O que os consumidores desejam realmente? A velha pergunta tem recebido novas respostas. É evidente que eles ainda querem qualidade alta e preço baixo –ou seja, valor para seu dinheiro–, mas também buscam desfrutar a experiência de compra, o que não farão caso ela esteja maculada por falsificação, imitação ou manipulação. Em um mundo em que as empresas oferecem cada vez mais, de forma deliberada e sensacional, períodos de experimentação, mais os consumidores escolhem comprar ou não com base na percepção de quão genuína acreditam ser a oferta. A autenticidade está se tornando o ponto crítico para o consumidor. Por essa razão, os executivos devem aprender a entender e administrar a transmissão de autenticidade. Para sermos diretos e francos: as empresas precisam encarar a realidade.
A razão fundamental para enfrentar esse desafio é elaborar uma estratégia apropriada. O problema é que os executivos muitas vezes esboçam estratégias que são não só difíceis, mas impossíveis de ser alcançadas, dadas a estrutura da empresa e suas circunstâncias. Apontam, para seus funcionários, metas que não têm possibilidade de atingir e adotam posições estratégicas que seus consumidores não apreciam nem compreendem.
Uma empresa que persegue uma posição estratégica não alcançável, pressionando seus funcionários a fazer o impossível e forçando os consumidores a ver algo completamente novo, está, na verdade, mirando fora de sua área de atuação. Isso não corresponde ao padrão fundamental de autenticidade. Além disso, significa abandonar possibilidades que são igualmente lucrativas e percebidas pelos consumidores como autênticas. Isso conduz, inexoravelmente, a funcionários descontentes, acionistas censurando as estratégias mal orientadas e consumidores querendo saber o que aconteceu com a empresa que julgavam conhecer.
Então, a pergunta deste artigo é a seguinte: como os líderes empresariais podem distinguir entre oportunidades falsas e autênticas para evitar a resistência do consumidor, críticas negativas e insatisfação dos acionistas?
A compreensão dos limites estratégicos e o caso Disney
Para começar a examinar a diferença, considere a história inovadora da Disney, concebida pela mente imaginativa de seu criador, Walt Disney. A empresa teve início quando passou a realizar filmes, programas para a televisão e, mais tarde, criou os parques temáticos destinados a reunir as famílias em experiências compartilhadas. Entretanto, depois da morte do fundador, a empresa ficou prostrada, desgovernada, por mais de uma década.
Quando Michael Eisner assumiu o controle em 1984, ele percebeu que as personagens criadas por Disney formavam o núcleo de identidade da empresa e partiu para uma alavancagem melhor de Mickey Mouse e seus companheiros, enquanto criava outras personagens, como Ariel, a Pequena Sereia, e Simba, o Rei Leão. A empresa fez alianças e aquisições estratégicas, que se ajustaram solidamente àquilo que chamamos de “área de atuação”, ou seja, o conjunto de ações e decisões que uma empresa pode realizar e ainda assim ser percebida como verdadeira por si mesma.
No entanto, nos anos 90 a empresa se perdeu, porque a ânsia de crescer fez com que saísse de seu tradicional foco voltado para a família. Particularmente, em vez de continuar produzindo e distribuindo filmes em qualquer canal de TV, que poderia exibir melhor seus produtos para as crianças e seus pais, em 1995 adquiriu um braço de distribuição, a Capital Cities/ABC. Essa era a rede que, de As Panteras a Desperate Housewives, tinha se tornado conhecida por celebrar o corpo feminino excepcional, vestido com roupas justas. Em uma aquisição ainda mais distante de sua área, a Disney comprara, dois anos antes, o estúdio cinematográfico Miramax, produtora afiada e conhecida por fazer filmes classificados como R (permitido para menores de 17 anos se acompanhados dos pais ou de um adulto) ou NC-17 (proibido para menores de 17 por conter linguagem fortemente ofensiva ou sexual, nudez explícita, violência pesada e sangue, ou forte conteúdo de sangue e violência pesada ou abuso de drogas).
Em outras palavras, ao buscar crescimento, a Disney efetivamente excluiu o público mais jovem, a parte mais importante de sua herança. Vários grupos pediram boicote à Disney. O desempenho financeiro sofreu, porque a estratégia simplesmente não funcionou. Se os executivos tivessem compreendido que tais movimentos estratégicos colocariam a empresa fora de sua área de atuação –além de onde poderia agir e ainda ser percebida como autêntica–, teriam tomado decisões diferentes, que permitiriam à companhia crescer, ao mesmo tempo que preservariam suas tradições. Se houvesse reconhecido a importância da autenticidade para sua estratégia, a Disney poderia, por exemplo:
- Ter comprado o Nickelodeon, o canal com melhor índice de audiência durante o dia nos Estados Unidos, melhor do que o Miramax. A empresa esperou até 1983, quatro anos após a estreia do Nickelodeon, para lançar o Disney Channel.
