domingo, 26 de julho de 2009

DOSSIÊ INOVAÇÃO ABERTA - De fora para Dentro

Por Luisa Monteiro



Em entrevista exclusiva, organizada em tópicos, Larry Huston, ex-líder de inovação da Procter & Gamble, conta como essa e outras empresas trocaram o “know-how” pelo “know-who” para adotar a inovação aberta e afirma: “conectar e desenvolver” será o novo paradigma dessa área

Pioneiro da inovação aberta, o ex-VP de inovação da Procter & Gamble conta comosurgiu o modelo de negócio “conectar e desenvolver” e aposta: este será o novoparadigma da área.
Se a inovação aberta fosse um crime, seria o crime perfeito. Não por não deixar pistas, mas por ter tantos motivos para justificá-la que qualquer juiz ou júri compreenderia o réu e o recompensaria com a liberdade.
Veja os principais:
• Urgência das empresas de inovar para compensar a consequente redução nas vendas que vem dos consumidores cada vez mais insatisfeitos e da concorrência crescentemente feroz –e também de eventuais recessões macroeconômicas.
• Pressão sobre os orçamentos para inovar de maneira mais barata.
• Necessidade de escapar das elevadas taxas de insucesso das inovações, como a verificada entre os produtos de consumo –apenas 18% dos novos produtos sobrevivem em três anos e a maioria não vende muito bem mesmo assim.
• Possibilidade de aproveitamento da capacidade intelectual existente fora das próprias fronteiras.
• Total coerência com a era das redes sociais e da web 2.0.
• O fato de que ser produzida por profissionais de qualquer lugar de fora da organização em qualquer parte do mundo torna a inovação aberta potencialmente mais poderosa, porque é mais surpreendente e menos imitável.
Não faz muito tempo que a inovação aberta se estabeleceu como processo possível no mundo dos negócios: cinco anos, no máximo. E não são muitas as organizações que já a abraçaram: entre as de primeira linha, umas 150 apenas. A pioneira foi a Procter & Gamble, que a iniciou em 2002, mas Johnson & Johnson, General Mills, Bill and Melinda Gates Foundation também estão nesse seleto grupo. Todas adotam o programa –e o conceito– “conectar e desenvolver” (connect and develop, originalmente) ou C&D, que foi encabeçado por Larry Huston, ex-vicepresidente de inovação da P&G e e atualmente consultor nessa área em sua empresa, a 4Inno, além de professor da Wharton School.
Como diz Huston a seguir, em entrevista concedida com exclusividade à Adriana Salles Gomes: “Estamos falando de algo maior que um modelo de negócio; estamos falando de um novo paradigma de inovação, que, mais cedo ou mais tarde, todas as empresas terão de incorporar. É a passagem da velha P&D, sigla de pesquisa e desenvolvimento, para o C&D, de conectar e desenvolver”.
O (velho) modelo de invenção
“A maioria das empresas ainda está amarrada ao que chamo de ‘modelo de invenção’ ou ‘modelo do tudo inventado aqui’, apoiado numa infraestrutura de tijolo e cimento e na ideia de que a inovação reside dentro dessas quatro paredes.
As empresas até tentam turbinar seus departamentos de P&D com aquisições, alianças e terceirização seletiva em alguns casos, mas todas essas são mudanças incrementais, curativos band-aid numa ferida mais profunda.”
caso P&G
“Quando a Procter & Gamble era uma empresa que faturava US$ 25 bilhões por ano, ela conseguia se apoiar no modelo de invenção. Mas, no patamar dos US$ 52 bilhões anuais [2001] e num mundo muito diferente, isso deixou de ser viável. Em 2000, ficou claro para nós que esse modelo não era capaz de sustentar níveis elevados de crescimento de primeira linha, mesmo incrementado –usávamos o conceito transnacional de inovações através das fronteiras, com uma rede formada por funcionários de todas as partes do mundo, como pregavam Sumantra Ghoshal e Christopher Bartlett.
A explosão de novas tecnologias aumentava a pressão sobre nossos orçamentos. Nossa produtividade de inovação, medida em vendas por pessoa de P&D, caía muito e a porcentagem de novos produtos que atingia suas metas financeiras estancou em 35%. Nossa ação chegou a cair de US$ 118 para US$ 52 e perdemos metade de nosso valor de mercado. Foi quando nos impusemos o desafio de gerar US$ 5 bilhões por ano em novas linhas de produtos.
Aí fomos lançar a Pringles Prints, nova linha de crisps com figuras e palavras divertidas. E conseguimos fazer isso em tempo recorde e por uma fração do custo usual. Descobrimos uma pequena panificadora em Bolonha, na Itália, herdada e comandada por um professor universitário de engenharia elétrica, que desenhou o próprio forno de assar e inventou um método com jato de tinta para imprimir imagens comestíveis em bolos e biscoitos. Selamos uma parceria com ele e adaptamos sua inovação rapidamente a nossas batatinhas.
Conectamos e desenvolvemos. Isso fez a North America Pringles ter crescimento de dois dígitos. Sabe como encontramos esse professor em Bolonha? Fizemos um briefing do desafio e o enviamos para 9 mil pessoas de fora da Procter & Gamble. A proposta acabou chegando ao e-mail dele.
Metade das inovações lançadas pela Procter & Gamble desde então vem de fora das fronteiras corporativas, sendo que, destas, 35% se originam em empresas individuais ou de pequeno porte. Nos últimos seis anos dobraram o fluxo de caixa e o lucro, houve incremento de 60% na produtividade de P&D e o índice de inovações bem-sucedidas saltou de 35% para 75%.
A empresa tem 9 mil funcionários dedicados a pesquisa e desenvolvimento, mas, somando os parceiros em 71 países, são 1,8 milhão de pessoas buscando inovar pela Procter & Gamble. Tanto que a companhia tem mais de 27 mil patentes registradas. Isso mudou até sua vocação. Agora ela é uma empresa de ciência e não de marketing. E fatura US$ 86 bilhões por ano.”
O novo modelo C&D: seis passos
“A implementação do modelo C&D não se limita a ser receptivo às ideias de fora. Nós o montamos na Procter & Gamble com um indivíduo fazendo ligações com gente de fora e o expandimos até ter 70 pessoas dedicadas a isso, que foram capazes de identificar milhares de produtos, ideias de produtos e tecnologias promissoras. Resumidamente, elas têm de identificar uma necessidade –com os consumidores ou não–, criar um briefing sobre isso, achar um modo de distribuí-lo interna e externamente (primeiro é preciso verificar se a resposta a tal necessidade pode ser desenvolvida, a contento, internamente). Tal briefing pode ser distribuído para 5 mil pessoas lá fora, por exemplo. Aí vêm as respostas, sempre tecnológicas –afinal, inovar é juntar o que é necessário para o consumidor com o que é possível pela tecnologia. E essas 70 pessoas devem poder estimar a possibilidade de sucesso em cada caso.”
O processo C&D, trabalhado tanto na P&G como pela consultoria de Huston, tem seis pontos:
1. Por que mudar. Saber com clareza quais são os “mandatos” da própria companhia, ou seja, seus limites e suas facilidades.
2. O que fazer. Definir a visão ou o foco dos negócios.
3. Onde atuar. Escolher a região geográfica.
4. Como vencer. Aprender qual é a maneira de operar ali visando ao êxito.
5. Quem buscar. Mapear quais as capacidades necessárias para vencer: ferramentas, habilidades e tecnologias.
6. Como viabilizar tudo isso. Desenvolver a gestão e a governança (da rede de parceiros) apropriados.

