Em entrevista exclusiva, Thomas Malone, especialista em liderança e inteligência coletiva do MIT , garante que, em um mundo complexo e ambíguo, são a diversificação da tomada de decisões e os líderes distributivos que emergem como fontes de vantagem competitiva.
Com mais de 16 milhões de participantes no mundo, jogos on-line como World of Warcraft, Star Wars Galaxies e Second Life constituem fértil campo de estudo das interações sociais. Grupos formados por indivíduos de diferentes idades, nacionalidades e perfis sociais se encontram em mundos virtuais para lutar contra monstros, explorar territórios e vencer inimigos. Não fosse pela fantasia e pela extravagância da paisagem, os jogos on-line têm muitos pontos em comum com os negócios: os jogadores –assim como os colaboradores– trabalham em conjunto e coordenam seus esforços para superar com sucesso desafios cada vez mais complexos. Por isso, não é estranho que pesquisadores acadêmicos tenham colocado o foco nas atividades lúdicas do ciberespaço. “A liderança nos jogos on-line é muito parecida com a liderança no mundo real”, afirma o especialista Thomas Malone. Por isso, entre outras coisas, constituem uma boa ferramenta de treinamento para desenvolver as capacidades dos líderes de negócio.
Na entrevista a seguir, Malone descreve as vantagens da “liderança distribuída”, modelo baseado nos estudos que realizou durante vários anos com colegas do MIT, e as principais conclusões de suas pesquisas sobre liderança em jogos on-line.
A colaboração horizontal, a inteligência coletiva e o poder das comunidades são conceitos que têm importância crescente no mundo dos negócios. É possível dizer que existem menos líderes e mais coordenação entre pares?
Diria que há menos líderes centralizadores e que está surgindo outro tipo de liderança. Em vez de pensar na administração em termos de “ordenar e controlar”, temos de ver isso em função de “cultivar e coordenar”.
Não são visões opostas. Cultivar e coordenar são conceitos que dizem respeito a amplo espectro de possibilidades de gestão, desde o controle vertical centralizado até a descentralização e tomada de decisões, em todos os níveis. Os líderes capazes de cultivar e coordenar se sobressaem pela habilidade de identificar o tipo de situação que enfrentam e aplicar o estilo de liderança que se mostre mais efetivo nesse contexto.
Que líder tem a capacidade de gestão que o sr. descreve?
A primeira pessoa que vem a minha mente é Meg Whitman, a presidente-executiva anterior do eBay, empresa grande e complexa. Às vezes, Whitman exercia controle centralizado de seus subordinados, mas, em geral, coordenava a “comunidade eBay”. Na verdade, ela foi apelidada de “prefeita Meg”, porque parecia a prefeita de uma cidade que satisfaz as demandas de seus eleitores. Seu trabalho consistia em resolver as necessidades –e, de certa forma, cumprir os desejos– dos membros da comunidade eBay, mais do que dizer-lhes o que fazer. Vamos lembrar que os vendedores do eBay não são funcionários, mas donos de lojas independentes com alto grau de liberdade nas decisões sobre o que vender, como divulgar etc. Combinam a liberdade que qualquer dono de uma loja independente tem com a escala de um grande varejista, já que o eBay vende a mercados regionais, nacionais e mundiais. A estrutura é muito distinta da do Wal-Mart, por exemplo, que tem uma hierarquia gerencial forte, com muitos funcionários encarregados das vendas. No eBay, boa parte das funções de serviço ao consumidor, entrega de pedidos e gerenciamento do estoque, entre outras, não estão a cargo dos funcionários, mas dos donos de lojas que pagam ao eBay pelo direito de participar de sua comunidade.
É um bom exemplo de uma empresa que participa de um setor tradicional, o comércio varejista, mas que se organiza de maneira descentralizada.
O exemplo do eBay indicaria uma tendência em direção a organizações mais planas e menos hierárquicas?
Acho que estamos nas primeiras etapas de um aumento da “liberdade humana” nos negócios, que em longo prazo será uma mudança importante para as companhias. Essa liberdade significa que é possível, pela primeira vez na história, combinar os benefícios econômicos das grandes organizações, como a economia de escala, com os benefícios humanos das empresas menores, como a motivação, a criatividade e a flexibilidade.
