terça-feira, 3 de novembro de 2009

AGORA É O DESAFIO LOCAL-GLOBAL

Por Luisa Monteiro


Antes os desafios eram locais. depois, tornaram-se globais. então, veio a ideia de pensar globalmente e atuar localmente. agora, na era pós-industrial em que ingress amos, é tudo ao mesmo tempo e com a mesma ênfase. trata-se de UM a ação orquestrada que depende particularmente das empresas e que visa reinventar o planeta, como afirma Peter Senge em entrevista exclusiva a HSM Management.

A entrevista é de Jorge Carvalho, coordenador do portal HSM Online.

A próxima revolução é inevitável, do tipo fazer ou fazer. Trata- -se de um conjunto de transformações profundas nas esferas política, econômica, social e cultural do planeta por conta da mudança climática, e já está em andamento para os bons observadores.
Pelo menos, esse é o entendimento do especialista em gestão Peter Senge, que se notabilizou por inovações gerenciais como a learning organization (organização que aprende) e o pensamento sistêmico. Em vez de localizada, a revolução terá de ser mundial. E, em vez de liderada por revolucionários individuais, organizações estruturadas com fins lucrativos a comandarão.
Nesta entrevista exclusiva a HSM Management, concedida a Jorge Carvalho, coordenador do portal HSM Online, Senge discorre sobre a urgência de implementar uma “economia regenerativa”, que represente a pá de cal definitiva sobre a era industrial com que todos nos acostumamos. Deve funcionar “como a natureza, sem desperdício”.
A seguir, Senge explica a resistência das empresas a ela, apresenta esboços reais de um novo modelo de negócio “regenerativo”, comete inconfidências sobre os dilemas do estudo de inovação em gestão do grupo de Gary Hamel (que ele integra) e ainda aborda um de seus assuntos preferidos: o desafio de revolucionar a educação.
O sr. fala em sustentabilidade desde seu livro A Quinta Disciplina, lançado em 1990, há quase 20 anos. Em sua opinião, aqueles princípios são atuais?
Não mudou o princípio essencial, de que a sustentabilidade é obrigatória, porque não se pode crescer com essas questões ambientais pendentes. O que mudou foi o mundo dos negócios, que demorou muito até começar a acordar para o assunto e para o contexto maior em que se inserem os sistemas organizacionais, mas agora acordou.
Por que o despertador das empresas demorou tanto para tocar, em sua opinião?
Nós não enxergamos o sistema mais amplo, apenas fazemos nossas “coisas” e ignoramos o que acontece fora da empresa. Concentramo-nos no curto prazo e não vemos as consequências do que fazemos. Precisamos ter uma perspectiva de espaço, já que o que acontece lá fora é crucial para a forma como operamos. E precisamos principalmente ter uma perspectiva de tempo, no sentido de criar uma conexão emocional com o futuro, não apenas com o próximo mês. As pessoas pensam que o futuro é sempre daqui a 12 ou 20 anos e se descolam dele. Na essência, todo o problema da sustentabilidade reside no fato de que não pensamos no futuro.
É o sistema financeiro que fornece esses antolhos de curto prazo?
O sistema financeiro é um grande fator de reforço da visão de curto prazo, sim, porque ele vive nas nuvens e só olha números. Esse é um problema que vem de muito tempo, piorou nos últimos anos e agora chegou ao extremo.
A economia real se baseia em pessoas produzindo coisas, oferecendo serviços e gerando valor real, e o sistema financeiro não pode seguir crescendo sem levar em conta a economia real. Na verdade, em uma sociedade saudável, o sistema financeiro está lá para servir a economia real. E esta se fundamenta no sistema
de vida, ou seja, na sociedade e na natureza. O mercado financeiro e a economia real sempre estiveram separados e, a partir de determinado momento, o mercado financeiro passou a comandar o show e gerou um mundo ilusório.
A dissociação entre a economia real e a natureza ocorreu com a era industrial, quando as pessoas passaram a viver nas cidades, sem mais ligação com a terra e a natureza, mas o sistema financeiro a agravou.
É preciso que voltemos a ser rurais?
Não, nem há mais volta. Porém precisamos ter noção da dimensão do desafio e encontrar um modo de vencê-lo.
Se você observa a história do ser humano, há muitos exemplos de sociedades que viveram de forma sustentável por longos períodos, até milhares de anos, e que não durariam tanto se não tivessem conseguido harmonia com o mundo mais amplo da natureza em que viviam. Encontramos experiências e valores diversos nelas, mas há pelo menos uma coisa comum a todas: seu viver era sempre local. Na América do Norte, algumas tribos formavam confederações que se estendiam por milhares de quilômetros. Elas eram todas inter-relacionadas pelo comércio e algumas confederações tinham até Constituição. Contudo, os exemplos de sustentabilidade são sempre locais.
