sábado, 7 de fevereiro de 2009

DOSSIÊ LIDERANÇA EM CRISE - PARTE1

Por Luisa Monteiro

Não mudou o significado da boa liderança: ela consiste em prestar atenção e em conectar-se com maneiras mais profundas de lidar com uma situação, sem que uma força exterior - como uma crise - tenha de exigir isso. Mas, como mudaram as circunstâncias do mundo, é preciso também mudar para alcançar essa boa liderança. O primeiro artigo desse dossiê, de Srikumar Kao, professor da London Business School, revê o menu de habilidades para liderar. O segundo, como "pai" da inteligência emocional, Daniel Goleman, lembra a importância de sensatez, calma e autoconhecimento em crises. No terceiro, o entrevistado é Otto Scharmer, criador da inovadora Teoria U, que detalhada sua proposta de liderança coletiva. O quarta artigo, uma entrevista com Thomas Malone, do MIT, explica como fazer um modelo distribuído e temporário de liderança.

Não percam as próximas publicações aqui no Blog, boa leitura e bom aproveitamento!!!


A FORMA QUE A LIDERANÇA TERÁ


"As empresas estão mudando a uma velocidade
estonteante. Ma s e as pessoas à frente delas? O
especialista Srikumar Rao, da London Business School,
tem perguntado a seus alunos o que eles veem como
atributos essenciais do líder de amanhã"


Charles Darwin vem a minha mente agora, pois ele fez um comentário visionário sobre mudança no século 21: “Não são as espécies mais fortes que sobrevivem, nem as mais inteligentes, mas as mais sensíveis à mudança”. Ele certamente não estava pensando em gestores e empresas quando proferiu essas palavras, porém a mudança se tornou a força com a qual um negócio precisa lidar, como uma das espécies de Darwin, ou simplesmente não vai sobreviver. E isso será ainda mais verdadeiro e relevante para o negócio conforme aumenta o tamanho da mudança, e a velocidade com que isso acontece atinge o mercado com muita força e consequências que dão o que pensar.
Quais são os fatores mais importantes que impulsionam essa mudança? Primeiro, a forma como ocorrem as negociações está mudando. A tecnologia –internet, novos métodos de comunicação, produção industrial mais rápida e mais personalizada, e por aí vai– é o ponto principal, mas certamente não é o único. Segundo, a extensão do campo de jogo no qual os negócios acontecem tem aumentado enormemente. Uma pequena livraria no subúrbio de Manila pode roubar a venda de uma grande varejista como a Borders. Terceiro, as expectativas de consumo vêm mudando, e os consumidores estão ficando muito mais exigentes. Ao mesmo tempo, funcionários e suas expectativas também têm mudado. Eles esperam mais do trabalho e querem contribuir de diferentes formas. Outro fator importante é que a interdependência está se tornando maior e muito mais complexa. Uma empresa norte-americana pode ter um laboratório de pesquisas em Bangalore desenvolvendo protótipos para a Austrália. A interdependência vai além das relações empresariais para atingir governos, organizações não-governamentais e outros setores da área social. Além disso, o ritmo da mudança tem se acelerado tão rapidamente que o tamanho da empresa não é mais uma proteção. Companhias multibilionárias geralmente veem suas posições competitivas erodir em meses.

Entra o líder
Alguém se espanta com o fato de a liderança ser um assunto tão quente hoje? Nesse novo mundo, as organizações –privadas, sem fins lucrativos e governamentais– precisam de líderes com um conjunto mais rico e diverso de habilidades para nos conduzir ao futuro. E eu sei como o líder bem-sucedido do futuro será. Não estou adivinhando. Eu sei.


Por favor, não me considere imodesto. Sei disso não porque sou um gênio ou um pensador visionário, ou porque tenho uma máquina do tempo que pode revelar o futuro. Sei porque tenho recebido informações de pessoas que devem saber, de modo inequívoco: os brilhantes graduandos de algumas das melhores escolas de negócios que estão entrando no mercado de trabalho e têm muita clareza sobre o tipo de pessoa que pode comandar sua fidelidade inquestionável. Deixe-me explicar.
Há muitos anos, leciono em um curso chamado “Criatividade e Administração Pessoal”. É um curso profundamente introspectivo. Seus participantes passam grande parte do tempo contemplando o local de trabalho e como ele será. Eles pensam sobre estilos de liderança que gostariam de desenvolver e o que gostariam de ver em seus superiores hierárquicos.
De minha posição, sinto que tenho geralmente ouvido muito mais do que declarado. Centenas de estudantes e executivos compartilharam suas opiniões comigo. Existem variações? É óbvio que sim. Mas a imagem que surge é incrivelmente clara e muito pouco ambígua. O líder bem-sucedido do futuro é aquele que desenvolve sistemas para criar uma organização que domina uma profunda fidelidade de seus funcionários e dos outros que interagem com a empresa, como consumidores e fornecedores.
Ao discutir esse novo tipo de líder, falo principalmente do ponto de vista das organizações com fins lucrativos, mas mudanças intuitivas podem ser feitas facilmente para se ajustar a outros tipos de empresas. Muito do que eu revelo também está ligado à cultura e aos valores organizacionais. Então, quais são as tarefas que estão diante do líder bem-sucedido do futuro? Elas são sete.