- Ter criado a primeira loja temática para crianças do mundo, com experiências que recompensariam o preço do ingresso, em vez de esperar a empresa American Girl fazer isso.
Para as empresas que tentam operar fora de sua área de atuação, existe pouca probabilidade de que o resultado dessa estratégia seja percebido como autêntico. Esse foi o caso da Walt Disney atual. Por decisões tomadas em duas décadas, a marca Disney arriscou a posição sólida ocupada entre as famílias norte-americanas.
Hoje, o CEO Robert Iger deve se dedicar a restaurar a autenticidade como sua primeira meta e refazer a empresa. O jornal Financial Times atribuiu a Iger a redescoberta “da preferência pelo tipo de inovação tão cara a seu fundador” e a recolocação de filmes com a marca Disney longe do Miramax e de outros estúdios adultos. De acordo com outros observadores, ele repensou o site da empresa e o portfólio da Disney mundial; restaurou o Clube Mickey Mouse e deu o crédito tanto a Michael Eisner como a sua equipe de executivos. Seu lance mais arrojado foi, em 2006, a compra estratégica de sua parceira Pixar, restabelecendo assim a volta do filme de animação, de acordo com a herança de Walt Disney.
Tendo em mente essa lição da Disney, sugerimos que o leitor utilize os oito princípios a seguir para orientá-lo a delinear sua “área de atuação”. Fazer isso o ajudará a demarcar posições competitivas viáveis, poderosas e atrativas –estratégias que são igualmente atingíveis e autênticas.
1. Estude sua herança. As posições estratégicas presentes e futuras de uma empresa foram construídas ao longo dos anos. Para permanecer fiel a si próprio, você deve estudar sua herança e assim definir sua inovação e possibilidades de marketing à luz de sua origem e sua história subsequente. Você não pode tomar medidas contrárias a seu passado e achar que as pessoas o verão como autêntico –o caminho mais fácil de ser percebido como falso é repudiar sua herança.
Procure entender seu passado corporativo, bem como os efeitos de sua herança na realidade de sua posição competitiva presente. Quais decisões estratégicas do passado ainda ecoam? De que modo a força de sua herança indica o que você pode ou não vir a fazer? Quais as limitações que sua origem e história ocupam em relação ao que você deve dizer? Quais os caminhos menos percorridos que ajudariam sua empresa a resistir em sua forma própria e única? Quais caminhos não trilhados devem ser sempre evitados? Responder a tais questões ajuda a ganhar uma sólida compreensão de seu passado e fornece os meios para demarcar seu presente.
2. Determine o posicionamento de sua atividade e do mercado. Não é só o passado que influencia a natureza de sua posição no presente. Um levantamento de seu ambiente próximo fornece um contexto importante para delinear uma direção estratégica irresistível e factível para sua empresa.
Notavelmente, muitos executivos não compreendem o tipo de inovação que está ocorrendo em seu negócio. Você pode relembrar, voltando só até o estouro da bolha das ponto.com, como os executivosjulgaram mal a posição de crescimento; milhares de empresas não reconheceram, como tantas outras abertas na internet, que não tinham recursos reais e as perspectivas de rendimento eram poucas. Sem dúvida, a internet representou uma plataforma para um modelo de negócio inovador. Mas, desde o início, as companhias mais bem-sucedidas encontraram maneiras de cobrar pela produção, iniciando uma relação autêntica com seus clientes, baseada no preço. Como é que tantos não notaram isso? Eles simplesmente se enganaram quanto a sua posição estratégica interpretando mal o cenário.
3. Calcule sua trajetória. Uma vez conhecidas sua história e sua posição presente, você deve determinar a direção e a velocidade com que está se movendo. Isso permite que você evite ficar vagando sem objetivo e tentando alcançar posições que sua empresa não tem condições para atingir. Como exemplo, pense na situação da indústria alimentícia, que quer tirar partido da tendência ao consumo de produtos orgânicos. Algumas empresas, no entanto, são incapazes de atrair, com credibilidade, os consumidores, porque durante décadas fabricaram e venderam alimentos nada naturais. Para elas, a trajetória adequada a seguir deve envolver o apelo a uma vida saudável por outro caminho, talvez com uma linha “sem carboidratos”, com produtos nutracêuticos [nutracêutica é a nova ciência que investiga os componentes de alimentos e plantas para descobrir seus benefícios para a saúde], ou então alavancando alguma outra pesquisa e desenvolvimento de habilidade não natural. Posições estratégicas como essas podem ser realizáveis.