E essa combinação é factível graças às tecnologias que reduzem os custos de comunicação a níveis que permitem que muitas pessoas tenham informação suficiente para tomar decisões, em vez de seguir ordens de um superior hierárquico que presumivelmente sabe mais do que elas. Quando as pessoas tomam as próprias decisões, costumam estar mais motivadas, ser mais criativas, flexíveis e inovadoras.
decisões em vez de seguir ordens”
A redução de custos de comunicação acontecerá em quase todo o mundo e em quase todos os setores, mas em velocidades diferentes. O ponto-chave é identificar onde os benefícios da tomada de decisão descentralizada podem ser aproveitados ou, o que é equivalente, em que lugares é mais importante contar com trabalhadores muito motivados, criativos e flexíveis. A resposta não é óbvia. Claro que é desejável ter funcionários motivados, criativos e flexíveis em qualquer setor, mas em alguns é particularmente importante, como nos de alta tecnologia, nos impulsionados pela inovação, nos de serviços e nos de conhecimento, cujo principal meio de produção é o trabalho humano, com pouca dependência das máquinas. Acho que, nesses setores, a descentralização na tomada de decisões vai acontecer antes do que nas indústrias.
que ocorre, visualizar o futuro, relacionar-se bem e inventar.
Identificamos quatro novas capacidades: achar sentido no que acontece, visualizar o futuro, relacionar-se bem e inventar. A primeira é sinônimo de entender o que acontece em uma situação ambígua. Os líderes que têm essa capacidade reconhecem rapidamente as complexidades da situação que a empresa atravessa e podem explicá-las em termos simples.
Por outro lado, visualizar o futuro é chave para tirar partido das oportunidades que surgem em um novo contexto. A capacidade de se relacionar, por sua vez, equivale a estabelecer e manter vínculos sólidos com outras pessoas, dentro e fora da organização. Mas, ao tentar gerar confiança, otimismo e consenso, muitos executivos só desencadeiam cinismo, conflitos e irritação por falta de habilidade para se relacionar. Aliás, essa é uma capacidade que os líderes tradicionais rejeitavam, porque consideravam desnecessário consultar a opinião de pessoas alheias a seu círculo íntimo e davam ordens em vez de se conectar emocionalmente. Por último, inventar é colocar em prática as ideias visionárias de maneira criativa. É similar à execução, mas a palavra “invenção” enfatiza o fato de que se trata de um processo que costuma exigir uma cota de criatividade para que se encontrem novas maneiras de se organizar e trabalhar em equipe.
No modelo tradicional de liderança hierárquica, os diretores e gestores seniores exerciam as quatro capacidades, enquanto o resto –a maioria das pessoas– se limitava a obedecer a ordens de seus superiores. Entretanto, cada vez será mais importante que todos exerçam essas quatro capacidades de liderança distribuída.
Como o sr. recomendaria desenvolver essas quatro capacidades?
No fundo, trata-se de acumular experiências da vida real, mas é possível fazer algumas coisas para que o processo seja mais eficiente, o mais rápido possível.
Com meus colegas do MIT Deborah Ancona, Wanda Orlikowski e Peter Senge, criamos uma série de exercícios para workshops de liderança distribuída. Alguns são exercícios individuais, outros são para pequenos grupos.
A ideia é ajudar os participantes a tomar consciência de suas capacidades, ou seja, que possam pensar nelas. Por exemplo, uma maneira de treinar a capacidade de visualização do futuro é imaginar, em distintos âmbitos da vida profissional e pessoal, algo que nos entusiasma e inspira. Claro que, como nem todo mundo compartilhará nossa paixão, temos de nos preparar para explicar às pessoas o que poderão conseguir graças a essa visualização.
Entre suas pesquisas recentes está o estudo da liderança em ambientes de jogos on-line. Como surgiu essa iniciativa?
Os jogos on-line constituem um meio de comunicação completamente automatizado e virtual, e neles é possível vislumbrar um futuro provável da liderança. Cabe esclarecer que não analisamos videogames dos quais participam usuários individuais, e sim os que reúnem milhares de pessoas no mundo on-line.
Os jogadores interagem nos “mundos virtuais” vistos nas telas de seus computadores, e cada um tem um “avatar”, um personagem que o representa. À medida que seu avatar percorre o espaço, o jogador vê na tela árvores, edifícios e os avatares que representam outros jogadores, ou seja, percebe o mundo virtual do ponto de vista de seu avatar.
Os jogos que mais estudamos são aqueles em que uma equipe de participantes trabalha junta, com o objetivo de executar uma série de projetos. Colocamos nosso foco no tipo de liderança exercido por quem conduz essas equipes.
E a que conclusões chegaram?
Em primeiro lugar, descobrimos que a liderança em jogos on-line é muito parecida com a do mundo real.