Então, uma maneira de definir a especificidade única de nossa situação atual é que ser sustentável localmente
deixou de ser possível: a espécie humana se tornou global. E está claro que ainda não sabemos como sobreviver nesse nicho global. As mudanças climáticas são um exemplo do fato de o ser humano, pela primeira vez na história, ter de enfrentar um processo do tamanho do planeta.
Qual é a solução? Algum país está mais propenso a encontrá-la?
Um único país não resolve nada, mas eu diria que o Japão pode ser uma inspiração. Muitas coisas na forma como os japoneses vivem são, provavelmente, bons indicadores. Eles vivem em uma ilha do tamanho da Califórnia há muito tempo e com apenas 10% do território habitável, o que significa que centenas de milhões de pessoas têm de viver em um pedaço de terra muito pequeno. Por isso, tiveram de aprender como viver ali. Eles são um bom exemplo de uso eficiente de energia –em relação ao PIB do país, gastam cerca de um terço do que se contabiliza nos Estados Unidos ou na China. E, de alguma forma, já têm um papel de liderança. O Japão foi o anfitrião do Protocolo de Kyoto. O fato, contudo, é que, para fazer frente a um desafio “local-global” como esse, todos os países têm de trabalhar juntos. Caso contrário, os problemas não serão solucionados. Se os Estados Unidos, a Europa, o Japão alcançarem melhoras radicais no uso eficiente da energia, reduzindo muito o desperdício e acelerando a transição para fontes energéticas alternativas às fósseis, mas a China ou a Índia não fizerem o mesmo, não fará diferença alguma.
Pode-se dizer que esse “aprender a trabalhar juntos”, muito difícil, é a solução. As questões precisam ser tratadas tanto local como mundialmente.
Isso é algo completamente novo na história da humanidade, não?
Exato. Nunca tivemos de lidar com um desafio local-global.
Parece-me que temos muitas associações a restaurar: dentro e fora da empresa, presente e futuro, economia financeira e real e, agora, local e global. O desafio de reassociar corpo e alma, que o sr. destacou várias vezes em seus estudos, remetendo a gestores particularmente, também entra nessa lista como prioridade? E todas essas reassociações cabem aos gestores?
Acho que combinar corpo e alma sempre foi prioritário, na empresa inclusive. No fundo, todo o trabalho de minha vida tem ido nesse sentido de encorajar as pessoas a construir um tipo de organização de negócios em que realmente queiram trabalhar, que lhes ofereça oportunidades de crescimento, que lhes permita construir relações pessoais de qualidade, em que cada um possa fazer algo com que realmente se preocupe. Tem a ver com reunir corpo e alma, sim, e continua sendo importante insistir nesse aspecto.
A diferença agora é que precisamos ir além, incentivando também o aprendizado do que eu chamo de “macro-habilidades”, para que as organizações coletivamente redefinam a sociedade contemporânea. As empresas são as instituições mais poderosas da atualidade e devem agir de acordo com isso. Talvez uns 5% da população mundial entenda que não temos outra opção –esse número ainda parece baixo, mas está em crescimento gradual. No Brasil, se você conversa com alguém como Fábio Barbosa, do Banco Santander/ Real, vai ouvir dele: “Não há alternativa; as coisas vão mudar, e em breve”.
É isso. As coisas precisam começar a mudar, e já, porque vivemos uma combinação dessa pressão interna [das pessoas e empresas] com pressão externa [do meio ambiente majoritariamente].
O sr. está envolvido, com Gary Hamel, na busca da reinvenção do management e da própria empresa. Pode nos contar um pouco desse trabalho?
Trata-se, na verdade, de uma iniciativa de Gary Hamel que reúne cerca de 25 pessoas de diversas especialidades envolvidas em diferentes trabalhos que podem ser caracterizados como uma tentativa de reinventar a gestão. Muitas delas, em minha opinião, aindasão bastante conservadoras, pois não enxergam as forças externas. Sabem que elas estão lá, mas ainda trabalham como se não estivessem.
Como assim?
A distinção é simples: você pode trabalhar para que as organizações sejam mais eficientes, e ponto final, ou para ajudar o mundo a mudar por meio de organizações mais eficientes, liderando, assim, a mudança do mundo. Quase todos no grupo de Hamel atuam com o primeiro objetivo.
Eu diria que isso se deve a uma espécie de conflito cultural ali. A maioria das pessoas é norte-americana. Alguns são indo-americanos –mas C.K. Prahalad, por exemplo, viveu a maior parte de sua vida nos Estados Unidos e tem uma visão de desenvolvimento ocidental. E há o canadense Henry Mintzberg, que teve experiências em todo o mundo e está de fato imerso na realidade global; os canadenses estão cada vez mais diferentes dos norte-americanos.