É nos itens 5 e 6, sobretudo, que entra a rede de parceiros. No que diz respeito ao item 6 especificamente, o objetivo deve ser o de se tornar o parceiro preferencial do pool de talentos, cuidando deles e alimentando-os, mantendo-os, por exemplo, 20% ocupados com projetos seus o tempo todo. Não adianta fechar um projeto cada três anos com eles; você vai perdê-los.
“Veja bem: estamos falando de algo maior que um modelo de negócio; estamos falando de um novo paradigma de inovação, que, mais cedo ou mais tarde, todas as empresas terão de incorporar. É a passagem da velha P&D, sigla de pesquisa e desenvolvimento, para o C&D, de conectar e desenvolver.”
Inovadores: das páginas amarelas à gestão
“Uma das tarefas que minha firma de consultoria executa é a elaboração de um tipo de ‘páginas amarelas’ de parceiros potenciais. Depois as empresas estabelecem seus acordos com eles. Esses acordos seguem uma espécie de Lei de Moore. O primeiro leva 12 meses para ser concluído, o segundo 6 meses, o terceiro 3 meses e, ao longo de um período de cinco anos, constrói-se uma relação bem engrenada.”
Abertura e crise
“Esse modelo de inovação aberta nasceu como resposta a uma crise –no caso, a crise que a Procter & Gamble estava atravessando desde 2000, com a saída de seu CEO, com a demanda por novos produtos para casa, com a influência da biotecnologia e da genômica em seu mercado etc. Então, ele é muito adequado à crise financeira que observamos atualmente.
Hoje já temos entre nossos clientes uma montadora automobilística europeia especializada em carros de luxo, porque a crise atual atingiu em cheio especialmente essa indústria. Ela tem uma infraestrutura gigantesca de inovação interna e resolveu recorrer a esse modelo para mudar as coisas.”
Aquisições X crescimento orgânico
“A maioria das empresas maduras precisa ter um crescimento orgânico de 4% a 5% por ano no mínimo, além de eventuais aquisições, que respondem por 2% a 3%, somando 6% a 8%. O problema é que as aquisições, embora devam crescer nesta crise, são arriscadas e caras, por isso é interessante garantir o crescimento orgânico.”
Apoio da alta cúpula
“Temos provas suficientes de que o apoio a esse novo modelo de negócio precisa vir de cima, senão não funciona. Como cria valor para o acionista, esse apoio se justifica totalmente. O apoio do CEO da Procter & Gamble [Alan G. Lafley] ao projeto foi crucial para seu êxito.”
Mudança cultural
“Sem uma mudança de cultura que consiga combinar ativos intelectuais internos e externos em condições equitativas e seja capaz de substituir a mentalidade ‘não foi inventado aqui’ por ‘orgulhosamente encontrado fora daqui’, a inovação aberta não se estabelece. Isso passa tanto por adaptar os sistemas de remuneração de acordo com esses objetivos como por ações de comunicação intensivas e comportamentos exemplares da alta cúpula. A cultura começa a ter motivação pela busca de soluções fora dos limites corporativos –partindo do princípio de que estas já existem, só precisam ser localizadas. É o que chamo de foco nos produtos ‘prontos para usar’. É um tom perscrutador e não se deve ter medo de procurá-las e explorá-las. É preciso, acima de tudo, acrescentar o know-who ao know-how.”
Especialidades de inovação por país
“Os diferentes países podem ter especialidades de inovação que as empresas do modelo C&D vão buscar ali. Por exemplo, a China atrai por sua inovação de custo, que muita gente confunde erroneamente com redução de custo. Eles focam custo como objetivo: o cliente lhes dá o preço a que quer chegar e eles fazem a engenharia reversa para chegar a ele. Por exemplo, um aparelho de barbear elétrico que custava US$ 18 passou a US$ 3 e depois a US$ 0,90. Eu testei e funciona bem! Não conheço suficientemente a América Latina nesse sentido nem a região tem despertado muito o interesse de meus clientes como fornecedora de inovação ainda. Mas cabe aos países latino-americanos investir nisso. A Finlândia, por exemplo, decidiu investir ativamente em apoio à inovação, por entender que o bem-estar de seu povo –e de qualquer nação– agora está intimamente ligado à capacidade que o país tiver de inovar.”
Como as pessoas de fora podem implementar
“Sua empresa não precisa faturar o equivalente a bilhões de dólares para você adotar o modelo C&D. Empresas de todos os tamanhos podem alavancar ideias e ativos de outras companhias e, na verdade, as empresas menores provavelmente têm mais facilidade de fazê-lo. Vale a pena começar a pesquisar redes externas como NineSigma, YourEncore e InnoCentive.”
Tamanho do desafio
“Hoje a maioria das empresas não tem ninguém do lado de fora. Enfrentei o desafio de reverter isso duas vezes: na P&G por sete anos e em minha firma de consultoria. Hoje, na 4Inno, temos 20 funcionários e 400 parceiros externos na rede de inovação. Não é fácil, mas é possível.”