Ao estudar o que faziam os líderes no ambiente virtual, comprovamos que também colocavam em prática as capacidades de encontrar sentido no que acontecia, formular uma visão de futuro, relacionar-se e inventar, com a particularidade de que a ênfase em cada uma delas, ou a importância relativa de cada uma, mudava segundo o jogo. Em muitos casos, por exemplo, a estrutura do jogo sugere ou estabelece os objetivos das equipes, de modo que, nesse ambiente, a visualização tem um papel menor. Ao contrário, em jogos como o Second Life não há objetivos intrínsecos e, assim, a capacidade de imaginar o futuro é mais exigida, porque é importante pensar no que fazer.
Então, a primeira descoberta foi que havia muitos pontos em comum entre a liderança nos jogos on-line e no mundo real. Consequentemente, chegamos a duas conclusões. A primeira é que os jogos on-line constituem um bom campo de treinamento para desenvolver as capacidades de liderança efetivas no mundo dos negócios.
A segunda conclusão é que a estrutura dos jogos on-line facilita a liderança: são planejados com grande transparência e fazem com que seja fácil trocar feedback e usar “dinheiro virtual”. Como o feedback permite conhecer claramente em que cada pessoa colaborou para alcançar a meta do grupo (por exemplo, quantos “inimigos” aniquilou), aos líderes acaba sendo sensato premiar com dinheiro virtual os membros de seus grupos por suas contribuições.
Até que ponto se pode transferir a estrutura dos jogos on-line para o mundo dos negócios?
À medida que aumentar o uso dos meios de comunicação eletrônica no mundo dos negócios e que se dispuser de acesso a informações detalhadas, será mais fácil gerar ambientes que facilitem a liderança.
As tecnologias básicas de base de dados e interface de usuário já estão disponíveis, de modo que só faltaria desenvolver aplicações específicas. Claro que é preciso colocar a informação ao alcance de muita gente, em vez de restringi-la à equipe dirigente. Dizendo de outra forma, todos deveriam poder ver qual é o nível de desempenho dos demais e o seu próprio e receber uma recompensa proporcional.
O sr. já disse que algumas pessoas que nunca seriam chamadas para participar de programas de desenvolvimento de liderança na verdade eram excelentes líderes em jogos on-line. Está tudo errado?
Um fator impede as pessoas de identificar os indivíduos de alto potencial: os estereótipos sobre a aparência dos bons líderes. Muitos imaginam que são ativos e altos, bons de conversa e com personalidade brilhante. É verdade que esses atributos costumam caracterizar os bons líderes nas interações cara a cara, mas na pesquisa descobrimos que também há pessoas com habilidades de liderança que não se encaixam nesses estereótipos. Por exemplo, alguns indivíduos contidos em reuniões cara a cara, que julgamos tímidos e pouco aptos ao trato com os demais, são muito expressivos e interativos no ambiente on-line e, nesse contexto, exercem as capacidades de liderança com perfeição.
É preciso levar em conta, portanto, que, nos jogos on-line, os líderes trocam de papéis: em uma etapa dirigem os demais e em outra se transformam em seguidores.
Nos jogos, a liderança não é uma identidade, mas uma tarefa –um estado no qual o participante entra e do qual sai, antes de ser um traço pessoal que o defina.
Não se fomenta a expectativa de que o papel de líder dure para sempre. Ao contrário, é comum que quem desempenha esse papel, ao final de algum tempo, dê um passo para trás e escolha alguém que considera mais bem qualificado para resolver a etapa seguinte do jogo.
Mas a ideia de liderança temporária parece distante anos-luz do mundo dos negócios, não?
É isso mesmo. As empresas costumam identificar os indivíduos em cargos de liderança em etapas iniciais de suas carreiras profissionais e eles vão liderando. Mas esse modelo pode deixar de dar bons resultados, porque a crescente complexidade do ambiente de negócios impedirá que os líderes sejam especialistas em todas as áreas.
Thomas Malone é diretor e fundador do Centro para a Inteligência Coletiva do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e codiretor do projeto de pesquisa “Inventando as Organizações do Século 21” dessa instituição. É referência em temas como liderança e tecnologia da informação.
Suas pesquisas costumam antecipar mudanças. Em um artigo publicado em 1987, por exemplo, predisse muitos dos desenvolvimentos no comércio eletrônico que aconteceram uma década depois, como a compra e venda on-line, e a terceirização de funções não-centrais das empresas, entre outros. É autor de O Futuro dos Empregos (ed. MBooks) e desde 1983 dá aulas no MIT. Também foi pesquisador do lendário Parc, o laboratório de inovação da Xerox. Malone virá ao Brasil em agosto de 2009 para um Special Management Program da HSM.