Estabelecer uma missão inspiradora.
Uma missão é crucial. O líder estabelece a missão organizacional e, se ela não ressoa profundamente, então os liderados simplesmente vão com a maré. Muitas das organizações atuais têm missões exemplares que existiam anteriormente em declarações emolduradas no quadro de avisos e em folhetos da empresa. Isso não funciona. A missão tem de ressoar, e deve estar totalmente claro para todos que é realmente o princípio que guia a organização.
Poucas pessoas se apaixonam por ideias como maximizar o valor para o acionista, ganhar market share, atingir o domínio do mercado ou cumprir metas de aumento de receitas ou lucros. Na verdade, um líder que coloca qualquer uma dessas métricas, ou similares, imediata e silenciosamente perde muito apoio. Assim, o objetivo de uma empresa é garantir que cada pessoa que tenha contato com ela atinja seu maior potencial. Isso inclui funcionários, clientes, fornecedores, emprestadores de dinheiro, acionistas e a comunidade em geral.
Essa afirmação levanta imediatamente uma série de questões: o que significa “maior potencial”? Como isso é medido? Quem vai defini-lo e medi-lo? Como os conflitos devem ser resolvidos? Como esse conceito pode ser transformado em passos realizáveis? Todas essas questões são legítimas, e pessoas sinceras podem sustentar visões diversas em relação às respostas –visões diametralmente opostas até. Não é importante que haja concórdia. Ou que haja discórdia. O importante é que isso seja a arena na qual o debate deve acontecer. Um líder que tenta formular a missão de sua companhia alinhada com esse propósito vai encontrar um grau inacreditável de engajamento em todos os níveis.

Perseguir lucros depois da missão. Lucros são essenciais; eles constituem o sangue vital dos negócios de sucesso. Nenhuma das pessoas que compartilharam seus pensamentos comigo tem algo contra o lucro saudável. Com o que elas não concordam é o lucro vir em primeiro lugar. Viktor Frankl postulou que sucesso e felicidade não podem ser perseguidos –devem advir como efeitos colaterais involuntários da dedicação pessoal a uma causa maior do que o indivíduo em si. Da mesma forma, os lucros são o subproduto inevitável de um negócio bem administrado em consonância com uma missão e um propósito, como descritos anteriormente.



"Você gosta de seu salário?
Gostaria que fosse maior que é? Esse tópico
deve entrar na discussão"


Remunerar com justiça. Você gosta de receber seu salário? Gostaria que fosse maior do que é? Não responder afirmativamente a essas perguntas seria estranho em qualquer lugar do mundo. Dificilmente alguma discussão sobre liderança levanta esse tópico, que é de enorme importância. Líderes do futuro não vão querer remunerações monumentais. Na verdade, eles vão recusar ofertas de remuneração excessiva para garantir que seus emolumentos não sejam desproporcionais aos outros e à média da companhia.
Há razões práticas para isso. A remuneração do chefe –tanto monetária como na forma de gratificações extras– é examinada de perto. Qualquer percepção de excesso imediatamente sinaliza que essa pessoa tende a ser egoísta. Nenhuma de suas avaliações sobre os recursos da empresa ou o controle de custos pode ter um peso real, e muitos funcionários se distanciam fisicamente desse tipo de líder. Um líder certamente não consegue gerar lealdade com essa bagagem.
Existem também questões éticas. Em uma organização moderna complexa, não está claro de maneira alguma quem realmente agrega valor e quanto. Recompensas desproporcionais para a pessoa do topo simplesmente refletem onde o poder está acumulado, o que é visto como um abuso grosseiro de poder. Isso raramente é dito, mas é sempre reconhecido, e o ressentimento que gera mina o cerne da organização. Veja as palavras de um de meus alunos:

