O dramaturgo norueguês Henrik Ibsen cunhou a expressão “mentiras vitais” para referir-a isso. Pois frequentemente transferimos à “família corporativa” o que aprendemos no âmbito familiar. É nas empresas que conseguem evitar as mentiras vitais, no entanto, que a inovação floresce e, segundo pesquisa, gera no cliente uma experiência positiva e diferenciada.
Autores: Warren Bennis, Daniel Goleman e Patricia Ward Biederman
Warren Bennis é um dos mais renomados especialistas mundiais em liderança, professor de administração da University of Southern California e fundador do Leadership Institute.
Daniel Goleman é codiretor do Consortium for Research on Emotional Intelligence in Organizations, da Rutgers University, e autor do best-seller Inteligência Emocional (ed. Objetiva), que mudou os paradigmas mundiais em relação à inteligência tanto no setor corporativo como fora dele.
Bennis e Goleman escreveram juntos Transparência – Como Criar uma Cultura de Valores (ed. Campus/Elsevier, em coautoria com James O’Toole).
Patricia Ward Biederman é colaboradora do jornal Los Angeles Times.
Embora algumas organizações “esclarecidas” optem por uma política de livros abertos, muitas mais são as que se caracterizam por pontos cegos e buracos negros, que impedem o livre fluxo de informações, a honestidade e a franqueza. Por que isso acontece?
Inicialmente, precisamos analisar as dinâmicas da vida familiar, pois este é o primeiro e mais forte modelo. As regras que aprendemos como membros de uma família nos mostram no que devemos prestar atenção e como devemos tratar aquilo que observamos.
Cada família ensina a seus integrantes tacitamente quatro regras de atenção:
• Essas são as coisas que observamos.
• Isso é o que dizemos sobre elas.
• Essas são as coisas que não vemos.
• Nunca dizemos nada a quem é de fora sobre a terceira categoria.
As duas últimas regras levam ao surgimento dos tais “segredos de família”. O dramaturgo norueguês Henrik Ibsen criou o termo “mentiras vitais” para caracterizar as ficções que encobrem uma verdade mais perturbadora em famílias problemáticas. Uma mentira vital mascara uma verdade que é ameaçadora demais, perigosa e dolorosa para ser dita em voz alta. A mentira vital preserva a harmonia superficial da família, mas a um preço muito alto. Problemas que não são reconhecidos raramente se resolvem sozinhos.
Dinâmica semelhante aflige muitas organizações. Por exemplo: em uma companhia de atuação mundial, o novo líder da área de recursos humanos expressou seu descontentamento com o fato de que seu antecessor utilizou um sistema de avaliação que classificava todo executivo como “excelente”, mesmo que a empresa estivesse perdendo centenas de milhões de dólares por ano. A mentira vital, que propagava que todos os líderes da companhia eram “classe A”, apenas encobria as falhas palpáveis desses executivos; não fazia os problemas desaparecer. No final das contas, as perdas contínuas forçaram a empresa a confrontar a obra de ficção que era sua “grande liderança”. Na reviravolta que se seguiu, praticamente todos os líderes antes tidos como “excelentes” foram substituídos.
O sentimento que leva as pessoas a se calar sobre as mentiras vitais é o medo inconsciente de que, se encaramos esses segredos perigosos e falamos sobre eles, vamos acabar destruindo a família ou sendo expulsos dela. A ansiedade de viver com esses segredos é frequentemente reduzida quando são ignorados.
Vale ressaltar que nem todos os segredos de família são ruins. Há “segredos doces”, que possuem um efeito de reforçar os elos, como os termos carinhosos que são únicos em cada família. O perigo reside em mentiras “tóxicas”, como o fato de uma mãe ser alcoólatra e não cuidar direito dos filhos, de que um tio já foi preso por abusar sexualmente de crianças ou de que a fortuna da família tem suas raízes em atos criminosos.
Quando mais tarde, como adultos, passamos a fazer parte de uma organização, levamos para dentro da “família corporativa” nosso aprendi- zado anterior sobre como ser parte de uma família. Sem que ninguém tenha de nos dizer explicitamente como são as coisas, automaticamente aprendemos o que observar e o que pensar e dizer sobre essas coisas. Também aprendemos o que ignorar, e nós já sabemos, a partir da experiência da infância, que não é para falarmos sobre as coisas que não devemos observar. Os medos do trabalho ecoam aqueles da vida familiar; se falamos do que não devemos falar, podemos ameaçar a própria organização e correr o risco de expulsão.
Todas as pessoas de uma organização têm experiência em guardar segredos, para o melhor e para o pior. Forças mais positivas, porém, também atuam aqui. O orgulho de pertencer a um grupo de alto desempenho ou de muito status e/ou o sentimento de acolhimento de fazer parte de uma unida família organizacional podem ser forças genuínas de satisfação profissional. O paradoxo está no fato de que há um lado ruim ao pertencer a um grupo: a tentação quase automática de esconder informações com o objetivo de proteger o orgulho compartilhado pelos membros, para fazer com que o grupo pareça melhor do que ele é ou simplesmente para preservá-lo. Tudo isso faz com que seja fácil para os integrantes do grupo suprimir informações ou distorcê-las.
No mundo do trabalho, conspirações de silêncio são enormemente danosas, e muitas delas são universais. Todos nós já trabalhamos em locais em que ninguém tratava dos problemas que todos conheciam: os casos de assédio no escritório, algo que ninguém enfrenta; os “jogos” em torno do orçamento, em que pessoas distorcem os números e exageram nas expectativas; o conselho diretivo que tacitamente reprime as discordâncias para apoiar um presidente carismático; o médico arrogante que comete erros que as enfermeiras veem, mas têm medo de apontar.