Mintzberg foi um que ficou frustrado no primeiro encontro do grupo, em maio passado. Ele dizia: as empresas são grande parte do problema; não se trata só de torná-las mais eficientes, elas precisam mudar, ou o mundo não terá futuro. Concordo com Mintzberg. E acho que o grupo está meio dividido.
Essas discussões são abertas ao público?
Não, são bem fechadas, nem gravações há. Vamos ver o que acontecerá. Algumas ideias todos nós compartilhamos, como inovar mais ou colocar pessoas de diferentes níveis hierárquicos para trabalhar juntas. A grande diferença é quão urgentemente as pessoas perseguem as mudanças externas.
Para mim, ainda assim, é maravilhoso ver as pessoas acordar. Pense que esse é apenas o começo do começo. Ou a mudança que vem por aí será imensa, ou viveremos uma catástrofe, não há meio-termo.
Sim. O livro explica que nós precisamos de uma “economia regenerativa”, que funcione como a natureza, sem desperdício. Idealmente seria um sistema em que tudo o que se produzisse e se usasse fosse continuamente reutilizado. Não se criaria nenhum produto, com um propósito qualquer, sem pensar em seu nascimento, morte e renascimento. É a filosofia indiana sobre o retorno à vida: tudo renasce. Assim, desapareceria um dos paradigmas atuais, o de pensarmos no uso das coisas uma única vez. Além disso, na lógica dessa nova economia, toda a energia emanaria do sol, como na natureza.
Existem empresas que estão tentando adotar esse modelo?
Sim. Entre no site da Nike e você encontrará uma visão articulada para o desperdício zero em dez anos. É uma enorme estratégia. Eles adotam um sistema de classificação dos novos produtos com base no consumo de água em toda a cadeia de valor, no consumo de energia, na geração de lixo e resíduos tóxicos, e cada produto recebe uma medalha (ouro, prata, nenhuma). Criaram uma competição dentro da empresa, o que faz sentido, porque é uma empresa de esportes, certo? E todos querem ganhar a medalha de ouro.Para isso, os colaboradores da Nike tentam criar um calçado esportivo que seja totalmente reciclável. No caso de tênis, em que tudo é colado, o problema é mais sério, tanto no que diz respeito à segurança dos trabalhadores, por causa das toxinas da cola, como no que se refere ao planeta, porque essas toxinas vão parar na água. Mas já criaram na Nike um calçado esportivo que não leva cola, o que é um grande avanço. Há muitos exemplos que vão nesse caminho, como o da parceria entre a Unilever e a Oxfam International [ver Caso Real, mais abaixo].
No Brasil, o sr. vê alguma inovação desse tipo?
Fico muito impressionado com o que o Banco Real tem feito. Precisamos ver se isso terá continuidade depois da fusão definitiva com o Santander, mas, de qualquer maneira, a prática de emprestar dinheiro de modo diferenciado para organizações que atendam a alguns padrões de sustentabilidade é realmente digna de nota.
Os bancos podem ter enorme influência na formatação da economia pós-industrial. Se seu critério para liberar recursos estiver atrelado à boa gestão da energia, da água, do lixo e dos resíduos tóxicos, isso tende a mudar muita coisa. E não se trata apenas de filantropia da parte dos bancos; há os riscos envolvidos em muitas das práticas de negócios.
A consciência dos riscos da mudança climática no universo dos negócios ainda é pequena, mas vem aumentando, o que se deve em grande parte à Swiss Re, maior empresa de resseguros do mundo, mestre em avaliar riscos das seguradoras, portanto. Ela definiu que, mediante tamanha instabilidade climática, em algumas partes do planeta o seguro contra eventos como inundações já deixou de ser viável – por exemplo, no sul da Flórida, nos Estados Unidos. Os prêmios são tão altos para segurar casas localizadas na costa que a maioria das pessoas não pode se dar ao luxo de pagar.
Diversos setores de atividade estão adotando diferentes caminhos, porém é possível distinguir uma direção comum, volto a dizer: a da economia que funcione com base nos princípios da natureza.
Gostaria de trocar a pressão externa pela interna novamente [risos]: o sr. acha que a organização que aprende se tornou realidade finalmente?
Não. O conceito “organização que aprende” ainda é um ideal; nenhum de nós espera que se torne dominante, ao menos nas duas ou três próximas gerações. Temos um sistema de gestão que prevalece há centenas de anos, baseado em hierarquia e autoridade. Isso não vai mudar rapidamente.
O que temos de fazer é focar os inovadores radicais e como eles começam a criar culturas de aprendizado dentro das grandes empresas ou, cada vez mais, em novas companhias.
O Google é organização que aprende?
Em grande parte, sim. Eles são um bom exemplo de empresa orientada para o trabalho em rede. Mas gostaria de acrescentar que, para a organização que aprende ser realidade, temos de pensar no longo prazo, em 50 ou 100 anos. A mudança vai levar muitas gerações para acontecer. Por isso, o sistema de ensino é crucial. E tem de mudar.