SAIBA MAIS SOBRE LARRY HUSTON
Larry Huston foi o vice-presidente de inovação da Procter & Gamble que criou e liderou a estratégia “connect + develop” da empresa. Ele conta que já possuía essa ideia uma década antes, como pesquisador na universidade, e que naquele momento surgiu a oportunidade de implementá-la na P&G. Huston fundou e lidera a firma de consultoria 4Inno, especializada em inovação aberta, que faz vários programas de treinamento de um dia no assunto, além de montar “páginas amarelas” de parceiros de inovação e oferecer outros serviços nessa área. Ele também é professor de gestão da Wharton School, da University of Pennsylvania.



Princípios do Design das Redes de Inovação

Segundo Larry Huston, as redes de inovação seguem alguns princípios muito claros:
1. São uma estrutura de irradiação, ou seja, com o centro (a empresa principal) e os raios.
2. Têm métricas muito bem definidas.
3. Baseiam-se no compartilhamento de riscos e recompensas por todas as partes –o que significa que a empresa central não pode querer ganhar muito mais que as outras.
4. Todas seguem um desenho único.
5. Dividem-se em redes exclusivas (em que os parceiros trabalham apenas com a empresa central) e redes abertas.
6. Têm mecanismos de construção de confiança e de relacionamento.
7. Não excedem a capacidade produtiva de cada membro –fator importantíssimo.
8. Contam com “donos de rede”, que, por sua vez, têm funções muito bem estabelecidas.
9. São focadas em uma região específica.

Além disso, Huston ressalta a importância de alavancar ecossistemas já existentes nas regiões, como fornecedores, universidades, ex-alunos, institutos de pesquisa, mercados virtuais, lojas de inventores, outras empresas, consumidores, empreendedores.

Fonte: HSMManagement n°75 - Julho-Agosto

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