4. Conheça seus limites. Para sua empresa ser verdadeira, você também precisa determinar os limites de sua área de atuação. Isso o leva a fazer uma triagem de suas possibilidades definíveis, alcançáveis e valiosas. Comece por eliminar posições falsas, situadas fora dessa área circunscrita. Essas são as opções estratégicas que devem ser descartadas. Como as tentativas de inovação nessas áreas serão percebidas como não autênticas, não serão implementadas com sucesso por sua organização nem compreendidas por seus consumidores. Pense nos recursos desperdiçados na expansão irreal de marcas como bálsamo labial Cheetos, desodorante em bastão Salvador Dalí, sopa de galinha para pets da Soul, vinho da Diesel, produtos que a empresa especializada em estudos de marcas identifica como os que “parecem ser os que menos se adaptam aos valores essenciais da marca”.
Howard Schultz, fundador da Starbucks, por exemplo, conta que, quando “comecei a fazer uma longa lista de coisas que a Starbucks ‘nunca’ deveria fazer, aos poucos aprendi a necessidade de negociar meios-termos. O que eu não faço, entretanto, é comprometer nossos valores essenciais”. Para Schultz, isso se reduz a coisas que sua empresa nunca deve fazer, como colocar aditivos químicos em seus grãos de café, vender os grãos em sacos plásticos nos supermercados e “nunca, nunca deixar de perseguir o cafezinho perfeito, por isso compramos sempre os melhores grãos e os torramos de maneira perfeita”. Jim Donald, como presidente da Starbucks, chamou esses tabus de “guardrails invisíveis”.
Faça a distinção da área de atuação mais ampla possível pela qual você lutará e fora da qual se recusa a se empenhar. Só conhecendo suas limitações é que você pode maximizar suas verdadeiras opções.
5. Estenda sua capacidade de realização. Empresas diferentes se movem em diferentes velocidades. Se você tem avançado lentamente, talvez com desempenho adequado, mas sem fazer nada especial, então não espere alcançar repentinamente uma posição estratégica muito além da que ocupa hoje. Em vez disso, você deveria tentar realizar uma série de metas exequíveis que, sucessivamente, poderão ampliar suas competências e aumentar sua velocidade e flexibilidade, fazendo com que a conquista de posições estratégicas nos limites extremos de sua área de atuação cresça com o tempo.
A Montblanc oferece um exemplo assim. Ela completou cem anos em 2006. Durante 85 anos persistiu como uma empresa de “artigos de escrita”. Jan-Patrick Schmitz, CEO da Montblanc norte-americana, ressalta que “éramos uma marca com raízes importantes e uma história muito valiosa”. No entanto, foi necessário se mover lentamente quando a marca, que era voltada unicamente para artigos de escrita, passou a ser uma marca de luxo e estilo de vida.
Seu primeiro movimento aconteceu em relação à categoria de acessórios de escrivaninha, no início da década de 1990; poucos anos depois, se aventurou em abotoaduras, chaveiros e prendedores de dinheiro, essencialmente os itens que um homem carrega nos bolsos, além da caneta. Só depois de conquistar a aceitação dessas ofertas, e a reputação de um design estético que fazia de cada um de seus produtos reconhecível como parte de uma identidade única, é que a Montblanc se moveu além do limite de sua área de ação. Em 2005 adicionou linhas de joalheria.
6. Procure esquadrinhar a “periferia” dos negócios. Empresas que atuam em um único setor habitualmente antecipam as batalhas competitivas. Mais difícil é ver competidores futuros que são difíceis de detectar até que seja tarde demais.
Fique atento aos novos competidores que estão inovando nas três dimensões da realidade competitiva–ofertas, competências e clientes. Alguns rivais potenciais podem ampliar suas ofertas, indo além do ponto em que o incremento das atividades, das pesquisas e do desenvolvimento os levaria. Alguns rivais aprimoram suas competências, outros se concentram em trabalhar com um conjunto específico de consumidores individuais de maneira tão completa que estes se sentem comprometidos.
A sede da United Services Automobile Association (USAA), em San Antonio, fornece um modelo de mudança obstinada pelo espaço competitivo de outras empresas ao oferecer tudo de que o consumidor precisa. Embora a USAA tenha começado no negócio de seguro de automóveis, hoje compete em todos os tipos de seguro, e também com a Wells Fargo no seguro bancário, com a Merrill Lynch em serviços de corretagem, com a Fannie Mae em hipotecas de imóveis, com a American Express tanto em cartões de crédito como em serviços de viagem, e até mesmo com o Wal-Mart em bens de consumo –além de joalherias, móveis e varejo de roupas. Essas empresas invariavelmente viram seus espaços competitivos baseados nos setores de atividade tradicionais, enquanto a USAA baseou seu espaço competitivo nas necessidades dos membros das Forças Armadas.