Digamos que a empresa está com problemas. Os membros do board decidem que eles precisam de um “líder mais forte”. Para consegui-lo, oferecem um bônus inicial imenso, um grande volume de ações ou opções e outras compensações frequentemente não divulgadas. A suposição implícita é a de que o dinheiro é o principal fator que tornou o trabalho passível de ser considerado. E isso tem um efeito “balde de água fria” sobre os demais na empresa. Todos começam a pensar de acordo com o que eles podem extrair, também, da empresa. Nunca passa pela cabeça dos membros do board que a mensagem que estão enviando é altamente falha e perigosa. Que pode ser obrigação deles encontrar uma pessoa que ache que resgatar uma empresa com um passado histórico é um privilégio. Que há pessoas que considerariam preservar milhares de empregos e carreiras uma recompensa em si. Eles nunca encontram essas pessoas porque nunca procuram por elas. Eles nunca procuram por elas porque acham que dinheiro é a única forma de motivar alguém.
Quando colocam alguém assim no topo, a pessoa imediatamente contrata um bando de outras exatamente como ela. Levando ao extremo, é isso que faz com que pessoas como Al Dunlap cheguem ao cargo principal das maiores corporações. Nosso sistema está falido.

Os líderes que não conseguem inspirar respeito profundo e inerente pela virtude de sua personalidade inata não podem dirigir seus seguidores. Eles então precisam recorrer ao medo ou à ambição como mecanismos para garantir a obediência de comportamento. Às vezes esses mecanismos funcionam, às vezes não. Mas sua presença explica realmente por que tantas das maiores empresas têm ambientes tão tóxicos.

Eliminar “desmotivadores” e obstáculos. Supostamente, é papel de um líder motivar os soldados rasos, atiçá-los com entusiasmo e fazê-los trabalhar incondicionalmente para atingir os objetivos organizacionais. Motivação é feita com conversas estimulantes, exortação individual, estruturas de incentivo, mecanismos de avaliação e métodos similares. Grandes “motivadores” são muito necessários.
A realidade é menos agradável e pode ser muito feia. Todos percebem que o rei está nu, mas poucos vão dizer que ele não está usando roupas. Muito do que é enaltecido como “motivação” na verdade é manipulação sofisticada para que trabalhadores relutantes façam o que não estão particularmente interessados em fazer. Cenouras são incentivos de vários tipos e espetos ameaças de demissão, de rebaixamento de posto quando aplicados a seres humanos.
Se a missão de uma organização for autêntica e construída com cuidado, a vasta maioria dos funcionários vai apoiá-la entusiasticamente. Nenhum grande esforço é necessário para engendrar a motivação. Ela já está embutida na psique dos funcionários.


"Um líder não tem de motivar os
colaboradores, e sim identificar o que os
desmotiva e se livrar disso"


A função de um líder não é motivar seus subordinados, e sim identificar o que os está desmotivando e se livrar disso. Não estou procurando pelo em ovo. É uma abordagem filosófica profundamente diferente, e nunca cheguei nem perto da unanimidade nesse ponto. É aí que os líderes do futuro vão passar um bom tempo, se não a maior parte dele. Estruturas administrativas e atitudes que já foram de grande ajuda podem facilmente calcificar, transformando-se em obstáculos. O líder constantemente examina isso e dinamita os obstáculos o mais rápido possível.

Ser útil, não prepotente. O papel do líder é ser útil. Ele está constantemente procurando formas de ajudar todos os funcionários a se realizar no trabalho ou como indivíduos. Parte disso é o esforço do líder para identificar e remover fatores desmotivadores sistematicamente, como mencionado antes. Outra parte é encorajar as pessoas a colocar em prática o melhor do que são capazes.
Tal exortação é diferente da conversa tradicional sobre motivação, focada em reforçar comportamentos particulares. A diferença está na intenção. O líder de que estamos falando realmente se importa com os funcionários e com o fato de eles estarem realizados. Faz mesmo diferença para o líder que o comportamento desejado se manifeste a partir da convicção e não do medo ou da submissão.
Não há maneira melhor para os líderes estabelecerem suas credenciais do que fazer o que dizem. Se eles demonstram que vão fazer com alegria tudo o que for preciso em qualquer parte da organização, ganham imensa estatura moral e autoridade. Quando Bill Pollard, presidente-executivo da Service Master, passa pano no chão; quando David Neeleman, presidente-executivo da companhia aérea JetBlue, serve café aos passageiros como parte do pessoal de bordo; quando N.R. Narayana Murthy, presidente-executivo da Infosys Technologies, fica na fila do refeitório segurando a própria bandeja; quando Alex Von Bidder, sócio-gerente do restaurante Four Seasons em Nova York, serve pessoalmente um cliente, eles enviam mensagens muito poderosas.
Tenha em mente que o comportamento de líderes como esses não molda a cultura da companhia quando é um gesto ou um truque de relações públicas. Só funciona quando reflete a manifestação externa do tipo de pessoa que o líder realmente é. Não foi para se mostrar que Mahatma Gandhi limpou banheiros e insistiu para que sua mulher fizesse o mesmo quando ele estava desenvolvendo seu movimento na África do Sul. Com isso, ele começou a construir o imenso estoque de respeito e boa vontade que finalmente lhe permitiram influenciar todo um país e comandar o comprometimento inquestionável de dezenas de milhares de pessoas. O líder “cortador de custos”, que corta o café grátis e as assinaturas de jornal enquanto adquire um avião corporativo maior e contrata um chef de cozinha famoso nunca arregimenta grande lealdade.

