como os executivos, devem construir um ambiente mais forte, no qual as empresas, conduzidas em sociedades democráticas abertas e estáveis, sejam uma força voltada ao bem do mundo. Se as escolas de administração puderem contribuir nessa busca, sua viabilidade estará assegurada.
Um mapa para a pesquisa multidisciplinar centrada em problemas
Identificar um assunto crítico para as empresas, a exemplo de “como gerir tecnologias emergentes”; fazer a relação dele com teorias e modelos de diversas disciplinas; e formular hipóteses que podem guiar o esforço de pesquisa como um todo. É isso que um grupo de estudiosos necessitará articular em modelos teóricos, com embasamento apropriado em disciplinas acadêmicas relevantes. Por exemplo, uma premissa central do livro Wharton on Managing Emerging Technologies, de Paul Schoemaker, é que gerir inovações tecnológicas constitui “um jogo diferente”. Embora seja fácil falar sobre um jogo diferente, é muito mais desafiador trazer à tona, de fato, uma mudança em um paradigma científico, isto é, um novo e abrangente quadro teórico que seja aceito por várias comunidades. Entretanto, essa é precisamente a vantagem comparativa das escolas de administração, e pode-se começar com um esforço pequeno. Por exemplo, a hipótese do jogo diferente poderia ser testada comparando-se sucessos e fracassos nas inovações de vários setores, empresas, períodos de tempo e culturas. Ao selecionar contextos apropriados de pesquisa nos quais operar e realizar as hipóteses –por exemplo, sobre as tecnologias emergentes–, identificam-se quais setores de atividade servem para testá-las –que setores são melhores para testar se diferentes tipos de tecnologias implicam desafios gerenciais fundamentalmente diferentes. Um referencial teórico pode ser necessário para distinguir diferentes tipos de tecnologias para além de suas bases científicas (como biotecnologia versus telecomunicações), focando redes, integração vertical e alianças, em vez de focar aquilo que aparta as ciências, como a propriedade intelectual. Dessa maneira, um subconjunto equilibrado de setores pode ser selecionado e estudado. Algumas dessas dimensões gerenciais podem refletir aspectos inerentes à tecnologia, mas é mais provável que elas reflitam aspectos de escala, infraestrutura, contexto regulatório e dinâmica de mercado. Essa taxonomia precisará ser mapeada mais adiante.
Grupos de pesquisa compostos de estudiosos tanto iniciantes como experientes precisam selar um compromisso de longo prazo com o programa de pesquisa, que idealmente envolverá diversas escolas de vários países (considerando que as variáveis culturais e institucionais sejam relevantes) –aqui se depara com o caráter restritivo da carreira acadêmica, o que faz com que outros incentivos sejam necessários para estimular os novos talentos a escolher essa trajetória profissional. Além disso, uma vez que grandes equipes de pesquisadores são requeridas, é preciso haver entendimentos prévios claros a
respeito de direitos autorais, de modo a motivar os pesquisadores sem prejudicar os objetivos de publicações seminais (em artigos ou livros) que, espera-se, se tornarão comuns nesse campo.
Empresas consideradas adequadas como foco de pesquisa devem participar desde do planejamento da pesquisa até de sua execução, bem como do financiamento de longo prazo (à parte das agências de fomento). O Center for Research in Security Prices, da University of Chicago, é um ótimo exemplo dessa abordagem, que produz retornos altos tanto para a academia como para os patrocinadores. Uma vez que as pesquisas são direcionadas a um setor específico e permanecem no longo prazo, uma relação mais simbiótica com os patrocinadores precisa ser construída, abrangendo apoio financeiro significativamente mais alto que o costumeiro nos centros de pesquisa de hoje (pense em US$ 10 milhões). Os
patrocinadores devem poder beneficiar-se diretamente das pesquisas, por meio de influência sobre agenda, participação direta e acesso antecipado e facilitado aos resultados, a professores e alunos, bem como aos outros financiadores.
Uma estrutura organizacional adequada a esse esforço de pesquisa ambicioso precisa ser encontrada, incluindo um diretor acadêmico em (praticamente) tempo integral, um diretor administrativo para ajudar a gerir as relações com os patrocinadores e uma equipe de projetos. A unidade de pesquisa deve poder indicar alunos de pós-doutorado e professores visitantes, além de participar da orientação aos doutorandos e aos alunos de MBA.
Conselhos consultivos, formados por representantes de empresas, do governo e do meio acadêmico, serão também necessários para tratar das diretrizes gerais da pesquisa, dos conflitos de interesses, do modelo de governança. Estratégias e ações de divulgação da pesquisa devem ser criadas, de modo a colaborar com a comunicação com diversas entidades, imprensa e formadores de opinião. Tanto o espectro amplo como a longa duração desse programa de pesquisa requererão publicações ocasionais e vitórias periódicas, para manter o moral alto, os participantes comprometidos e o financiamento forte. Conferências poderão ser realizadas, os apoiadores reconhecidos e as primeiras conclusões compartilhadas –ligadas a debates sobre políticas públicas talvez–, a fim de manter a pesquisa relevante e baseada no mundo real.

© California Management Review 2008: The Regents of the University of California Paul Schoemaker é diretor de pesquisas do Mack Center for Technological Innovation, instituto de inovação da Wharton School, onde também é professor de marketing. É fundador e presidente do conselho de administração da Decision Strategies International e da Strategic Radar. Ele estará no Brasil em setembro de 2009 para o Fórum Mundial de Negociação da HSM.

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