Mas como? As escolas não evoluem...
A escola é uma instituição bastante conservadora por natureza o que é irônico, porque ninguém está mais aberto para tentar novas coisas do que as crianças. As escolas têm potencial para ser incrivelmente inovadoras!
O que vemos em todo o mundo são as escolas fracassando. As crianças provavelmente estão aprendendo mais jogando videogame que indo à escola. É urgente começar a criar um espaço para a inovação ali –e não um modelo. Modelo fixo, único, é o que já existe da era industrial, e está superado. As crianças são diferentes, deve haver vários tipos de escolas. Esse é o desafio.

Saiba mais sobre Senge
Peter Senge, ensaísta e professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), é uma das vozes mais respeitadas do mundo empresarial. Fundou e preside a Sociedade para o Ensino Organizacional (SoL, na sigla em inglês) e é autor ou coautor de vários livros, entre os quais se destacam A Quinta Disciplina (ed. Best Seller) e Presença (ed. Cultrix).
Seu mais recente livro, lançado em 2008, é A Revolução Decisiva (ed. Campus/Elsevier), com coautoria de Bryan Smith, Nina Kruschwitz, Joe Laur e Sara Schley.
A obra convida indivíduos e organizações a encontrar respostas inovadoras para o maior desafio de nossa época: criar, em conjunto, um mundo sustentável para a atual geração e para as futuras, na vida pessoal e nas organizações. E o papel das empresas nessa transição para uma era pós-industrial será fundamental, como alerta Senge.

Caso Real: a parceria que quer mudar a agricultura
Conta Peter Senge: “A Unilever fechou um acordo com a Oxfam International [grupo de organizações não governamentais]. As duas, muito diferentes, agora vão trabalhar no longo prazo para provar a viabilidade do que chamam de ‘modelo de pequeno produtor’ na agricultura. O sistema agrícola tal como existe é um desastre ecologicamente falando. É destruidor. Metade do solo cultivável do mundo foi destruído na era industrial por práticas de cultivo burras, por se tratar a agricultura como uma grande máquina.
É possível ter, na agricultura, cadeias de fornecimento mundiais que não tirem o agricultor de sua terra e mantenham a integridade das comunidades agrícolas, uma vez que, para preservar o ecossistema associado à agricultura, é preciso preservar a comunidade de produtores rurais. É bem claro que os dois são inseparáveis. O social e o ambiental têm de estar conectados”.

HSMManagement 76
• Setembro-outubro 2009

Um comentário:

Unknown disse...

O "Princípio do Pensamento Sistêmico -Pensar globalmente e agir localmente -", está citada em Por que GESITI? - ANO 2004 ou 2006, que pode ser encontrado nesses links:

2006:
OU AQUI

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