Demonstrar compromisso com a comunidade.
Seria maravilhoso se todos os membros de uma organização fossem uma família, e algumas empresas melosamente proclamam isso como verdade para elas. Mas, é uma declaração irreal, levando em conta o tamanho e a dispersão geográfica das empresas modernas. É possível, entretanto, que membros de uma organização formem uma comunidade bem amarrada. O líder efetivo, aquele que é a esperança de amanhã, sabe disso e se certifica de reforçar o sentimento de comunidade e o sentido de pertencer. Há vários aspectos disso:


  • Cuidado na separação: uma comunidade cuida dos seus. Antes de um membro ser alijado, todo esforço é feito para lhe dar a oportunidade de se integrar à comunidade e viver segundo suas normas. Códigos de conduta são claros. Se uma violação pode prejudicar seriamente a comunidade, a retribuição é rápida e certa. Do contrário, o membro ganha um tempo considerável e ajuda para se reabilitar.
  • Sofrimento compartilhado: quando chegam os tempos ruins, como inevitavelmente acontece, a comunidade se reúne e compartilha a dor. As cargas são divididas de acordo com a capacidade de suportá-las. O líder garante, por exemplo, que se eliminem viagens de primeira classe e despesas supérfluas antes que funcionários sejam demitidos. Ele se certifica de que reduções salariais comecem no topo, com os membros mais bem pagos,o que resulta proporcionalmente em cortes maiores. Os membros mais fracos da comunidade recebem maior proteção. Nunca há paraquedas dourados no topo e, se o barco
    afunda, o capitão permanece na ponte até que todo mundo tenha deixado o navio.
  • Diversidade: certos valores compartilhados são dados. Fora isso, uma comunidade em que todas as casas são construídas e pintadas da mesma forma é entediante. A diversidade é que torna uma comunidade vibrante. Fertilização cruzada constrói força para a próxima geração. O líder sai de seu caminho para garantir que a diversidade floresça e a tolerância seja alta.
  • A força do grupo: uma comunidade construída ao redor –ou sob a dependência– de um único indivíduo é instável e se dissolve rapidamente quando ele sai. O líder deve se certificar de que haja muitos outros capazes de carregar a bandeira se ele sair. Toda pessoa que segura a bandeira tem de ser capaz de contar com o apoio da comunidade. Isso acontece apenas se todos prestam lealdade à missão. Então o líder garante que a missão está sempre viva na cabeça de toda a comunidade.

Estabelecer um compromisso com o aprendizado e a justiça. Sempre haverá reclamações. Sempre haverá gemidos. Isso acontece em qualquer companhia, e o líder sabe disso. O que importa é a natureza das queixas. Em organizações moribundas, as pessoas reclamam da forma como o café é feito. Em empresas vibrantes, a queixa é sobre o tempo que uma nova estratégia de marketing demora para ser aprovada.
Medidas de satisfação geralmente não têm sentido. Muito mais importante é que todos os indivíduos sintam que estão em um ambiente em que 1) aprendem e 2) há justiça. Quando os funcionários sentem que estão desenvolvendo suas habilidades e têm confiança de que receberão uma recompensa justa –e quando também estão comprometidos com a missão da empresa–, então energias poderosas são liberadas.
Quando isso ocorre em todo o board, a mágica acontece e o momentum é irrefreável. O líder eficaz sabe bem disso e passa todo o tempo certificando-se de que a empresa oferece oportunidades de crescimento nas mais diversas áreas e de que há mecanismos internos que rápida e abertamente abordem quaisquer injustiças percebidas. Erros geralmente não são um problema, desde que sejam conhecidos e abordados. O líder não é movido pelo ego, mas por um sincero desejo de nutrir a organização e mantê-la saudável.
O líder bem-sucedido do futuro, então, estabelece uma missão inspiradora, persegue os lucros secundariamente a sua missão e garante que a recompensa seja justa em todos os níveis. Esse líder elimina obstáculos desmotivadores e está a serviço de seus seguidores, não é prepotente e demonstra comprometimento com a comunidade, o aprendizado e a justiça. E esse, dizem meus alunos, é o tipo de líder pelo qual eles vão colocar a cabeça no trilho, com satisfação.

© Business Strategy Review
Revista HSM Management janeiro-fevereiro 2009
Ano 12 Número 72

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