7. Formule seu plano estratégico. Não importa se sua concorrência vem da “periferia” ou da indústria tradicional, você não ultrapassará seus concorrentes apenas observando o que eles fazem e tentando fazer melhor, maior e mais rápido. No ambiente atual, ter maior disponibilidade, custos mais baixos ou mais qualidade raramente cria a estratégia vencedora. Isso você consegue delimitando uma posição futura dentre todas as possibilidades que tanto reúnem aqueles imperativos anteriores como induzem seus consumidores a notar suas ofertas e sua empresa como mais autênticas do que as dos competidores.
Pouquíssimas empresas estão posicionadas perfeitamente para crescimento futuro por meio de inovação incremental. Mesmo uma empresa que está exatamente na situação certa provavelmente não se sentirá à vontade conforme cresce a velha concorrência, surgem concorrentes da “periferia” e o consumidor exige mudanças com o passar do tempo. Situações que produzem maior vantagem competitiva quase sempre se localizam fora do centro de sua área de atuação.
A vantagem costuma estar fora de sua área de atuação
8. Realize bem. Se você utilizar os sete princípios anteriores de maneira proveitosa, então tudo o que tem a fazer é executar bem, ano após ano. Considere a Toyota, que, sem dúvida, produz melhor do que qualquer outra no mundo, e o faz há quase 40 anos. Comprometeu- se, então, para o futuro que desponta muito além da linha do horizonte: tornar-se a fabricante dos carros de mais alta qualidade do mundo.
Hoje poucos se lembram do tempo em que os carros da Toyota provocavam risos nos Estados Unidos; em sua primeira incursão no mercado, o Toyopet demonstrou ser um completo fracasso no final da década de 1950. No entanto, ao aplicar os princípios do Sistema de Produção Toyota, a fábrica continuou aperfeiçoando a qualidade ano após ano, até finalmente conquistar o mercado norte-americano em meados dos anos 60, com o Corona e o Corolla.
Com a melhoria da qualidade, progrediu também o valor dos carros Toyota. Em resultado, em 1975, ela ultrapassou a Volkswagen na categoria de carros importados. Pressionado por Detroit, em 1984 o governo dos EUA forçou os japoneses a concordar voluntariamente com cotas de importação. A Toyota respondeu construindo sua primeira fábrica de carros totalmente produzidos nos Estados Unidos –em Georgetown, Kentucky– com o objetivo explícito de se tornar menos japonesa e mais americana. Além disso, de acordo com um perfil publicado no The New York Times, “seus estrategistas de marketing têm tentado estabelecer uma aura de autenticidade americana desde o início da década de 1970”. A empresa tem sido bem-aceita como autêntica pelos ambientalistas por causa do Prius, destinado a jovens, e da linha Scion, para adultos ligados em moda; e agora está apontando o Tundra para os que preferem o estilo “caminhão” e desejam a autenticidade de dirigir um deles.
No primeiro quadrimestre de 2007, a empresa japonesa ultrapassou a Ford na vice-liderança nos Estados Unidos e a General Motors como a maior montadora de veículos do mundo. Isso resulta diretamente de seus princípios de “enriquecer a sociedade pela construção de carros e caminhões” e seu valor fundamental
de contínuo processo de aperfeiçoamento. A frase “a inexorável busca de perfeição” aplica-se a algo além de seu luxuoso Lexus. A empresa inteira procura produzir impecavelmente –e imediatamente corrigir o processo sempre que ocorre uma falha. Esse é o estilo Toyota e assim tem sido há décadas.
Portanto, para descobrir as oportunidades estratégicas autênticas para sua empresa, utilize esses oito princípios para visualizar seu futuro até determinar aonde quer chegar. E então trate o futuro não como um destino, e sim como um guia para o caminho que se abre diante de você. Tal processo fornece os melhores meios de assegurar que sua empresa venha a ter não só um futuro, mas que ele seja autêntico, vigoroso e próspero.
© Emerald Group Publishing Limited B. Joseph Pine e James H. Gilmore são cofundadores da firma de consultoria Strategic Horizons, sediada em Aurora, Ohio, Estados Unidos. Entre seus livros está Autenticidade (ed. Campus/Elsevier), que trata do tema deste artigo.
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