Leslie Perlow, da Harvard Business School, estudou uma empresa de equipamentos de escritório em que grande parte do tempo era gasta com reuniões semanais. Antes de sentar com o chefe toda semana, os engenheiros de sistemas da empresa gastavam tempo preparando apresentações capazes de impressionar, tempo esse que seria mais bem empregado em trabalho produtivo. Os engenheiros achavam que as reuniões eram grande perda de tempo, mas nenhum deles ousava dizer isso alto e bom som, por acreditar que os gestores queriam manter as reuniões. Ironicamente, o chefe dos engenheiros também achava que os encontros tinham pouco valor. Perlow constatou que o chefe não queria cancelar os encontros porque pensava que isso passaria a mensagem de que ele não valorizava o trabalho dos engenheiros. O que o pesquisador chama de “ciclo vicioso do silêncio” mina tanto a produtividade como o moral.
CÓDIGOS DE FAMÍLIA E EMPRESAS
As mentiras vitais das organizações mostram significativa similaridade com as das famílias. Vejamos um exemplo da vida familiar, em que a mãe é alcoólatra e os demais parentes adultos e os codependentes tacitamente facilitam seu comportamento. A mãe muitas vezes começa a beber antes do almoço e fica fora do ar lá pelo final da tarde. Em vez de falar sobre seu vício, os integrantes da família dizem que ela costuma “tomar um gole” ou, em vez de admitir que ela está praticamente desmaiada, comentam que ela “está tirando uma soneca”.
Assim como as famílias problemáticas, as empresas e outras organizações frequentemente encontram maneiras de falar de seus segredos e de suas culpas: usam código ou linguagem eufemística que quem é de fora não entende. O uso pela agência de inteligência dos Estados Unidos, a CIA, do termo “joias da família” para provas de tentativas de assassinato é exemplo disso.
Outro exemplo veio à tona no tribunal, durante os testemunhos sobre má conduta do departamento financeiro da HealthSouth. Os contadores e especialistas financeiros da empresa se referiam a eles próprios como “a família”, mesmo tendo eles armado acordos de negócio falsos para dar conta de expectativas de ganhos astronômicos. Nesse caso, os conspiradores corporativos se referiam à diferença entre os resultados trimestrais da empresa e as expectativas de Wall Street em relação a esses resultados de “o buraco”. E chamavam os acordos que eles inventavam para preencher esse buraco de “sujeira”.
Assim como ocorre com os segredos familiares, os segredos organizacionais distorcem os relacionamentos. Aqueles que partilham do segredo tendem a formar laços mais firmes e se distanciar dos de fora do grupo, a ponto de se separar daqueles que poderiam expô-los de alguma forma. Muitos dos escândalos corporativos foram denunciados por pessoas de dentro da empresa que viviam em camaradagem até o momento em que perceberam que a única maneira de se salvar da prisão era entregar os demais.
Transparência é um indicador da saúde moral de uma empresa. Acreditamos que governos, organizações e outras instituições têm uma espécie de DNA. Instituições “saudáveis”, a democracia inclusive, são mais transparentes do que as “doentes”, como a escravidão, que lutam para manter seus “segredos sujos”. No mundo dos negócios, a abertura não é somente uma política virtuosa que faz com que a empresa se sinta bem consigo mesma. O grau de abertura e o que isso diz sobre a natureza da organização se tornam vantagem competitiva tanto na geração de lealdade por parte do consumidor como na hora de recrutar e manter os melhores profissionais. Há evidências, por exemplo, de que os consumidores dão cada vez mais importância aos produtos orgânicos. Os valores também fazem diferença para aqueles que se destacam pela criatividade, como fica claro pelo grande número de pessoas que procuram emprego no Google, cujo mote é “Não faça o mal”.
Antes que uma organização possa desenvolver uma cultura de honestidade, ela deve analisar as regras culturais que a governam. Tais regras estão profundamente enraizadas e, geralmente, são resistentes à mudança [veja quadro ABAIXO].
A melhor forma de os líderes começarem a permitir que as informações fluam livremente em sua organização é dar bom exemplo. Eles devem aceitar, e até estimular, informações que gerem mudanças. Se os líderes demonstram regularmente que querem ouvir mais do que boas notícias e elogiam aqueles que com coragem apresentam verdades desagradáveis, então a norma começará a virar a favor da transparência.
Resistência à transparência: o caso Nasa
A agência espacial norte-americana, Nasa, é um exemplo irrefutável de cultura resistente a mudanças. A mesma prática cultural que contribuiu para a explosão da nave Challenger em 1987 continuava em vigor em 2003 e levou ao desastre da Columbia. O grupo que investigou os motivos da tragédia com a Columbia foi além da causa técnica do acidente –um pedaço de espuma que bateu em uma das asas e danificou seu sistema de proteção térmica– e responsabilizou a cultura organizacional, marcada por engenheiros com medo de levantar preocupações de segurança para seus superiores e gestores, mais preocupados em atender a cronogramas de lançamento do que com os riscos envolvidos em cada operação.
O líder da Nasa, Sean O’Keefe, chegou a garantir, logo depois da tragédia da Columbia, que nenhum funcionário que falasse sobre segurança, mesmo para pessoas de fora da organização, seria repreendido. Mas foram palavras ao vento aparentemente. Desde 2003, em vez de a Nasa evoluir na direção da cultura da franqueza, ela se tornou ainda menos transparente do que já era, por conta das pressões que sofreu. A política interna dessa agência continua sendo, e é cada vez mais, a de manter os funcionários longe da mídia –sobretudo quando se trata de expressar opiniões não apoiadas pela administração. Isso inclui certo cientista preocupado com um tema como aquecimento global... (WB, DG, PB)
HSM Management
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